29 de julho de 2013

Imprensa: Maysa muito mais Maysa - Jornal do Brasil, 29/05/1963


Maysa muito mais Maysa

Texto de João Luís de Albuquerque 
Com fotos de Hélio Santos 


O show devia começar na calçada. Uma limusine negra, La Salle 1935, com chofer japonês, estacionaria todas as noites em frente ao Au Bon Gourmet. De casaca vermelha, o porteiro, bom crioulo de 1,90m, estenderia a passadeira grená até o carro. Maysa, vestido preto e comprido, com as costas nuas e vison branco sobre os ombros entraria na boate escura.
Mas, o bom crioulo sumiu, o alfaiate não entregou a casaca e o japonês ficou sem ter o que fazer: na véspera da estreia a limusine quebrou o diferencial. Mas o show business brasileiro também must go on, e Maysa estreou na data marcada  para um público assustado.
Quem na noite já tem muitas horas de palco sabe que o maior prazer de Maysa sempre foi o de devorar platéias. Barulho de gelo no copo de uísque já foi motivo já foi motivo para que ela interrompesse e acabasse com muito show.
As músicas vão passando e cada um entendendo menos. No final todos se perguntam: “O que houve com Maysa?” sempre existiu o mito Maysa. A que mantinha o público à distância, a que transmitia sua poesia sem se importar com a opinião de ninguém.
-         Para mim não existe público e não quero que ele entenda ou sinta nada. Existe apenas minha vontade enorme de cantar.
Mas no Au Bom Gourmet o público vê Maysa pela primeira vez simpática, como se cantasse na mesa de cada um. Como se a todos perguntasse, “vocês estão me entendendo?” tudo sem a máscara de tragédia, sem canto da boca retorcido para baixo. Apenas com um sorriso. De simpatia.
Cantando alguns antigos sucessos, levando o público ao delírio com Buquê de Isabel, Dindi, Bom Dia Tristeza, Lamento, Maysa lota o Au Bon Gourmet até nas segundas e terças-feiras. Além da inegável qualidade artística do show, muita gente vai duas vezes ao Au Bon Gourmet “ver para crer” na transformação de Maysa.

(Reportagem publicada originalmente no CADERNO B do JORNAL DO BRASIL, no dia 29 de maio de 1963.)


