28 de dezembro de 2010

Discografia: Os 5 melhores discos de Maysa

Os 5 melhores discos de Maysa


Olá, hoje trago a vocês uma lista com os 5 melhores discos de Maysa sob minha ótica. Levando em consideração critérios de qualidade técnica e vocal (entre outros), formulei uma lista com os seguintes álbuns:


1-     Ando só numa multidão de amores (1970)

 Ando só numa multidão de amores, pode ser definido como a maior jóia da discografia de Maysa. O disco em si era realmente anticomercial pelo excesso de regravações, mas é um disco que apresenta uma qualidade técnica e vocal surpreendente, algo único que Maysa jamais havia feito e nunca mais faria novamente. Além de um repertório bem esc0lhido, o que chama a atenção é a segurança e as diferentes nuances da voz grave e rouca de Maysa, que em algumas faixas como “Chuvas de Verão” e “Quando Chegares” abusa da sensualidade e do intimismo. Tudo isso aliado aos arranjos e a orquestração de Roberto Menescal e Luiz Eça conferiram uma atmosfera intimista, e um caráter arrojado e extremamente moderno ao disco, um verdadeiro marco na carreira de Maysa. Por isso, ouso dizer que este disco lançado pela Philips em 1970 é um dos melhores álbuns já gravados no Brasil até hoje.
Faixas:
“Molambo” / “Yo Sin Ti” / “Me Deixe Só” / “Chuvas de Verão” / “Três Lágrimas” / “Assim Na Terra Como No Céu” / “Eu” / “Suas Mãos” / “Bonita” / “Resposta” / “Que Eu Canse e Descanse” / “As Praias Desertas” / “Quando Chegares”

2-   Maysa (1966)


 Um disco absolutamente grandioso. Só por isso, ele merece figurar na lista dos melhores discos de Maysa. Mas o álbum Maysa de 1966 (seu único LP na RCA Victor) surpreende pelo nível vocal de Maysa – em seu esplendor. O disco faz jus aos 10 anos de carreira da cantora – comemorados a época, e encanta por todo seu esplendor. Talvez, este seja o disco em que Maysa mais expõe sua versatilidade – da balada jazzística “Just in Time” ao samba clássico “Tristeza”, passando pelo maior afro-samba de Baden e Vinicius: “Canto de Ossanha”. O disco, que ganhou arranjos dos maestros Erlon Chaves, Chico de Moraes e Oscar Castro Neves tem inflexões jazzísticas (“Fantasia de Trombones”, “Just in Time), samba (“Tristeza”, “Canto de Ossanha”) e balada romântica (“As Mesmas Histórias”, “Ne Me Quitte Pas”). Na época de seu lançamento, foi tido como o álbum mais grandioso já produzido no Brasil. E de fato era!
Faixas:
Pot-Pourri: Fantasia de Trombones – “Demais” –“Meu Mundo Caiu” – “Preciso Aprender a Ser Só” / “Canto Livre” / “Just in Time” / “Canto de Ossanha” / “As Mesmas Histórias” / “Ne Me Quitte Pas” / “Tristeza” / Pot-Pourri: Fantasia de Cellos – “Primavera” – “Valsa de Eurídice” - “Canção do Amanhecer” / “Canção Sem Título” / “Morrer de Amor”

3-    Convite para ouvir Maysa Nº 2 (1958)


 Um disco absolutamente irretocável. Assim, Convite para ouvir Maysa Nº 2 foi descrito a época de seu lançamento em 1958. O terceiro álbum de Maysa na gravadora RGE, e também seu primeiro LP de 10 polegadas (formato clássico de 6 músicas de cada lado), já encanta pela primorosa capa. A foto fora emprestada de uma célebre capa da revista O Cruzeiro daquele mesmo ano, mas pro dentro, o disco guardava imensa surpresa. Um repertório escolhido com primor, 4 novas composições de Maysa e 7 outras interpretações, todas orquestradas pelo maestro Enrico Simonetti, que também assinava os arranjos e a regência do disco. Ali estava a canção “Meu Mundo Caiu”, tida como o maior sucesso de toda a carreira de Maysa, além de outras canções que se tornariam clássicos, como – “Por Causa de Você”, “Bronzes e Cristais”, “Bom Dia, Tristeza”, “Felicidade Infeliz”, “Bouquet de Izabel” e “Diplomacia”. Todas as faixas do álbum alcançaram imenso sucesso, o disco começou a bater sucessivos recordes de vendas e automaticamente Maysa foi alçada ao posto de melhor cantora de 1958, além de o próprio disco ter sido escolhido o melhor álbum daquele ano. E sem dúvidas, um disco histórico para a música brasileira.
 Faixas:
“Meu Mundo Caiu” / “No Meio da Noite” / “Bronzes e Cristais” / “Por Causa de Você” / “Bom Dia, Tristeza” / “Felicidade Infeliz” / “Bouquet de Izabel” / “Mundo Novo” / “E a Chuva Parou” / “Caminhos Cruzados” / “Meu Sonho Feliz” / “Diplomacia”

4-   Barquinho (1961)


 O álbum Barquinho de 1961 é uma verdadeira relíquia da música brasileira. Um dos primeiros – e melhores – discos de Bossa Nova já feitos no Brasil. Produzido por Ronaldo Bôscoli, o disco contou com arranjos de Roberto Menescal e Luiz Eça, além do acompanhamento de Hélcio Milito, Bebeto Castilho e o próprio Luiz Eça, que poucos anos depois viriam a formar o famoso Tamba Trio. Em seis faixas Maysa foi acompanhada pela orquestra Columbia, e em outras seis, por pequeno conjunto (Roberto Menescal, Bebeto Castilho, Luiz Carlos Vinhas e Hélcio Milito). O disco foi um verdadeiro marco na carreira de Maysa, não só por representar uma comunhão com a Bossa Nova, mas representava também um novo jeito de cantar, novas nuances, novos contrastes, o verdadeiro ritmo da inovação. É maravilhoso descobrir novas nuances da bela voz de Maysa, principalmente em um novo gingado como observamos nas faixas – “O Barquinho”, “Você e Eu”, “Recado a Solidão”, “Errinho à Toa” e “Eu e o Meu Coração”. Seu êxito ou não, não interferem no que ele de fato é: um álbum histórico para a MPB.
 Faixas:
“O Barquinho” / “Você e Eu” / “Dois Meninos” / Recado à Solidão” / “Depois do Amor” / “Só Você” (Mais Nada) / “Maysa” / “Errinho à Toa” / “Lágrima Primeira” / “Eu e o Meu Coração” / “Cala Meu Amor” / “Melancolia”

