18 de novembro de 2013

Imprensa: Maysa, a volta ao lar - Revista Manchete, 1969


Maysa, a volta ao lar 




A experiência e o mundo tornaram tranquila a cantora atormentada, que mais uma vez retorna ao Brasil e ao encontro da sua arte

Reportagem de Creston Portilho · Foto de Wallace Calainho

Quem a vê falar e gesticular sente-se em companhia de outra mulher. Maysa, a dos olhos de gata, que era gorda demais, complicada demais, esta morreu. Os olhos continuam os mesmos, mas a figura mudou tanto quanto a pessoa: está magra e sorridente, sem os gestos nervosos e angustiados do tempo em que cantava Ouça. No apartamento de Copacabana, ao lado do marido espanhol e de recordações do meio mundo que andou percorrendo, ela informa que, finalmente voltou.
-         Voltei mesmo. Tudo aconteceu de repente. Agora que estou aqui só preciso de um repertório novo, porque o meu é absolutamente antigo, o que se pede pelo exterior.

Maysa tem as suas queixas, que desfila sem amargura. Por exemplo: não a mencionam nos textos sobre a bossa nova – “logo eu, que fui quem primeiro levou a bossa nova lá para fora” – e nem a procuraram para novos contratos enquanto morou na Europa – “não sei porque: o público nunca vendeu, sempre que passava aqui pelo Brasil era aplaudida nos espetáculos a que comparecia como espectadora”. De qualquer maneira, a mulher jovem que desprezou um sobrenome famoso para construir o seu cartaz só com o prenome, mantém a mesma sinceridade que lhe valeu a fama de atrevida.
-         Minha voz tem alguma amargura. Talvez porque na canção eu procure uma válvula de escape. Ou talvez porque a canção me ajuda a botar para fora tudo que tenho aqui dentro. A expressão botar para fora é muito feia. Posso substitui-la por outra melhor: vomitar. Vomitar todas as coisas que estão dentro de mim e que saem pelos olhos, pelos dedos e pela boca. É um modo de comunicar, sabe? Por exemplo, tenho muito medo do público, mas canto tão bem numa boate como quando o faço sozinha. Eu gosto de cantar, dá-me prazer.

Por onde andava Maysa? Há pouco tempo atrás, ela andava pelo elegante bairro de Salamanca, em Madri, onde vivia com o advogado e industrial Miguel Azanza, seu marido, e o filho, Jaime. Ai já era uma mulher diferente. Seu vestido curto chamava atenção. Estava magra, bonita, ria mais facilmente. Apenas, fumava demais – “Dizem que o fumo faz perder a memória. Por isso fumo, tentando esquecer certas coisas.” Seus jantares íntimos eram famosos, reunindo desde atores e toureiros a membros da realeza espanhola. Isto durante cinco anos. Antes, passou pelos Estados Unidos, por toda a América do Sul e Central, pelo Japão e pela Europa – Portugal e França. Foi a segunda brasileira – depois de Marlene – a cantar no Olympia de Paris. Cantou no Blue Angel de Nova Iorque e gravou durante dois anos para a CBS. Depois, em Portugal, conheceu Miguel Azanza, casou-se com ele e foi morar em Madri. Em 1963, já casada, gravou dois discos na Itália, inclusive o Barquinho.
-         Este resumo pode parecer que me sinto profissionalmente realizada – diz Maysa. Não há nada disso. Talvez porque ainda seja muito jovem... mas sentimentalmente, sou. Vivo bem com meu marido. Temos nossas brigas, como todas as pessoas de inteligência normal, mas é só.

Agora, de calças compridas e blusa verde, não há nada que faça lembrar aquela mulher atormentada, que uma vez recorreu à sonoterapia para afastar problemas.
-         Quando dizem que eu sou a voz do amor, não sei o que querem dizer. Procuro o amor que sinto, que canto. Nem uma palavra, nem um gesto deixam de ter significado para mim, e nunca foi de outra maneira. Dizem também que eu me exprimo melhor nas canções tristes. Talvez tenham razão. São as que mais chegam a mim. Eu acho que sou triste e não vejo porque havia de ser alegre. Foi sempre assim desde os onze anos, quando eu compunha umas bobagenzinhas. Aliás, não consigo me lembrar muito bem da minha juventude, dos tempos que passaram entre os doze anos e até a bem pouco. Mas me lembro bem dos detalhes de quando tinha três ou quatro anos. – dos móveis da minha casa, do telefone e de todas as coisas pequenas que eu conservo bem vivas. Por isso imagino que minha infância deve ter sido agradável. Talvez, só a infância. Agora luto para me encontrar. Toda mulher que tem uma certa vivência luta sempre por alguma coisa. Quer sempre mais e quando digo que luto para me encontrar, não quero dizer encontrar-me sempre. Isso seria aborrecido. Gostaria apenas de poder dizer, um dia: sou assim. Mas não sei como sou.