22 de julho de 2013

Imprensa: Depoimento à revista A Cigarra - 08/1973


Depoimento à revista A Cigarra


Agora, Maysa, vamos conversar para ver como andam as coisas. Não trago perguntas fabricadas, tenho comigo apenas um gravador. Sei que você saltaria para fora de qualquer esquema montado, com ou sem base numa imagem mitificada.
-         Eu tenho horror a mito. O mito é o anti-ser humano, é o antiqualquer coisa. Se me mitificaram, eu nunca tomei conhecimento. Eu nem sei o que é mito.
Eu sei que você continua gauche na vida, mas para você ser gauche “é ter coerência, é saber dizer não ao que não interessa, é saber onde encontrar o equilíbrio mesmo no desequilíbrio”.
Mesmo dentro do desequilíbrio! Então é por isso que agora, quando a vêem, as pessoas pensam: “Ela parece tranquila”. E o pensamento soa estranho porque contradiz aquela imagem de amargura agressiva.
-         É que as pessoas colocam no artista uma série de problemas delas. Me dão rótulos que não sei de onde surgem. E o que é tranquilidade? Para mim pode ser uma coisa, para você outra. Acho que sou uma pessoa tranquila ou, pelo menos, coerente comigo.
Mas de onde veio a imagem? Será que a dita não passava de uma projeção da intranqüilidade coletiva sobre você? Ou será que...
-         Houve uma época que eu realmente tinha um terror, um medo incrível de me enfrentar, de olhar para mim mesma.
Seu mundo caiu. Agora parece de pé, já não lembra o Comigo me Desavim do Sá de Miranda. Você já pode ficar com você?
-         Acredito que hoje eu teria capacidade para viver só, porque já me aceito, já me aguento, tenho conversa comigo mesma. É preciso que você tenha alguma coisa dentro de você para poder ficar sozinha e não se desesperar. Hoje em dia, é claro que não desejo porque adoro ficar com o Carlos, mas eu tenho esta felicidade de poder ficar sozinha em paz. A descoberta do interior da gente é um caminho que não tem mais fim, uma estrada sem retorno.
Foi então a descoberta deste caminho que a levou a viver numa praia distante, onde a luz elétrica ainda não chegou e cujo endereço você não dá para que as pessoas não cometam o despropósito de levar para lá os apetrechos da civilização. Civilização, esta que se chama Rio de Janeiro, agora só aos domingos. No mais, é curtir o sol, a praia, o peixe e Carlos Alberto. E o Carlos?
-         Carlos e eu somos o encontro entre duas pessoas que tem muita coisa a dizer uma para a outra, um encontro feito de amadurecimento. Ele passou por muita coisa, eu também; e nós já sabemos distinguir o que é bom e o que não é bom para nós.
-         Bom é não ter hora para nada, é acordar de manhã com os passarinhos cantando, é praia, é peixe tirado na hora, é viver no mar, porque eu sem mar não sou gente. Mesmo na minha época de zorra, eu tomava meu pileque, mas as sete da manhã estava na praia curtindo o pileque ou começando outro. Eu tenho a impressão de que sempre vivi esta vida, aquela fase de zorra é como se nunca tivesse existido. Não estou dando uma de me isolar do mundo, é tudo tão mais completo, tão maior, dentro de uma vitalidade que o sol dá! Não sei bem explicar o que eu faço. Leio pra burro, pinto, ouço música, vivo. Pesca submarina? Já fiz, mas agora, fumando quatro maços de cigarro por dia, o fôlego não dá!
Foi-se a Maysa amarga. E o que é da Maysa agressiva?
-         Agressiva? Ninguém pisou no meu calo! Se me tratam bem, eu trato bem. Se me agridem, eu agrido. Apenas respondo e isto é humano. Não faço gênero. Só não gosto que me pisem no calo. Essa história de levar um bofetão e dar a outra face, eu não sou cristo! Se o fato de você se defender, de ter respeito por você mesma, é ser agressiva, então eu sou muito agressiva.

Eu creio

-         Creio em Krishnamurti, ele está certíssimo: Não de nome a nada, as coisas são, puramente são. Se eu for para você como uma ideia preconcebida, está tudo errado. Atualmente, há um movimento de aceitação muito grande do homem pelo homem. O homem está descobrindo que é capaz de coisas que nem mesmo ele sabe.
-         Creio no que se pode explicar racionalmente, cientificamente. Não acredito em fantasminhas. Leio tudo e faço as minhas deduções. Religião? Não, tenho a minha filosofia de vida, sou Rosa Cruz. E acredito no Karma, profundamente. Eu repetiria tudo o que fiz, porque era uma coisa pela qual eu tinha de passar.
-         Creio que até dentro da involução existe uma evolução, e, para evoluir, você tem que andar na vida até ir encontrando.
Dito o credo, Maysa passa a falar de sua música, do que significou e significa. Aquelas músicas de fossa profunda representaram uma fase da sua vida, tiveram uma razão de ser, não foram fabricadas para o consumo dos que tinham dor-de-cotovelo. Se consumidas foram, foi sorte do acaso.
-         Eu nunca tive a intenção de chegar para um sujeito e dizer: quero gravar isto. A única música que fiz para ser gravada foi aquela do meu personagem no Cafona, o Tema de Simone.
Meu Mundo Caiu, conta, esteve guardada numa gaveta pelo menos um ano. Um dia, um amigo, dono da RGE, chegou na casa de Maysa e começou a futucar nos seus papéis. Achou a poesia e puxou o papo:
-         O que é isso?
-         É uma música que fiz para mim,não tem a menor importância.
-         Mas isso é formidável!
-         Formidável, não, é terrível!
-         Formidável, sim, porque no caso eu sou o homem que vai pagar pra isso vender.
-         Então venda o meu estado de espírito.