5-    Maysa sings songs before dawn (1961)


 Uma relíquia, um tesouro. Em todos os sentidos. Um álbum tão raro e precioso, que se tornou praticamente um objetivo mítico, verdadeiramente mitológico. Maysa sings songs before dawn foi gravado nos estúdios da Columbia Records norte-americana, no inverno de 1960 em Nova York, durante a temporada de Maysa nos Estados Unidos. Somente a proposto inicial do disco é digna de nota, afinal, uma cantora brasileira no início dos anos 60, que chega aos Estados Unidos contratada pela poderosa Columbia Records, para gravar um disco em solo americano usufruindo todos os requintes de estrela de primeira grandeza, é realmente de se admirar. O repertório do disco é basicamente formado por canções estrangeiras, principalmente releituras de grandes clássicos, como – “You Better Go Now”, “The End Of a Love Affair”, “Mean To Me”, “I’m a Fool To Want You e “The Man That Got Away”. Músicas do repertório de grandes estrelas como Billie Holiday, Judy Garland, Chet Baker e Frank Sinatra. Maysa também é acompanhada pela orquestra de Jack Pleis. O álbum em si, também representa um enorme avanço em relação aos anteriores. Arranjos primorosos e delicados, aliados a uma orquestração sofisticada privilegiaram – e muito – a voz de Maysa. O disco brilha pela qualidade técnica e sua versatilidade foi explorada ao máximo em quatro idiomas. Desgraçadamente, Maysa sings songs before dawn jamais foi lançado no Brasil, tornando-se lenda e objetivo de desejo dos mais aficionados colecionadores.
 Faixas:
“You Better Go Now” / “Something To Remember You By” / “The End Of a Love Affair” / “A Noite do Meu Bem” / “If I Forget You” / “Ne Me Quitte Pas” / “When Your Lover Has Gone” / “Mean To Me” / “The Man That Got Away” / “Autumn Leaves” / “I’m a Fool To Want You” / “La Barca”

22 de dezembro de 2010

Especial: 1 ano de Blog Oficial Maysa (parte 2)

 1 ano de Blog Oficial Maysa (parte 2)


1 ano. Finalmente, 1 ano de Blog Oficial Maysa. Quanto tempo se passou, quantas coisas foram feitas – e escritas – e ao mesmo tempo parece que ainda falta um mundo de Maysa para ser contado.
Mas muita coisa já foi dita, escrita e feita. Um resgate da memória de Maysa neste momento era mais do que necessário, e romper a cortina dos bastidores da vida glamourosa da estrela é meu objetivo. Mas que missão difícil. Pois não é nada fácil recontar a vida de uma das maiores cantoras da história do Brasil, que ao mesmo tempo foi uma das mulheres mais transgressoras, intensas e arrojadas, a passar pela nossa história. Maysa foi isso tudo e mais um pouco, em tudo que fazia – absolutamente tudo – imprimia sentimento e emoção.
Sentimento. Talvez seja esta a palavra perfeita e mais correta para designar todo o trabalho realizado dentre deste primeiro ano. Assim como Maysa, em tudo que escrevi imprimi meus próprios sentimentos e minhas emoções acerca daquilo que era dito. Houve sim um distanciamento, pois ajo como interlocutor e acho que assim deve ser feito, com comprometimento e respeito à memória da homenageada. Mas sinceramente, hoje afirmo com toda certeza que somente com um olhar sincero, de sentimento e afeição, podemos enxergar além da estrela, enxergar a verdadeira mulher além do mito. E isto foi feito.
Realizei meticulosas pesquisas, expus a outra face, contei as glórias e fracassos de Maysa. A sensação é a de que não faltou nada, não houve espaço para meias-verdades ou achismos. Ressaltando sua importância no cenário musical brasileiro, temos novamente a noção da grandiosidade imensa da Maysa cantora. Ao expor suas fragilidades, crenças e confissões, pudemos saber quem foi Maysa – um monstro de mulher, uma personalidade inquieta e apaixonante.
Não há como não se apaixonar por Maysa. Eu logo me assumo como réu confesso, sou completamente apaixonado por ela. Sua voz cálida e intimista, sua beleza lírica e límpida, sua personalidade fulgural, são um convite ao amor e ao encantamento. Assim como o poeta Manuel Bandeira, eu não saberia responder por completo como Maysa me comove, me sacode, me buleversa e me hipnotiza.
Enfim, tudo isto foi o primeiro ano do Blog Oficial Maysa. Gostaria de agradecer imensamente a todos que de alguma forma contribuíram para a montagem e o sucesso deste Blog. Gostaria que soubessem que este site é para mim, como um baú de recordações. Um relicário de lembranças – e histórias – de Maysa. Obrigado a todos, principalmente a Maysa, porque sim, ela de uma forma ou de outra – acredito eu – é a mentora de tudo que acontece ao seu redor.
O Blog é para Maysa, é para mim, é para todos nós!
E agora, a surpresa:

É com imenso prazer que trago a vocês dois vídeos. O primeiro é inédito, uma compilação de cerca de 10 minutos com 3 clipes de Maysa na Série Documentos da TV Bandeirantes em 1975. Cantando – Pot-Pourri: “Demais” / “Meu Mundo Caiu” / “Preciso Aprender a Ser Só”; “Tema de Simone” e “Chão de Estrelas”. Observem o reflexivo pensamento de Maysa no começo do vídeo: “Eu somei muita coisa. Ensinei muita coisa pras outras pessoas, só não ensinei pra mim mesma.” O segundo vídeo mostra uma reportagem do Jornal da Globo  (TV Globo) de 1992,  lembrando os 15 anos da morte de Maysa.


Série Documentos - TV Bandeirantes (1975)


15 anos da morte de Maysa - Jornal da Globo (TV Globo, 1992)

16 de dezembro de 2010

Especial: 1 ano de Blog Oficial Maysa (parte 1)

1 ano de Blog Oficial Maysa (parte 1)


É com imenso prazer e alegria que vos anuncio que na próxima quarta-feira (22/12/2010), o Blog Oficial Maysa completará 1 ano de existência. Para este dia de grande felicidade e emoção para mim, o Blog está preparando uma grande e emocionante surpresa para todos nós fãs e entusiastas da inesquecível Maysa. Aguardem felizes emoções para a próxima quarta-feira. Obrigado!

