17 de agosto de 2019

Maysa na boate Number One, 1972



A cantora Maysa 

     Por três vezes, nos últimos dois anos, Maysa tentou ser algo mais que cantora. Ficou perto do fracasso como repórter e entrevistadora de televisão em 1970. Ficou perto do sucesso como personagem secundária de telenovela em meados do ano passado. E, no fim do ano, fracassou de vez como atriz de teatro. Nos três casos, foram tentativas desnecessárias: só provaram que ela é mesmo cantora, capaz de empolgar o público em grandes casas, como em duas cervejarias do Rio e de São Paulo, em 1969, ou no reduzido espaço de uma boate, como em seu show de agora na carioca Number One.
     Ela entra com os cabelos soltos, um vestido máxi branco e preto, e começa cantando “Tarde” com gestos e expressões que lembram a amargura, a fossa e o sofrimento que exibia no início de sua carreira. As palmas começam tímidas, aumentam no segundo número, o antigo bolero “Eclipse de Luna”, e se conservam entusiasmadas até o final, quando ela canta “Ouça” e a canção francesa “Ne Me Quitte Pas”.
Alegre e triste - Ao apresentar “Ouça”, Maysa já tem o público sob controle. Antes “botou todo mundo na fossa” cantando “Coração Ingrato”, ensaiou uns passos de dança e brincou com os acompanhantes em “Adeus, América”, homenageou sua personagem na telenovela “O Cafona” cantando o “Tema de Simone”. Pode, então, permitir-se a brincadeira e anuncia: “Quero cantar para vocês uma música que gravei há pouco e, eu sei, fará sucesso. Pois tudo o que eu gravo é sucesso”. A brincadeira, encaixada num show de boate, funciona. Mas sua interpretação nova para um de seus furores do passado é de fato surpreendente. Sua voz não é mais rouca e dolorida, como no princípio, mas aberta, forte, saída de uma garganta agora sem preocupação de estrangular sílabas ou prolongar frases.
     Torna a brincar no número seguinte, “Demais”, ao recitar os primeiros versos da música: “Todos acham que eu falo demais e que bebo demais”. E termina com o mesmo tom dramático da abertura, ao murmurar o refrão de ”Ne Me Quitte Pas” com toda a dor de uma amante suplicando para não ser abandonada. Nesse final, em “Ouça” e em “Adeus, América”, Maysa tem a parceria igualmente brilhante do conjunto de Osmar Milito, cujos componentes ela beija do início do show, com a seguinte explicação: “Ninguém vai entender o que está acontecendo. Mas é mesmo para ninguém entender. A classe artística é muito desunida”.
     Incompreensível, realmente, e dispensável num espetáculo como este de Maysa, que dura pouco mais de meia hora, com músicas bem escolhidas e melhor ainda executadas. Assim como são dispensáveis as tentativas dela nos últimos dois anos: por mais que ela procure outras formas de realização, é como cantora que ela alcança um nível superior entre as artistas brasileiras. 

Revista Veja, janeiro de 1972






    "A uisqueria Number One continua com casa cheia todas as noites, onde Maysa é a grande atração com os acompanhamentos do trio de Osmar Milito e o Quarteto Forma. Maysa, nesta temporada na house de Mauro Furtado está provando mais uma vez ser uma das melhores intérpretes brasileiras. A sua interpretação em Ne Me Quitte Pas é sensacional."

Correio da Manhã - Rio, terça-feira, 25 de janeiro de 1972





[...] "Vestida de preto, cabelos revoltosos, Maysa estreia nervosa. Limitada a pouco espaço por uma casa repleta (com muita gente do lado de fora sem poder entrar), ela começa com Tarde, de Milton Nascimento, e, aos poucos, vai ficando mais à vontade com o público. Tom Jobim, Caetano Veloso, Aloysio de Oliveira são os compositores que se seguem. É só música, nada de conversa. 'Decorei umas coisas aí, mas prefiro deixar o recado só na música.'
     E o recado musical tem a ajuda de Osmar Milito e seu conjunto, Quarteto Forma, e ainda uma percussionista que captava a atenção do público - Naíla Graça Melo, mulher do maestro. É um público exigente e crítico - se não a partir de padrões estéticos bem fundamentados, pelo menos em relação a seu gosto musical particular. É um teste rigoroso para uma artista que se considera tímida, mas que tem procurado enfrentar essa limitação." [...]

Maysa, o valor da interpretação. Jornal do Brasil - janeiro de 1972



LAN viu Maysa no Number One - Jornal do Brasil, janeiro de 1972