Um Love Story à brasileira

-         Eu nunca deixei de fazer poesia, porque sempre passo para o papel os meus estados de espírito. Atualmente, as minhas músicas ainda estão em forma de poesia, esperando a música chegar a qualquer hora. O que dizem? Não sei te dizer, porque num dia a gente vive tantos momentos, tantos estados de espírito. Eu gosto de música que sai de dentro, e o que sai de dentro nem sempre é alegre. Só se deve dar nome às coisas, então eu sou uma romântica. Gosto de ver beleza na vida e nas pessoas. Se você consegue aceitar três defeitos nas pessoas, você está em paz com o mundo.
Maysa quer estar em paz com o mundo e talvez por isso não se interessa em gravar os seus estados de espírito. Ainda está na sua cuca aquele caso com aquela gravadora: A dita queria que ela gravasse um Love Story em versão brasileira. Maysa recusou-se, dizendo que aquilo não fazia o seu gênero, mas os caras forçaram a barra sob a alegação de contrato. Ela então gravou a coisa, mas pediu demissão da gravadora.
-         Não é uma questão de temperamentalismo, apenas eu faço o que gosto. Senão não tem sentido. Então, eu vi que o esquema estava se formando nesse gênero: gravar para ganhar dinheiro. Eu não quero entrar nesse esquema. Não quero dizer com isto que eu esteja nadando em dinheiro. É que a minha vida profissional é uma decorrência da minha vida pessoal, e me parece muito melhor ganhar um pouco menos, mas viver bem comigo mesma, do que aceitar coisas que criem vibrações ruins.
E para evitar estas más vibrações da máquina, Maysa quer, ela mesma, produzir os seus discos, como já fez duas ou três vezes. Está estudando as músicas para um LP, que deverá ter apenas três composições suas, incluindo nas demais alguma gente nova. E pretende também formar um grupo, pois quer um trabalho uniforme, tudo muito afinado.

Depois de O Cafona

Compositora, cantora, depois atriz. Atriz não muito bem sucedida, é verdade, mas ela fará uma nova tentativa. Desta vez, no cinema, interpretando uma personagem de quem não sabe ainda sequer o nome. Sabe apenas que as filmagens devem começar em outubro e que os seus pulsos batem como os de uma criança diante de um bolo confeitado.
E o teatro, deixou?
-         Nunca deixei porque nunca entrei.
Aconteceu que depois de O Cafona, Maysa quis dar um salto mais alto com a peça Woyzeck.
-         Caí redondamente porque foi realmente uma coisa mal estruturada, sem base, mas valeu a experiência e eu gostaria de futuramente fazer uma coisa realmente palpável.
Ela e Carlos Alberto tinham programado levar em Belo Horizonte o Depois da Queda,de Arthur Miller, mas desistiram quando Maysa ficou esperando o bebê, que perdeu. Há pouco, Carlos Alberto foi convidado por Victor Berbara para fazer a peça do Teatro Copacabana e recusou porque não quis entrar no esquema de ensaios, que lhe ia tomar muito tempo.
-         Estamos mais naquela de praia, mar e encontro, porque faz um ano que estamos juntos e estamos nos conhecendo. No momento, queremos nos curtir e curtir a vida.


(Reportagem publicada originalmente na revista A CIGARRA, em agosto de 1973; agradecimentos ao leitor do blog, Edson Luiz Mendes, que tornou possível a publicação desta matéria.)


15 de julho de 2013

Imprensa: Maysa - edição - 1961 - exclusiva da bossa nova, Jornal do Brasil (12/04/1961)


Maysa - edição 1961 - exclusiva da bossa nova 

Vera Pereira


A cantora Maysa, que esta semana embarca para os Estados Unidos, em cumprimento de um contrato firmado no ano passado com a boate Blue Angel, de Nova Iorque, reaparecerá em fins de maio ao público carioca, em nova fase de sua carreira artística: assinou contrato de exclusividade com um conjunto de integrantes da bossa nova e em todas as suas apresentações, durante o ano, em shows, televisão ou discos, no Brasil, e, possivelmente, no exterior, se fará acompanhar por eles.
Nesse sentido, gravou um primeiro LP, em estilo bossa nova, intitulado Maysa e a Nova Onda, e, aproveitando sua temporada de um mês em Nova Iorque, tentará levar o conjunto para os Estados Unidos. Se não o conseguir, em virtude da barreira imposta pelo Sindicato de Músicos dos Estados Unidos à exibição de estrangeiros, reincidirá o contrato com a boate americana, pois já tem proposta para uma tournée pela América do Sul, acompanhada pelo conjunto, devendo apresentar-se em junho na Argentina e depois no Chile.