8 de dezembro de 2010

Curiosidades: Maysa e Simone de Oliveira

Maysa e Simone de Oliveira


O blog oficial Maysa, tem hoje o prazer de trazer a vocês, um belo registro do encontro entre duas grandes cantoras –  coincidentemente, de nações diferentes, porém, que compartilham a língua portuguesa, em que engrandeceram suas vozes.
A foto acima mostra Maysa e a grande cançonetista portuguesa (como os patrícios gostam de chamar) – Simone de Oliveira, em 1966. A foto data da época do I Festival Internacional da Canção, em que Maysa defendeu gloriosamente a canção “Dia das Rosas”. A portuguesa Simone de Oliveira, também veio ao Brasil na época para participar do FIC I. Na ocasião, ela foi escolhida pela dama da canção portuguesa Amália Rodrigues (que integrava o júri), para representar Portugal no Festival, com a canção “Começar de Novo” de Davi Mourão Ferreira e Nóbrega e Souza.
Simone se recordaria de Maysa anos depois, como uma mulher bela e simpática, porém melancólica. Foi um rápido encontro “de bastidores”, entre duas grandes cantoras, que não chegou a se concretizar em uma amizade. Mas Simone de Oliveira, parece ter gostado bastante da canção interpretada por Maysa no FIC I, tanto é, que naquele mesmo ano gravou um compacto simples que incluía “Dia das Rosas” de Luiz Bonfá e Maria Helena Toledo (defendida por Maysa no FIC I) e “A Banda” de Chico Buarque, música que havia alcançado grande sucesso no II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record de 1966.
Simone de Oliveira também é atriz de teatro e televisão, mas eternizou-se como uma das mais belas vozes de Portugal, no mesmo hall da eterna cantora Amália Rodrigues – a maior intérprete do fado português. Com mais de 50 anos de carreira, iniciada em 1958, Simone registrou inúmeros sucessos e tornou-se uma das maiores cantoras da história de Portugal.

Agradecimentos; foto: Ricardo Moço

3 de dezembro de 2010

Coluna: Música da semana

"Resposta"



“Resposta”
Autora: Maysa
LPs: Convite para ouvir Maysa (1956); Ando só numa multidão de amores (1970)

Análise:
“Ninguém pode calar dentro em mim esta chama que não vai passar / é mais forte que eu e não quero dela me afastar.” A “Resposta” de Maysa foi dada em alto e bom som, em forma de música e em compasso de sucesso. “Resposta” é talvez a mais emblemática canção de Maysa, sempre lembrada por sintetizar seu espírito inquieto e libertador “Esta chama que não vai passar”. Ali ela diz a que veio, e talvez já soubesse o mundo que enfrentaria pela frente, por isso logo avisa: “Eu não vou me importar com a maldade de quem nada sabe / e se alguém interessa saber sou bem feliz assim / muito mais do que quem já falou ou vai falar de mim.” Ela nunca se importou com a maldade de quem nada sabe, e assim como está escrito em “Resposta” se fez a vida de Maysa.
“Resposta” é uma canção muito confessional, que na verdade estava a anos-luz da época de seu lançamento. É uma canção moderna, arrojada, e já ali que se vê a grande característica intimista da música de Maysa, “Resposta” chega a parecer um tanto quanto deslocada do conjunto de sua obra (Convite para ouvir Maysa; 1956). Por isso mesmo me estranha muito que tenha obtido tão grande sucesso naquela época. Música da safra do histórico Convite para ouvir Maysa, de 1956, a canção teve grande destaque e projeção no primeiro disco, é inesquecível para qualquer fã de Maysa, e ouvi-la em sua voz é verdadeiro um deleite para a alma. Já no ano seguinte a composição da cantora carioca foi gravada por Dóris Monteiro, e 20 anos depois, também pela esplêndida Ângela Maria.
14 anos após a sua primeira gravação, a composição de Maysa foi lembrada por Maria Bethânia ao ser incluída em seu ousado e antológico espetáculo A Cena Muda, de 1974. Dentro do contexto arriscado, revelador e inquieto do espetáculo a canção de Maysa interpretada por Maria Bethânia tornou-se um clássico e adequou-se perfeitamente dentro do contexto do antológico A Cena Muda. E assim foi feita, a resposta de Maysa foi dada, e ela não se importou com os dizeres de quem nada sabia, pois era muito mais feliz do quem já falou ou ainda vai falar dela.

29 de novembro de 2010

Televisão: Maysa & Gal no Fantástico (1975)

Maysa & Gal no Fantástico (1975)


Em 1975, o programa Fantástico da Rede Globo, realizou um inédito encontro entre duas emblemáticas cantoras da MPB: Maysa e Gal Costa. O Fantástico naquela época – sob direção de Augusto César Vanucci – era suavemente diferente da atração que vemos hoje na TV aos domingos. A atração dominical criada em 1973, tinha uma verve musical imensa e muito explorada, naquela época o Fantástico apresentava até 3  clipes musicais por programa, além dos memoráveis quadros humorísticos, como o de Chico Anysio. As maiores estrelas da MPB soltaram suas vozes no Fantástico, e Maysa também era presença constante.
No ano de 1975, um desses clipes registrou o histórico encontro entre Maysa e Gal Costa. Era um encontro especial, em que a juventude prostrava-se diante de um mito, de uma diva – Maysa. Naquele momento, Gal Costa representava a jovialidade, e o ineditismo de uma cantora em início de carreira. Ela estava diante de uma Maysa toda vestido de preto, uma verdadeira diva, um mito da música brasileira com quase 20 anos de carreira, que havia marcado toda uma geração.
No clipe se fazia um “troca-troca”, Maysa cantava Gal, e Gal cantava Maysa. Gal começa cantando “Resposta”, (de autoria de Maysa), um dos maiores clássicos da cantora carioca. Maysa fica nitidamente feliz – e encabulada – com a interpretação da amiga para aquela música composta mais de 10 anos antes, e desanda a dar sorrisos como uma criança que experimenta o novo. Em seguida, Maysa interpreta um grande sucesso de Gal – “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso. Ela fica visivelmente emocionada ao interpretar aqueles versos de um amor tão dolorido – “Meu coração de criança, não se cansa de um dia ser tudo o que quer / meu coração é só a lembrança de um luto qualquer de mulher / que passou por meus sonhos sem dizer adeus e fez dos olhos meus um chorar mais sem fim.” Nasce em seu rosto a expressão da angústia e da tristeza que marcaram sua alma, porém, os olhos verdes brilhavam incessantemente, belíssimo.
Ao final, Maysa e Gal ensaiam “Até Quem Sabe?” de João Donato, sob os fartos aplausos da platéia. O vídeo é o único registro de Maysa interpretando a canção de Caetano Veloso. É um encontro histórico entre duas divas da MPB, de um tempo na televisão brasileira que não volta mais. Gal Costa era amiga de Maysa, e sobre ela disse em depoimento muitos anos depois:
"Uma mulher moderna para sua época, uma cantora apaixonada, de talento incomum. Ela está viva na sua obra, na sua perene imagem de mulher-deusa, na sua beleza."


