20 de fevereiro de 2018

Maysa entre nós - Diário de Notícias, 1969



Reportagem de Anna Maria Funke
Fotos de Athayde dos Santos

MAYSA está de volta. Com sua beleza agressiva e aqueles seus olhos imensos e muito verdes, iluminando o rosto de uma mulher feliz e tranquila. Uma Maysa diferente daquela que o público conheceu em certa época. Mas isso é detalhe, pois Maysa, em nenhum momento, deixou de ser a cantora de voz personalíssima, cantando bonito e muito fazendo pela nossa música. Como compositora e cantora.

Maysa acha que o brasileira está cansado de música confusa, barulhenta, de letra longa. O que ele quer é coisa simples, bonita, humana, na qual cada um possa se identificar.
Música ela não tem feito há muito tempo. Está agora fazendo poesia, dentro da mesma linha de suas composições. Mas poesia, ela faz para ela só.
A primeira música, ela fez quando tinha doze anos, época em que já saia de casa, dizendo que ia estudar, para visitar gravadoras e estúdios... “Olha, levei muita surra e castigo por causa disso...” Chamava-se “Adeus” e foi por ela gravada, anos depois, quando surgiu para o grande público em 1957. Mas de suas músicas a que mais gosta é “Tarde Triste”, que juntamente com “Ouça” são talvez seus dois maiores triunfos.
Para fazer cinema ela teve um convite em Portugal, que não foi aceito. Não conhece muito o nosso atual cinema, mas gostaria muito de um dia poder interpretar na tela, a protagonista do romance de Mário de Andrade, “Amar, verbo intransitivo”. Aqui fica, portanto a sugestão para alguns de nossos cineastas...
A verdade é que hoje ela é um nome internacional. Já cantou em toda América do Sul, no Japão, nos Estados Unidos (onde morou dois anos e fez temporada no famoso “Blue Angel” de Nova York, ao lado de grandes cartazes), na Europa toda. Em Milão, fez programa de TV, “Em tempo de Samba”, mostrando as coisas bonitas desse nosso ritmo.
Mas o que pouca gente sabe é que no dia 16 de janeiro de 1963, uma brasileira fazia sucesso no Olympia de Paris. Era Maysa, que nesse dia estreava temporada, em programa no qual a vedete era o famoso Tino Rossi. Maysa cantou acompanhada pelo conjunto de Jacques Brel e o sucesso foi enorme. Nesse mesmo ano fez também programa de TV no único canal de TV de Paris cantando 12 músicas, com cenários sobre o Brasil, etc... chamou-se “Rendez-vous avec Maysa”. Também cantou em outro programa sucesso na TV francesa, o “Discorama” ao lado de Sacha Distel. Seu último disco, foi gravado na Espanha. Um compacto, com “Reza” (Edu Lobo) em versão espanhola, feita por ela mesma e “Pálida Ausência”, canção de protesto, de autor espanhol, com música, segundo ela, de grande beleza.
Mas em sua primeira ida a Europa, em 1959, quando resolveu deixar tudo aqui e viver uns tempos em Paris, ela já havia gravado no Olympia, com Ray Ventura e cantado em uma festa em San Remo.
Nessa época, ela descobriu Paris, com todo o seu encanto, inclusive o de viver nessa cidade, sem dinheiro, pois a família aqui, já não queria mandar mais, para ver se ela voltava. Junto com Vera Barreto Leite, que também lá estava, chegou a fazer desenhos e pinturinhas que vendiam aos turistas (pouco exigentes), para conseguir, quando muito almoçar e jantar.
Na continuação do papo, ficamos sabendo que temos uma admiração em comum por Judy Garland, cantora que ela considera extraordinária acima de qualquer outra. Gostava muito de Piaf que chegou a ouvir mais de uma vez.