PRIMEIRA TOURNÉE


É essa a primeira vez que um conjunto de músicos bossa nova fará uma excursão artística fora do Brasil, principalmente aos Estados Unidos. Algumas exibições individuais, em pequenos grupos, foram feitas no ano passado, na Argentina, com João Gilberto e Norma Benguell, mas é a primeira vez que a tournée é organizada especialmente com uma cantora exclusiva.

A sugestão para a viagem partiu da própria Maysa que, durante sua última temporada nos Estados Unidos, havia ouvido referências entusiasmadas de Lena Horne, Sammy Davis Jr, e outros artistas que haviam conhecido a nossa música moderna ao fazer temporada no Brasil.

De volta ao Rio, Maysa, que em Punta Del Leste conhecera pessoalmente o violonista Menescal e João Gilberto, em sua exibição naquela cidade, entusiasmada com o ritmo dos músicos, procurou entrar em contato com outros elementos da turma, através de Ronaldo Bôscoli, que conhecia como compositor.

O CONTRATO


Já no show do Copacabana Palace e nos programas de televisão que realizou no início do ano, Maysa aparecera com elementos da bossa nova, e, ao ser contratada pela Columbia Discos para a gravação de um LP, surgiu a ideia da exclusividade. Tendo Roberto Corte-Real, diretor da companhia, permitido à cantora escolher os arranjadores do novo disco, Maysa exigiu que fossem contratados, ao mesmo tempo que ela, Luis Eça e Roberto Menescal, não desconhecidos profissionalmente e pertencentes ao grupo BN.

Com a assinatura do contrato, Maysa criou também uma novidade entre cantores brasileiros, embora de uso comum entre europeus e americanos: organizou uma direção artística, a cargo de Ronaldo Bôscoli, que se incubirá especialmente da montagem e da produção de seus shows.

O CONJUNTO


O conjunto, que assinou contrato de exclusividade para acompanhamento de Maysa em todas as suas exibições e que com ela gravou o LP Maysa e a Nova Onda, é integrado por:

Roberto Menescal, de 23 anos, conhecido compositor e violonista, responsável pelos arranjos para pequeno conjunto, que compôs também várias músicas do LP;
Luis Carlos, de 21 anos, pianista, acompanhante de João Gilberto, Norma Benguell e Cauby Peixoto em excursões à Argentina;
Bebeto, 21 anos, considerado o melhor contrabaixista do país, além de tocar também flauta, clarinete e sax;
Hélcio, baterista que acompanhará Maysa nos Estados Unidos. É quem possui maior soma de experiência profissional, pois acompanhou Sammy Davis em sua recente temporada em São Paulo, participou nos Estados Unidos do Perry Como Show e foi convidado por Les Baxter para gravar um LP intitulado Ritmos Latino-Americanos. É inventor de uma novidade em tipo de bateria, com quatro tambores, chamada tamba.
A regência e os arranjos para grande orquestra, assim como os solos de piano, foram feitos por um maestro de 23 anos, Luis Eça, que estreia como arranjador. É muito conhecido como pianista de jazz e já foi bolsista do Conservatório de Viena.

MAYSA SORRI


-         A Maysa do novo disco, afirma Ronaldo Bôscoli, aparece cantando leve, mais perto do ouvinte, sem superdramatização. É uma Maysa de sorriso no rosto.
O que em nada lhe modificou a personalidade; na opinião dos outros elementos do conjunto, o estilo Maysa é o mesmo, embora haja modificações na maneira de dizer as letras, com um acompanhamento moderno, balançando, bem de bossa nova.
-         Meu gênero ainda é o romântico, declara Maysa. Mas precisei me atualizar; e ter conhecido os meninos – como chama os integrantes do conjunto – teve a outra vantagem de me interessar em aprender música e aperfeiçoar meu estilo.

PORQUE NOVA ONDA


-         O nome bossa nova anda muito vulgarizado, diz Ronaldo Bôscoli. Atualmente se aplica a tudo o que é diferente, de bom gosto ou não, em todos os assuntos.
Por isso preferiram adotar o termo nova onda, sem dúvida tradução do francês nouvelle vague.

-         É preciso compreender que o nome, em si, não quer dizer nada, nem ao menos que o estilo seja completamente novo, explica Bôscoli. Apenas distingue, no momento, um grupo de jovens que faz música leve, antinegativista, triste mas com otimista.