23 de novembro de 2010

Série: decifrando Maysa (parte 3)

Série:
Decifrando Maysa (parte 3)

Parte 3 - Transgressora

Maysa foi uma das maiores transgressoras da história do Brasil. Mulher de coragem, idealista, verdadeira, moderna e absolutamente heróica. Rompendo todas as barreiras possíveis e impossíveis, sejam elas sociais, emocionais ou psicológicas, trilhou caminhos tortuosos e repletos de obstáculos. As opções de vida de Maysa não foram fáceis – pelo contrário – como ela mesmo disse, foram doídas e muito a machucaram, mas tudo foi em prol de si mesma, caso contrário, jamais saberíamos quem foi Maysa.
Maysa se fez famosa pelos atos impulsivos, exagerados, pelos escândalos épicos, pela vida atribulada e pela quebra de tabus e barreiras. Mas o que devemos ter em mente para entende-la é que tudo que Maysa fazia era extremamente passional, “só digo o que penso / só faço o que gosto e aquilo que creio.” Suas atitudes não eram forçadas, muito menos fingidas pois Maysa era muito autêntica e sincera. Era uma mulher instintiva e ousada. Maysa não conhecia a palavra arrependimento, não constava em seu vocabulário.  Maysa não foi uma transgressora apenas por romper padrões e por tabus em cheque. Ela foi uma ativista sentimental, que carregava consigo a bandeira do amor e da liberdade, independente de credos ou cores. Lutou pelo paradoxo da felicidade armada com música e muita coragem, e por isso, deu de ombros a toda uma sociedade e escreveu uma história de superações e vitórias.
O escândalo do desquite de Maysa não consistiu só pela mesma, ter abandonado um casamento aristocrático em favor da carreira musical, não mesmo. Maysa também fazia parte daquela mesma aristocracia, era parte integrante dela. Além do mais, sua separação de um membro da ultratradicionalista Família Matarazzo, em detrimento da carreira musical, ainda por iniciativa própria era visto como algo inadmissível, inimaginável. Era do tipo de coisa que não acontecia em sociedade – em hipótese alguma – e se acontecesse era visto como um verdadeiro escândalo, passível de julgamento público. E a carreira musical, na época, era extremamente mal vista, de uma forma que não podemos imaginar, era algo julgado como promíscuo, de baixo nível que competia à gente vagabunda que não gostava de trabalho sério. E foi neste mesmo mundo que Maysa optou por viver. E para viver nesse mundo ela rompeu com tudo – e com todos – abandonou família, casa, estabilidade financeira, absolutamente tudo. Mas o rompimento não foi fácil, Maysa sofreu muito por remar contra a maré, e sofreria ainda mais com tudo o que viria depois.
E assim aconteceu, decidiram por julgar Maysa publicamente. Ela foi completamente destituída de respeito e por várias vezes foi desmoralizada publicamente, além de ter sido vítima das mais escabrosas manchetes de jornais e revistas na época, mas Maysa deu de ombro, literalmente. Maysa não se fez de rogada. Ela nunca se importou com o “disse me disse”, muito menos com a maledicência alheia, a prova disso é que jamais alterou ou disfarçou seu comportamento e sua verdadeira personalidade por causa dos comentários preconceituosos de gente invejosa e ignorante. Seu comportamento visto como errático e rebelde, realmente, era muito avançado para os pacatos padrões da década de 50, já naquela época Maysa instigava um novo modelo de mulher, que se autofirmava sexual e economicamente. Afinal, até ali ela já era uma cantora de sucesso, rica e bem sucedida, que havia conquistado tudo isto muito antes dos 25 anos. Tudo isto, muito antes da revolução comportamental que ditaria novos costumes na década de 60.
Maysa ditava moda, instigava comportamentos, quebrava tabus, punha preconceitos em cheque e transpunha barreiras. Era uma transgressora nata, por realizar tudo isto muito antes dos movimentos feministas, pois muito antes destes movimentos em que tanto se falaria nas décadas de 60 e 70, Maysa já era uma mulher independente e fazia tudo aquilo que mais tarde se julgaria como atos feministas. Ela mesma chegou a reiterar isto diversas vezes. Era uma mulher totalmente despida de preconceitos, detestava convencionalismos bobos, sua sinceridade e autenticidade admiravam homens e mulheres, e até chegava a assustar aqueles que não estavam acostumados em ver mulheres tão ousadas, marcantes e arrojadas. Polêmica, moderna, Maysa desafiava a sociedade machista e preconceituosa em que havia nascido. Em muito se assemelhava a outras grandes mulheres percussoras, como – Chiquinha Gonzaga, Guiomar Novaes, Yolanda Penteado, Tarsila do Amaral, Nísia Floresta, Virginia Woolf, Simone de Beauvoir. E outras mulheres que se tornaram famosas pelo comportamento avançado e inspirador, como – Katherine Hepburn, Greta Garbo, Maria Callas,  Marilyn Monroe, Brigitte Bardot e Leila Diniz. Maysa tem um pouco de todas elas.
Um famoso pensamento de Clarice Lispector,  – que é também um grande lema –  pode definir a nossa transgressora, intensa, autêntica, moderna, sincera, verdadeira e mulher – Maysa.
"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

15 de novembro de 2010

Série: decifrando Maysa (parte 2)

Série
Decifrando Maysa (parte 2)