De sua vida, feita de muita vivência e experiência, ela tem agora um sentido certo. De todos os anos que morou no exterior ela tem a certeza que ainda quer morar lá fora, pelo menos durante algum tempo ainda. Agora é viver intensamente essa atual temporada no Brasil. Trabalhando muito, cantando sempre bonito, com aquele jeito, muito seu, de cantar e dizer, ao mesmo tempo, transmitindo espontaneamente coisas de amor, saudade, tristeza, solidão, encontro e desencontro... Ou então a simplicidade da história de um barquinho em dia de sol, tema da canção que começou a leva-la para bem longe em sua carreira, que teve marés fortes e tempestuosas, mas hoje é calma e tranquila.
Dias atrás, Flávio Cavalcanti em seu programa, “A Grande Chance”, perguntou a Maysa, qual havia sido a sua grande chance. Maysa, não pensou muito para responder, que havia sido o fato de ter se chamado Matarazzo no início de sua carreira. Ali estava a resposta de uma mulher simples e autêntica.
Maysa não pensava em vir ao Brasil agora. Estava em Lisboa fazendo uma temporada numa das maiores boates da cidade (e fazendo um grande sucesso que pudemos comprovar quando lá fomos assistir a seu show em dezembro passado), quando foi convidada por Flávio Cavalcanti e Artur Farias para assinar um contrato com a TV Tupi.
Resolveu então vir. Agora faz parte do júri de “A Grande Chance”, e prepara a estreia de um programa seu na televisão. Deverá durar 1 hora e meia e vai mostrar vários aspectos da história de sua carreira. O programa estreia no começo de abril e terá nome simples que diz muita coisa: “Maysa”.
Em seu apartamento de Copacabana, onde pretende ficar até o fim do ano, quando então voltará para a Europa, conversamos durante muito tempo sobre música, gente e coisas. Ao seu lado, o marido Miguel Azanza, belga naturalizado espanhol, lembrava-lhe detalhes e datas participando, simpaticamente do nosso papo.
Faz 7 anos que ela não mora no Brasil, onde tem vindo relativamente pouco. O público a viu pela última vez no penúltimo Festival da Canção. Mas o ano passado ela deu uma “fugidinha” e passou 8 dias em São Paulo, com a família, fato que só agora ela nos conta. Era em Madri que estava morando atualmente, mas quando voltar irá morar em Portugal, numa casa gostosa, lá em Cascais, aquela cidadezinha-porto, de casas brancas e ruelas pitorescas, situada a alguns quilômetros de Lisboa. A casa já está comprada e os planos do casal são muitos no que diz respeito à decoração.
Antes de embarcar para o Rio, Maysa esteve cantando, durante um mês em Angola, acompanhada pelo conjunto Thilo’s Combo, o melhor de Portugal. Seus maiores sucessos nessa temporada: “O dia da vitória” de Marcos Valle e o nosso muito lindo “Chão de Estrelas”, que na sua interpretação ganha um tratamento muito especial.
No momento, Maysa prepara com todo carinho, o lançamento de um LP e um repertório novo. Para isso, tem recebido todas as noites, muitos compositores que vão lhe mostrar canções novas. No repertório que vai cantar aqui no Brasil (inclusive na boate Sucata, em temporada que começa dia 29 de abril) ela incluirá alguns números antigos, mas 80% será de música inédita. Mariozinho Rocha, Lúcio Alves, Flávia, Marcos Valle, Durval Ferreira, Francis Hime, Tom, Edu Lobo são alguns dos compositores que ela via em Egberto Gismonti, um jovem do estado do Rio, que segundo ela faz música para agora e daqui a muito tempo. Dele, ela irá gravar pelo menos três músicas, já escolhidas. De johnny Alf de quem ela canta “Eu e a Brisa”, na Europa, com o maior sucesso, também gostaria de cantar alguma coisa nova. Enfim, Maysa quer entrar em contato com a gente boa e nova que está fazendo o lado positivo da nossa música.
“E da pilantragem, o que você acha?” “Olha, acho válido como experiência, mas será uma fase apenas passageira. A meu ver é um misto de chá-chá-chá com xaxado... mas sobretudo o que eu não admito é que essa turma critique o outro lado da nossa música, que é o autêntico.”


(Reportagem publicada originalmente no jornal Diário de Notícias em 1969.)