Música para gente jovem, se não em idade, em talento, como Ary Barroso e Vinicius de Moraes.

MÚSICA DE ELITE


A bossa nova – ou nova onda – nasceu como um tipo de música brasileira para uma elite de cultura musical, assim como o jazz nos Estados Unidos.
O compositor ou instrumentista, precisa ter suficiente conhecimento teórico, boa técnica, estudar, ler e ouvir música, para adquirir a versatilidade necessária para improvisar e fazer harmonizações dentro do ritmo balançado.

-         Existem, na música brasileira, o samba de morro, o samba de salão e o samba bossa nova, afirma Ronaldo, assim como nos Estados Unidos, por exemplo, há o fox-trot, o jazz e outros ritmos.

BN COMERCIALIZADA


Dizem que a fase de sucesso da BN está passando e o movimento tende a desaparecer, pois o público está saturado com uma quantidade grande de cantores e compositores que aderiram ao estilo lançado por João Gilberto.
Para Ronaldo Bôscoli o próprio fato de quase todos os autores tentarem introduzir o ritmo balançado em suas composições já mostra que, embora não seja mais a novidade que era há dois anos, a influência da BN foi profunda.

-         Há é uma inflação de sambinhas, declara Menescal, que copiam a famosa batida de violão da BN, adaptam-na uma a uma, melodia de fácil agrado e comercializam o estilo. Uns com bom gosto – Luis Antônio e Miltinho, por exemplo – outros, nem tanto. A verdade é que, assim como Elvis Presley sempre venderá mais que Gerry Mulligan, também a autêntica BN não pode ser comercial, e muito compositor de menos categoria faz mais sucesso que Antônio Carlos Jobim.

CASO JUCA CHAVES


-         Exemplo típico é o do moço Juca Chaves, afirma Ronaldo. Representante da bossa paulista em terra carioca, chegou quando fervia o movimento BN. Imediatamente, sem que ninguém do grupo tomasse conhecimento, declarou-se adepto de nosso estilo. Depois, desmentiu-se; voltou atrás e, no meio tempo, ia entoando suas modinhas, tipo começo de século, que são lindas, à sua maneira, mas não respeitam nenhuma das características de bossa nova.
-         Principalmente, acrescentou, o caso Juca Chaves teve o desserviço de confundir, no conceito popular, o nome de um estilo musical com a adoção de comportamentos diferentes e atitudes desconcertantes.

INFLUÊNCIA DO JAZZ

A música da bossa nova tem muita afinidade com o jazz, embora seja essencialmente brasileira nos temas e no ritmo. A variação sobre um mesmo tema, a improvisação, mesmo algumas frases melódicas lembram imediatamente o estilo jazzístico. A origem negra comum nas músicas negra e americana, assim como a idade dos seus adeptos, talvez sejam fatores de explicação.
-         Essa influência existe e nem poderia deixar de existir, afirma Ronaldo Bôscoli, pois os músicos que criaram a BN, todos de menos de 30 anos, já cresceram sob o impacto da propaganda americana em discos e em filmes.

RITMO DE SAMBA-RANCHO


É no ritmo, entretanto, que se evidencia o caráter essencialmente brasileiro, talvez mesmo carioca, da bossa nova.
-         Foi João Gilberto quem adaptou para o violão a batida característica das escolas de samba, quando regressam de um desfile, explicou Hélcio, e que mais se assemelha a um samba-racho, lento e marcado, do que ao ritmo ligeiro da bateria que começa o desfile.

FARÁ SUCESSO


O ritmo da bossa nova deve agradar ao público americano. Além da afinidade com o jazz, o ritmo harmonicamente mais certo, mais definido, torna fácil a assimilação para o ouvinte estrangeiro.
-         O samba tradicional faz mais sucesso no exterior por ser exótico, afirma Ronaldo Bôscoli, do que pela sua qualidade intrínseca.
-         Assim acrescenta Maysa, é muito raro que uma cantora brasileira, que não se apresente no exterior com a clássica fantasia de baiana e a gesticulação de Carmen Miranda, faça sucesso.
A montagem do primeiro show de Maysa com a nova onda, nos Estados Unidos, será semelhante à que realizou na última temporada no Copacabana Palace. Cantará, em português, apenas acompanhada pelo pequeno conjunto. 