Parte 2 – Amores
Maysa era uma mulher constantemente apaixonada, instantaneamente, facilmente, docilmente. Mas, porque? Acredito que a ferocidade da paixão de Maysa advinha de uma profunda carência e instabilidade afetiva que ela tinha dentro de si. Nada mais poderia explicar um temor tão grande a solidão, “ao medo de ficar só”. Desde adolescente era namoradeira, atrevida e avançada demais para os pacatos padrões da sociedade de então, digamos que ela conservasse o hábito que hoje chamamos de se “trocar de namorado, como quem troca de sapato”. Mas nada é tão simples assim quando se fala de Maysa. Ela foi uma adolescente que colecionava namorados, liberta, independente, já tinha o hábito de só dizer o que pensava, só fazer o que gostava e naquilo que em crê. A verdade é que Maysa era além disso tudo uma adolescente alegre, feliz, atrevida e esperta. Agora, imaginem esta mesma Maysa, casada, aos 17 anos com um marido multimilionário, membro da família mais rica – e de sobrenome mais opressor – do Brasil. Enfim, são duas realidades abissais, impossíveis de se crer. Por isso mesmo que o casamento de Maysa era completamente previsível no contexto de sua época, tudo era muito natural, simples e não era de se estranhar que uma garota de apenas 17 anos se casasse com um homem 20 anos mais velho que ela, e principalmente: sendo membro da tão tradicional família Matarazzo.
Não digo que Maysa não amasse André Matarazzo, pelo contrário, é leviano afirmar tal coisa vindo de Maysa. Poderia dizer que como uma garota de 17 anos, é muito natural deixar-se levar pelas armadilhas do coração, mas isto também é extremamente simplório vindo de Maysa. O fato é que Maysa conheceu André ainda criança, em uma temporada de águas na cidade mineira de Poços de Caldas, ali se firmou uma amizade entre seu pai – Alcebíades Monjardim – e o pai de André Matarazzo – Andrea Matarazzo – segundo Maysa, desde então ficou praticamente predestinado que ela se casaria com André. E assim foi.

E também foi do dia para a noite que Maysa acabou se encontrando sozinha dentro de uma gaiola de ouro mergulhada no ócio. Ela, uma garota jovem, bela e animada – ele, um homem vinte anos mais velho, empresário (e ocupado) com um verdadeiro império à frente para ser comandado. Maysa não demorou a perceber que havia mergulhado num abismo dos mais profundos, ela já conseguia prever toda sua vida: uma sucessão de jantares elegantes, recepções, jogos de pôquer e partidas de pólo aquático. O casamento foi-se tornando algo quase tão insuportável como o ambiente opressor da luxuosa Mansão Matarazzo situada na Avenida Paulista. Realmente, era algo insuportável para alguém com uma chama tão acesa dentro de si, seu espírito indomável, liberto e revolucionário não demorou a agir e neste momento a música volta a vida de Maysa para mudar sua rota em 180º graus.
Até ali seu nascimento como cantora e de seu próprio disco tinha um caráter beneficente, feito por uma dama da sociedade paulistana por puro diletantismo. Mas a partir do momento em que o disco começa a tocar nas rádios do eixo Rio – São Paulo, na medida em que Maysa começa a receber sucessivos convites para rádios, capas de revista, programas de televisão, não demorou a vir o ultimato de André Matarazzo. Neste momento se posicionaram de um lado – a tradição centenária – e de outro a chama incessante do espírito vivo de Maysa, como todos sabemos ela optou pela segunda opção. Maysa sintetiza muito claramente este período de sua vida, quando anos depois afirmou com sinceridade  que durante o período em que permaneceu casada, estava apenas "jogando cartas - de dia, de tarde e de noite." 

O desquite era algo inevitável, que viria mais ou menos dia, independente da carreira musical ou não. A partir daí a vida amorosa de Maysa passa a ser narrada nas páginas de todos os jornais. Porque, para mais escândalo da careta sociedade brasileira dos Anos 50 que não admitia que uma mulher separada pudesse namorar e ter as rédeas da vida nas próprias mãos, Maysa não estava nem preocupada em seguir um convencionalismo tão preconceituoso. Ao romper um casamento ela também esperava reencontrar o amor nos braços de outro homem, mas isto nem de longe aconteceu. Maysa acumulava vários namoros fracassados com outros vários homens errados, dizia não pensar mais na palavra casamento mas ao mesmo tempo confessava ao diário:
“...Não há mais tempo para a dor, não há mais nada senão a imensa vontade de acertar.”

Com Ronaldo Bôscoli, Maysa viveu a plena intensidade de uma paixão fulminante digna das mais criativas páginas novelescas como o próprio Bôscoli conta em seu livro de memórias lançado em 1994 – “Foi uma mulher que se entregou com uma voluptuosidade inteiramente nova e encantadora para mim. E isso não só no plano sexual. [...] Mas no plano profissional também. [...] Nós dois éramos muito amigos e nossa paixão transcendia tudo.” A primeira vista, os dois poderiam ser vistos como feitos um para o outro – duas personalidades vulcânicas, geniosos, divertidos, libertos, independentes, além de entornarem uma considerável quantidade de whisky – Maysa e Bôscoli realmente pareciam feitos um para o outro, mas nada é tão simples a primeira vista. Qualquer atrito dava origem a combates inimagináveis de tão ferozes, brigavam  feito cão e gato. Bôscoli apontava a traição como uma verdadeira obsessão de Maysa, que dava margem a atos impulsivos dela própria, traições vulgares que não tinham outro objetivo senão feri-lo, tudo fruto da enorme instabilidade emocional de Maysa. Mas mesmo com uma identificação mútua tão grande, o namoro de Maysa e Ronaldo Bôscoli não resistiu a um dos maiores problemas da cantora – o álcool – como ele próprio narra em sua autobiografia: “O motivo de nossas brigas era sempre a bebida. Um excesso o que Maysa bebia; aos poucos se tornou um absurdo. A quantidade de álcool consumido aumentava na mesma proporção em que crescia o nosso tempo juntos. [...] No início – como sempre no começo de tudo –, o alcoolismo de Maysa também me era bastante agradável. Embora obviamente eu não tivesse a dimensão de que aquilo fosse uma doença. Nem podia ter, porque eu também entornava bastante. [...] Só que o problema – que aliás foi o que baratinou e matou Maysa – foi realmente a progressão do álcool. De muita bebida ela passou a bebida demais. Eu, que não era nem um pouco abstêmio, ficava chocado. [...] Ela tentou sair dessa, por vários modos e meios. Mas realmente foi mais forte que ela. E isso nos separou.” E foi assim que mais um romance de Maysa se desfez, num fim de noite...

