23 de novembro de 2010

Série: decifrando Maysa (parte 3)

Série:
Decifrando Maysa (parte 3)

Parte 3 - Transgressora

Maysa foi uma das maiores transgressoras da história do Brasil. Mulher de coragem, idealista, verdadeira, moderna e absolutamente heróica. Rompendo todas as barreiras possíveis e impossíveis, sejam elas sociais, emocionais ou psicológicas, trilhou caminhos tortuosos e repletos de obstáculos. As opções de vida de Maysa não foram fáceis – pelo contrário – como ela mesmo disse, foram doídas e muito a machucaram, mas tudo foi em prol de si mesma, caso contrário, jamais saberíamos quem foi Maysa.
Maysa se fez famosa pelos atos impulsivos, exagerados, pelos escândalos épicos, pela vida atribulada e pela quebra de tabus e barreiras. Mas o que devemos ter em mente para entende-la é que tudo que Maysa fazia era extremamente passional, “só digo o que penso / só faço o que gosto e aquilo que creio.” Suas atitudes não eram forçadas, muito menos fingidas pois Maysa era muito autêntica e sincera. Era uma mulher instintiva e ousada. Maysa não conhecia a palavra arrependimento, não constava em seu vocabulário.  Maysa não foi uma transgressora apenas por romper padrões e por tabus em cheque. Ela foi uma ativista sentimental, que carregava consigo a bandeira do amor e da liberdade, independente de credos ou cores. Lutou pelo paradoxo da felicidade armada com música e muita coragem, e por isso, deu de ombros a toda uma sociedade e escreveu uma história de superações e vitórias.
O escândalo do desquite de Maysa não consistiu só pela mesma, ter abandonado um casamento aristocrático em favor da carreira musical, não mesmo. Maysa também fazia parte daquela mesma aristocracia, era parte integrante dela. Além do mais, sua separação de um membro da ultratradicionalista Família Matarazzo, em detrimento da carreira musical, ainda por iniciativa própria era visto como algo inadmissível, inimaginável. Era do tipo de coisa que não acontecia em sociedade – em hipótese alguma – e se acontecesse era visto como um verdadeiro escândalo, passível de julgamento público. E a carreira musical, na época, era extremamente mal vista, de uma forma que não podemos imaginar, era algo julgado como promíscuo, de baixo nível que competia à gente vagabunda que não gostava de trabalho sério. E foi neste mesmo mundo que Maysa optou por viver. E para viver nesse mundo ela rompeu com tudo – e com todos – abandonou família, casa, estabilidade financeira, absolutamente tudo. Mas o rompimento não foi fácil, Maysa sofreu muito por remar contra a maré, e sofreria ainda mais com tudo o que viria depois.
E assim aconteceu, decidiram por julgar Maysa publicamente. Ela foi completamente destituída de respeito e por várias vezes foi desmoralizada publicamente, além de ter sido vítima das mais escabrosas manchetes de jornais e revistas na época, mas Maysa deu de ombro, literalmente. Maysa não se fez de rogada. Ela nunca se importou com o “disse me disse”, muito menos com a maledicência alheia, a prova disso é que jamais alterou ou disfarçou seu comportamento e sua verdadeira personalidade por causa dos comentários preconceituosos de gente invejosa e ignorante. Seu comportamento visto como errático e rebelde, realmente, era muito avançado para os pacatos padrões da década de 50, já naquela época Maysa instigava um novo modelo de mulher, que se autofirmava sexual e economicamente. Afinal, até ali ela já era uma cantora de sucesso, rica e bem sucedida, que havia conquistado tudo isto muito antes dos 25 anos. Tudo isto, muito antes da revolução comportamental que ditaria novos costumes na década de 60.
Maysa ditava moda, instigava comportamentos, quebrava tabus, punha preconceitos em cheque e transpunha barreiras. Era uma transgressora nata, por realizar tudo isto muito antes dos movimentos feministas, pois muito antes destes movimentos em que tanto se falaria nas décadas de 60 e 70, Maysa já era uma mulher independente e fazia tudo aquilo que mais tarde se julgaria como atos feministas. Ela mesma chegou a reiterar isto diversas vezes. Era uma mulher totalmente despida de preconceitos, detestava convencionalismos bobos, sua sinceridade e autenticidade admiravam homens e mulheres, e até chegava a assustar aqueles que não estavam acostumados em ver mulheres tão ousadas, marcantes e arrojadas. Polêmica, moderna, Maysa desafiava a sociedade machista e preconceituosa em que havia nascido. Em muito se assemelhava a outras grandes mulheres percussoras, como – Chiquinha Gonzaga, Guiomar Novaes, Yolanda Penteado, Tarsila do Amaral, Nísia Floresta, Virginia Woolf, Simone de Beauvoir. E outras mulheres que se tornaram famosas pelo comportamento avançado e inspirador, como – Katherine Hepburn, Greta Garbo, Maria Callas,  Marilyn Monroe, Brigitte Bardot e Leila Diniz. Maysa tem um pouco de todas elas.
Um famoso pensamento de Clarice Lispector,  – que é também um grande lema –  pode definir a nossa transgressora, intensa, autêntica, moderna, sincera, verdadeira e mulher – Maysa.
"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

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