(Reportagem publicada originalmente no CADERNO B do JORNAL DO BRASIL, na quarta-feira, 12 de abril de 1961)

9 de julho de 2013

Especial: versão alternativa de "O Barquinho" (1968)


Versão alternativa de "O Barquinho" 




Há pouco tempo abri a caixa de e-mails do blog e me deparei com um e-mail diferente, tratava-se de um link para baixar um disco de Maysa. A princípio, nada de diferente, nada de anormal nisso. A seguir, baixei o disco, tratava-se de uma coletânea internacional de Maysa – atípico – agora, adivinhem qual não foi minha surpresa ao ouvir o disco abrindo com uma versão até então completamente desconhecida de “O Barquinho”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli; música gravada por Maysa no disco Barquinho de 1961.

Nunca antes tinha ouvido falar de Maysa ter gravado uma segunda versão de “O Barquinho”, e tenho razões de sobra para acreditar que também é desconhecida do grande público, porque nunca deve ter sido lançada em disco no Brasil; portanto, vou agora tentar explicar sua origem.

Para começar, extraí este trecho do capítulo 13 da biografia Maysa – só numa multidão de amores escrita por Lira Neto: 
“A exemplo de argentinos e uruguaios, os peruanos tiveram o privilégio de contar com uma edição nacional do lendário LP gravado pela Columbia norte-americana, Maysa sings songs before dawn. Com sua chegada ao país, a subsidiária local da RCA Victor também mandou prensar de imediato uma coletânea. O disco reunia vários sucessos como “Ne me quitte pas”, “O barquinho”, o afro-samba “Canto de Ossanha” e “Just in time”. Incluía ainda uma gravação inédita de “Berimbau”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, que ela havia gravado na Espanha e, adivinhem, também nunca foi lançada no Brasil.”

Portanto, podemos tirar algumas conclusões a partir da leitura deste pequeno trecho – a dita coletânea era um relançamento do disco da cantora gravado no ano anterior – 1966 – pela gravadora RCA Victor; a exemplo de “Berimbau”, esta segunda versão de “O Barquinho” também fora gravada na Espanha; pelas coordenadas dadas na biografia, a coletânea foi lançada no ano de 1968, durante a turnê de Maysa pela América Latina. Agora, vamos a algumas considerações obtidas a partir do texto da contracapa da coletânea, escrito pelo diretor assistente, gerente de produção e ator argentino Enrique Bergier.

[...] Graças a RCA, nosso público tem a oportunidade de descobrir e compartilhar o mito MAYSA MATARAZZO. E nada melhor que a seleção das composições deste LP, para descobrirmos suas justificativas. Maysa, entre outras coisas, “inventou” a Bossa Nova. Quando em 1958, ao começo de sua carreira e com audácia inesperada, grava esta fabulosa canção que se chama BARQUINHO, incorpora ao ritmo do samba brasileiro, a magia do swing. E assim começa uma nova forma, um novo eco musical que como um ciclone envolve ao mundo com uma nova realidade que tem sido e é hoje – mais que nunca – MAYSA. Neste LP temos a ocasião de um novo e belíssimo arranjo daquele eterno sucesso. [...]"

Esta segunda estrofe do texto nós dá mais algumas informações – como já foi observado inúmeras vezes, Maysa era tida no exterior como a grande cantora brasileira que foi e respeitada como uma pioneira e divulgadora da Bossa Nova pelo mundo; Maysa teria re-gravado “O Barquinho” visando exclusivamente o mercado latino, visto que a coletânea que levou seu nome – Maysa Matarazzo – também foi lançada na Argentina.

Desfeito o mistério, podemos agora apreciar esta releitura de
“O Barquinho”, registrada mais de cinco anos depois da primeira versão. É fácil observar o quanto à voz de Maysa se transformou nesses anos, e como sua interpretação de Bossa Nova evolui – neste sentido, para muito melhor. Em comparação, a versão de 1968 é muito mais gingada que a bossa de 1961; Maysa também canta de maneira muito mais descontraída, leve e despojada – há malemolência em sua voz. A orquestração é grandiosa, mas o arranjo é competente e os músicos estrangeiros conseguiram executar com louvor o compasso da bossa brasileira. Enfim, é puro deleite.