Aos montes de amores fracassados, Maysa seguiu ao longo da vida acumulando várias cicatrizes pelo corpo inteiro. Cicatrizes da alma como ela própria chegou a dizer. Maysa não conseguia não estar apaixonada, vivia em meio a uma perdição de amores, paixões fulminantes – muitas delas que só serviram para lhe sangrar o coração e machuca-la ainda mais. O longo casamento com o espanhol Miguel Azanza – que durou 10 anos – mostrou-se mais um grande fracasso. O que começou como uma bela aventura e seguiu como lua-de-mel aos poucos se desdobrou em uma relação insólita e estranha, com um marido acomodado e superficial que não conseguia enxergar os gritos desesperados da alma de Maysa. O que acabava descambando em traições mútuas. Ela chegava a maturidade dos 30 anos ao lado de um homem que não lhe transmitia a mesma maturidade e segurança que tanto precisava. Vivendo com Miguel na Europa, longe da família e dos amigos, Maysa passou a enfrentar constantes crises de solidão, medo e angústia. Acabava recorrendo a desesperadas tentativas de suicídio numa forma de pedir por ajuda, Miguel a salvava mas no entanto se mostrava indiferente e distante diante dos sucessivos clamores de Maysa. Ela o amava sinceramente, mas não via nele o homem que pudesse verdadeiramente ama-la e ajuda-la a conseguir um equilíbrio emocional que pudesse fazer com que ela finalmente vivesse em paz. Porém, Miguel era totalmente indiferente ao tormento de Maysa e não percebia o inferno que se passava dentro dela e apenas a perdoava. Miguel era um homem imaturo, superficial e acomodado, que confundia as emoções de Maysa e a deixava ainda mais perdida. Em breve, nem o amor dos dois conseguiria sustentar este casamento – minado por brigas e crises de ciúme – que foi se arrastando como um fardo ao longo dos anos, machucando ainda mais o já atormentado coração de Maysa.

A metáfora Ando só numa multidão de amores, de Dylan Thomas foi adotada como lema por Maysa, por sintetizar a forma como caminhava seu cansado coração. A verdade é que por trás da bela poética esconde-se um grito de desespero, Maysa se encontrava verdadeiramente perdida – sem rumo – em meio a uma imensidão de eternos amores que nunca cessão, talvez seu maior desejo fosse conseguir a proeza divina de amar em paz. Até ali Maysa já se encontrava cansada demais de sua atribulada trajetória, ela queria sim a proeza divina de amar em paz. Depois de tantos sofrimentos, tantas frustrações e tantos fracassos, Maysa precisava de tempo para poder se encontrar.

Carlos Alberto representava para Maysa a esperança de poder amar em paz. Era um homem que para ela representava a grande chance de alcançar uma estabilidade emocional, já que o próprio Carlos Alberto possuía uma grande integridade espiritual que em muito ajudou Maysa. Por ele, adotou a filosofia Rosa-Cruz, e foram os dois morar no lindo paraíso de Maricá, onde finalmente Maysa – em contato com a natureza – pode promover um encontro maior com o seu interior, desenvolver sua espiritualidade e alcançar uma estabilidade emocional – pequena e frágil – como ela mesma disse, mas que porém, caminhava para ser total. Carlos Alberto fez muito por Maysa, os dois se amavam profundamente e foram muito felizes, como ela mesma fazia questão de demonstrar publicamente. Mesmo vivendo em relativa paz e sob uma aura de amor com Carlos Alberto, Maysa ainda cultiva uma estranha angústia dentro do peito e seu eterno pavor da solidão, além disso o casamento com Carlos Alberto começou a desandar completamente, e Maysa, inquieta e confusa se descobriu apaixonada pelo maestro Júlio Medaglia, porém, ao mesmo tempo ainda amava verdadeiramente Carlos Alberto. Impulsiva, não exitou e caiu nos braços do maestro, mesmo ainda estando com Carlos Alberto, o casamento, não mais resistiu. A separação de Carlos Alberto foi profundamente dolorosa para Maysa, ela chegou a escrever longas cartas que nunca chegaram as mãos de Carlos em que expunha suas dores e seu tão grande sofrimento.
Se Maysa agiu certo ou não, não podemos saber.

 Tudo aconteceu de uma forma muito rápida – e até difícil de entender –, em pouco tempo parece que tudo ruía novamente e mais uma vez Maysa desabava e expunha toda a fragilidade e a imensa dor que carregava no peito. Não acredito que Maysa tenha morrido de tanto amar, acredito sim, que ela tenha morrido amando – profundamente – como era de seu feitio. Disso não tenho dúvidas. Seu gigantesco coração – atribulado, machucado, sofrido, insensato, magoado e lindo – jamais parou de pulsar por amor. Maysa amou até o último de seus dias, mesmo que tenha sido um amor tão carregado de dor, ela amou até as últimas consequências. Até o sem – fim da vida.

9 de novembro de 2010

Série: decifrando Maysa (parte 1)

Série:
Decifrando Maysa (parte 1)


Antes de tudo, gostaria de explicar o propósito e minha visão sobre esta série que começa nesta postagem. A série Decifrando Maysa, vem com o objetivo ousado de tentar ao máximo desvendar e explicar as ações interiores que moviam o ser humano Maysa de uma forma verdadeira – sem ilusões, fantasias ou meias-verdades – espero que com isto, todos nós possamos refletir e conhecer mais desta mulher extraordinária.
A série é escrita sob a minha ótica – que pode não ser a mesma que a sua – mas procura sempre enxergar Maysa de uma forma mais sensível, sincera e compreensível. Afinal, todos têm o direito de achar o que melhor lhes parecer. Mas somente com um olhar mais humano e desprovido de preconceitos poderemos enxergar o Eu de Maysa. (comentários e opiniões são sempre muito bem vindos!)