Quase ninguém se lembra de que o primeiro disco de Maysa foi gravado em benefício de casas de caridade – era essa a condição imposta pelo seu marido, André Matarazzo. Todos se recordam, no entanto, dos sucessos que começaram a se acumular quando ela se apaixonou pela nova carreira, tornando-se apenas Maysa: Ouça, Meu Mundo Caiu, Se Todos Fossem Iguais a Você, Recado. A última vez que lançou música nova foi no I Festival Internacional da Canção, Dia das Rosas, muito mais aplaudida pelo público do que a primeira colocada. É por tudo isso que Maysa tem confiança nesta sua volta, que se faz um tanto cautelosamente; primeiro ela integrará um júri de televisão, em programa normal; depois chegará a vez de voltar à luz dos holofotes.
-         Olha, a bossa nova, que é o meu gênero, não é o gênero de música que apreciam no Brasil de agora – diz ela. No momento, o pessoal gosta muito de iê-iê. Minha maior alegria no exterior foi ver os estrangeiros apreciando tudo aquilo que o nosso grande público não aprecia.

Dos compositores atuais, gosta muito de Chico Buarque – pretende gravar alguma coisa dele –, gosta de várias coisas, como Eu e a Brisa, de Johnny Alf, mas gostaria muito mais de voltar a compor.
Tenho trabalhado tanto, conhecido tanta gente, que me falta tempo para compor. Só tenho feito poesia. Talvez, algum dia, junte todas e publique. Dá um livro.


(Reportagem publicada originalmente na REVISTA MANCHETE, em 1969)

12 de novembro de 2013

Imprensa: Maysa, o valor da interpretação - Jornal do Brasil, 01/1972


Maysa, o valor da interpretação


Depois de uma experiência em telenovela e o trabalho como atriz de teatro em Woyzeck, de Georg Buchner, Maysa volta à noite como cantora, levando ao público do Number One, em Ipanema, não só o passado e a fossa de Ouça e Dindi, mas também o ritmo e a vibração de Vera Cruz e Adeus América.
A partir de uma lista inicial de 30 números, Maysa selecionou uma dúzia para apresentar no show – uma escolha cuidadosa e preocupada, como tem sido toda a preparação do show desde que surgiu a ideia de faze-lo.
-         Seu forte é a interpretação. – diz Osmar Milito, que a acompanha no show – por isso as músicas já conhecidas não perdem o valor; ganham  uma nova qualidade.

Recado musical

Vestida de preto, cabelos revoltos, Maysa estreia nervosa. Limitada a pouco espaço por uma casa repleta (com muita gente do lado de fora sem poder entrar), ela começa com Tardes, de Milton Nascimento, e, aos poucos, vai ficando mais à vontade com o público. Tom Jobim, Caetano Veloso, Aloysio de Oliveira são os compositores que se seguem. É só música, nada de conversa. “Decorei umas coisas aí, mas prefiro deixar o recado só na música.”

E o recado musical tem a ajuda de Osmar Milito e seu conjunto, Quarteto Forma, e ainda uma percussionista que captava a atenção do público – Naíla Graça Melo, mulher do maestro. É um público exigente e crítico – se não a partir de padrões estéticos bem fundamentados, pelo menos em relação a seu gosto musical particular. É um teste rigoroso para uma artista que se considera tímida, mas que tem procurado enfrentar essa limitação.

Quando voltou da Europa, depois de quase cinco anos fora, Maysa já aparecia como uma pessoa em transformação. Sua temporada no Canecão, onde deveria enfrentar o desafio de uma plateia tão heterogênea, já era um principio. E ela teve de descobrir dentro dela mesma a coragem de enfrentar sua timidez. Coragem que utiliza para enfrentar o público do Number One. 


(Reportagem publicada originalmente no JORNAL DO BRASIL, em janeiro de 1972)


4 de novembro de 2013

Imprensa: Maysa abafou em Nova Iorque - Diário da Noite, 10/11/1960


Maysa abafou em Nova Iorque


NOVA YORK, 9 – (De Waldo Pinto, via Varig, especial para o DN) – Maysa recebeu uma estrondosa ovação, na noite de ontem, do público americano que lotava o “The Blue Angel”, um dos maiores “night-clubs” de Nova York, fazendo-a bisar duas vezes a canção “Ouça”, com quem encerrava seu “show”, cantando em português.

· ADERIRAM

Esquecendo-se um pouco das eleições, os ianques aderiram á nossa música popular e saíram cantarolando os sambas “bossa nova” do repertório da brasileira, que está enviando sua coluna no DN diretamente de Nova Iorque. A crítica nova-iorquina não poupa elogios à intérprete, referindo-se aos seus olhos grandes e tristes (“que constituem um espetáculo à parte”), à nostalgia que se desprende de suas canções e às “suas magníficas composições”.

· CONTRATO CARO

Maysa conta com três anos de contrato, e recebe o maior “cachet” que o “Blue Angel” já pagou a qualquer artista, devendo lá apresentar-se ainda por mais três semanas. As propostas já estão chovendo, principalmente para uma temporada em Las Vegas, onde seria a segunda cantora brasileira a apresentar-se na “cidade do pano verde”. A outra é Leny Eversong, que lhe telegrafou, transmitindo um convite de um hotel.

· “SOCIETY” APLAUDE

O “high-society” norte-americano também não tem se omitido em elogiar Maysa. Foi convidada para apresentar-se em duas noites musicais, em benefício de instituições de caridade. Os brasileiros em Nova York não têm perdido uma só de suas exibições: ainda ontem pudemos registrar, entre os presentes, o Cônsul Geral do Brasil, ministro e sra. Dora A. Vasconcellos, o diplomata Berenguer Cesar, embaixador Jayme de Barros e muitas outras personalidades.


(Reportagem publicada originalmente no DIÁRIO DA NOITE, em 10 de novembro de 1960)