Parte 1 – Turbilhão de emoções
 Maysa era um turbilhão de emoções. Só isso já sintetiza boa parte do venho a falar. Mas, qual o porque de tanta intensidade? É sobre o que vamos falar. Primeiramente – Maysa era muito inteligente – não só musical, ou intelectualmente. Tinha uma inteligência especial, emocional e psicológica. Desde criança, Maysa já tinha em mente as mesmas convicções de amor e liberdade que seriam sua bandeira por toda a vida, tanto é que não suportou o ambiente frio, opressor e sombrio do colégio interno durante a infância. Além das freiras francesas estarem a deixando louca como ela mesmo dizia, não suportava o distanciamento de sua família, pois sempre conservou o amor e o carinho dentro de si, e talvez viesse disto a grande carência que sentiu ao longo da vida.
Ela nunca superou o trauma do internato, talvez, tenha sido um dos primeiros de sua vida. De repente, em pouco tempo, a adolescente espevitada, atrevida e namoradeira se viu presa pelos grilhões de um casamento aristocrático. Parecia que do dia para a noite aquela garota de apenas 17 anos havia perdido um de seus bens mais preciosos – a liberdade. Maysa era também muito impulsiva, ás vezes cometia atos que não eram passíveis de volta, mas a ela pouca importava pois também era muito decidida e geniosa, não permitia que ninguém interferisse em suas crenças e jamais abandonou suas convicções.
Neste exato momento a música surge na vida de Maysa como uma válvula de escape para as angústias e agonias que ecoavam dentro do seu ser, mas a música não surge na vida de Maysa durante seu casamento, e sim, muito antes, mas naquele momento suas letras nos dão nitidamente o tom do desespero e da infelicidade que permeavam sua vida. Ela literalmente explodia em forma de música. Pois então ela resolveu partir, abandonar um casamento aristocrático em plena 1958 era um ato execrável, armada com altas doses de coragem e idealismo ela enfrentou e resistiu bravamente a uma sociedade hipócrita e muito preconceituosa que não demorou a apedreja-la em forma de letra. O comportamento moderno e avançado de Maysa era tido como errático e libidinoso, achincalharam-na o quanto pôde.
A história de Maysa também é permeada por um sentimento enorme de coragem emanado pelo seu ser, sem isso, jamais saberíamos quem foi Maysa Figueira Monjardim. Dona de um temperamento instável, Maysa era uma mulher de personalidade fortíssima, irreverente, moderna. Realmente muito avançada para a época. Maysa era um verdadeiro vulcão, com um temperamento pronto para explodir a qualquer momento. Todos os amigos, familiares e contemporâneos a descrevem como uma mulher linda, simpática, autêntica, sincera e verdadeira. Dona de um magnetismo pessoal que atraia e até assustava as platéias (dois olhos verdes hipnóticos). Independente e liberta de preconceitos, detestava ilusões, convenções sociais ou modismos idiotas. É disto que se criou sua fama de agressiva, quando isto não passava apenas de um mecanismo de defesa. Mas apesar de ter-se construído à sua volta, a imagem de uma mulher forte, dura e agressiva, a verdade é que Maysa estava prestes a desabar a qualquer momento. Ela era muito insegura, frágil, sensível e sonhadora (como todo grande romântico). Mulher de buscas incessantes, talvez tenha sido em nome destas, que Maysa empreendeu tão longas viagens ao redor do mundo, certamente buscando algo que preenchesse seu interior, que respondesse ao chamado incessante de sua alma. Maysa buscou paz, amor, afeto, algo que preenchesse seu imenso coração e calam-se os gritos incessantes de sua alma.
Mesmo com todos os trágicos sofrimentos lhe impostos pela vida, ela lutou por seus ideais até o último de seus dias. Subsistiu a tudo e todos. Acho até que Maysa sofreu todas as dores que um ser humano pode sofrer, mas jamais esmiuçou diante delas. A cada dor, uma nova ressurreição. E por isso existiram várias Maysas nascidas de uma só mulher. Maysa tinha uma imensa vontade de viver – e viveu – levou a vida com a maior intensidade possível, a centenas de quilômetros por hora. Era uma mulher dominada e conduzida pelos sentimentos, deles fez sua vida e sua música. Certa vez confessou ao diário: “Há gritos incríveis dentro de mim que me povoam da mais imensa solidão.” e é verdade. Maysa morreu na mais absoluta solidão – no crepúsculo da tarde, sozinha, solitária, a mil por hora. O futuro respondeu a Maysa – tudo valeu a pena – como ela mesma disse “Tudo valeu pra burro!”

5 de novembro de 2010

Coluna: Disco da semana

Maysa (ao vivo - 1964)


Local: Boate Au Bon Gourmet
Gravadora: Elenco
Gravado: 1963
Lançado: 1964
Faixas:
1- Demais / I’Ve Got You Under My Skin
· Tom Jobim / Aloysio de Oliveira
· Cole Porter
2- Por Causa de Você (Dolores Duran / Tom Jobim)
3- La Barca (Roberto Cantoral)
4- Bom Dia, Tristeza (Adoniran Barbosa / Vinicius de Moraes)
5- Quem Quiser Encontrar Amor (Carlos Lyra / Geraldo Vandré)
6- Fim de Noite (Chico Feitosa / Ronaldo Bôscoli)
7- O Amor Que Acabou (Chico Feitosa / Luiz Fernando Freire)
8- Dindi (Tom Jobim / Aloysio de Oliveira)
9- Bouquet de Izabel (Sérgio Ricardo)

Análise:
Imperdível, sensacional, maravilhosa, brilhante, inesquecível. Assim foi descrito o show de Maysa na boate Au Bon Gourmet. A histórica temporada de 1963 deixaria muitas saudades, felizmente, o antológico show foi registrado em disco pela gravadora Elenco.

Nos anos 60, a pequenina Elenco de Aloysio de Oliveira, driblando todos os atropelos financeiros, possuía um dos melhores casts entre as gravadoras nacionais da época. Alguns dos nomes estelares eram os de – Nara Leão, Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes, Baden Powell, Sérgio Ricardo, Roberto Menescal, Sylvia Telles, Quarteto em Cy e Nana Caymmi – era nitidamente um elenco de Bossa Nova, e o propósito da Elenco não era outro se não este. E ela queria Maysa.

O disco gravado ao vivo durante um dos shows daquela temporada em 1963, trouxe a inconfundível marca estética da gravadora. A capa em tons de branco e preto com ícones vermelhos tornou-se antológica e responsável pelo sucesso do selo. No disco de Maysa, o layout de César Villela captou os expressivos olhos de Maysa no exato momento, em alto contraste – preto e branco – abaixo do seu nome escrito em letras garrafais.

“Todos acham que eu falo demais / e que ando bebendo demais / que essa vida agitada não serve pra nada / andar por aí bar bar.” Ela entrava no palco cantando “Demais” de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, a música antológica tornou-se um prefixo de Maysa. O piano dedilhado por Eumir Deodato (que também respondia pelos arranjos do show e pelo orgão), ainda brincava com o público quando no começo da música, iniciava com a melodia de “Ouça”. Após a marcante interpretação para “Demais”, Maysa emendava uma enlouquecedora versão de “I’ve Got You Under My Skin” de Cole Porter, eternizada na voz de Frank Sinatra. Após a desconcertante interpretação, seguiam-se releituras de grandes sucessos como “Por Causa de Você”, “Bom Dia, Tristeza”, Fim de Noite”, “Dindi” e “Bouquet de Izabel”. Havia também uma versão inédita para o clássico bolero “La Barca” de Roberto Cantoral.

O espetáculo agradou, o público amou e o show marcou época na vida noturna carioca da época. O produtor e diretor da atração – Aloysio de Oliveira – sintetizou as emoções do espetáculo no texto de contracapa do LP:

“Existem poucos artistas que possuem a terceira dimensão. A terceira dimensão é uma força de personalidade que permite ao artista “hipnotizar” o público. Maysa tem essa força. Por isso gravamos um dos seus shows, ao vivo, tal como aconteceu. Um documentário musical desta fabulosa voz, desta fabulosa personalidade, desta fabulosa intérprete que é Maysa”.


29 de outubro de 2010

Coluna: Disco da semana



Maysa Canta Sucessos


Gravadora: RGE
Ano: 1960
Faixas:
1- Ri (Luiz Antônio)
2- Noite Chuvosa (Fernando César / Britinho)
3- O Amor e a Rosa (Pernambuco / Antônio Maria)
4- Sonata Sem Luar (Vinicius de Carvalho / Freddy Chateaubriand)
5- Chora Tua Tristeza (Luvercy Fiorini / Oscar Castro Neves)
6- Ternura Perdia (Aloysio Figueiredo / Inah Monjardim)
7- Estou Pensando em Ti (Raul Sampaio / Benil Santos)
8- O Menino Desce o Morro (Vera Brasil / De Rosa)
9- A Canção dos Seus Olhos (Pernambuco / Antônio Maria)
10- Samba triste (Baden Powell / Billy Blanco)
11- Um Novo Céu (Fernando César / Ted Moreno)
12- Diplomacia (Maysa)


Análise:
O álbum Maysa Canta Sucessos, lançado em 1960 fez parte de um projeto maior da gravadora RGE de reunir grandes astros do catálogo da gravadora em uma série que consistia em apresentar estes cantores cantando grandes sucessos do momento nas vozes de este ou aquele cantor. Outros exemplos da série Canta Sucessos foram Elza Laranjeira Canta Sucessos e Agostinho dos Santos Canta Sucessos.

E a Bossa Nova não poderia deixar de estar presente após a última incursão no álbum Voltei lançado no mesmo ano. Em Maysa Canta Sucessos o ritmo simcopado da Bossa está lá presente em ao menos metade das faixas do álbum, como a bamboleante “Ri”, no embalo de “Chora tua tristeza” e a maravilhosa “Samba Triste”. Canções de grandes nomes ligados a bossa como Oscar Castro Neves, Billy Blanco e Baden Powell.

Apesar de Maysa Canta Sucessos não ser um dos discos mais comentados e prestigiados de Maysa, é um álbum maravilhoso, mas seu grande problema reside no fato de que Maysa não era uma cantora de “paradas de sucesso”, algumas canções ali parecem deslocadas do conjunto do LP como a insossa “O Menino Desce o Morro”. Tirando esses pequenos incômodos, Maysa Canta Sucessos é um ótimo disco que mostra uma Maysa versátil em grande forma, a orquestração e os arranjos de Enrico Simonetti também não deixam a desejar.

Há canções muito boas que se destacam no álbum, como – “O Amor e a Rosa” (Pernambuco / Antônio Maria), “Chora Tua Tristeza (Oscar Castro Neves / Luvercy Fiorini), “Estou Pensando Em Ti” (Raul Sampaio / Benil Santos), “Samba Triste” (Baden Powell / Billy Blanco), “Um Novo Céu” (Fernando César / Ted Moreno) e a bela “A Canção dos Seus Olhos” de Pernambuco e Antônio Maria que adquiriu ares de opereta italiana sob a regência do maestro Simonetti.

No álbum, Maysa aparece apenas como intérprete, mas contrariando o propósito inicial da RGE, foi incluída no disco uma composição dela própria – “Diplomacia” – gravação de Convite para ouvir Maysa Nº 2 de 1958. Maysa também incluiu uma canção de sua própria mãe Inah Monjardim – “Ternura Perdida – em parceria com Aloysio Figueiredo.
Maysa Canta Sucessos foi relançado em CD totalmente remasterizado, pela gravadora Som Livre em 2009.

25 de outubro de 2010

Manchete - Maysa, A Gata Voltou Mais Mansa (1969)

Maysa – a gata voltou mais mansa


 “Ela voltou. Uma nova Maysa, elegante, charmosa e ousada, escolhendo uma casa de espetáculos freqüentada por gente não sofisticada – para sua espetacular rentrée. A exceção da voz quente e sensual, tudo nela mudou: o estilo, as roupas, os gestos. Ela própria, no entanto, parece não acreditar muito em ta l transformação, afirmando: “A minha agressividade era minha defesa. Agora sei que por dentro sou meio covardona. Talvez gostasse mais da outra Maysa, inconseqüente e inconsciente, mas sei também que aquela coragem nascia da bebida e por isso decidi enfrentar as coisas sozinha, sem copos. Quando olho no espelho, chego a me perguntar: Será que sou eu mesma?” na verdade, a Maysa 36 quilos mais magra é a mesma de sempre. E a prova é uma só: embora pela primeira vez ela se apresente num show do “Canecão” , no Rio, dançando e usando minissaia , a interpretação que o público mais aplaude é “Ouça”, relembrando um passado em que os olhos da Gata eram dois oceanos, ainda não tão pacíficos.”

(Revista Manchete, 14 de junho de 1969)