Maysa volta para cantar
Maysa por si só é um espetáculo à parte. Ontem à noite, ela concedeu entrevista coletiva à imprensa, dizendo, como é de seu costume, tudo o que pensa e sente a respeito de tudo e todos. Intimamente, Maysa continua a mesma: "Eu ainda jogo cinzeiro em quem me perturba". Mas, fisicamente, Maysa está quase irreconhecível: perdeu 36 quilos, ou 36 litros , como ela própria prefere dizer, de vez em quando ainda bebe um ou outro drinque.
Vestindo um costume negro, os cabelos acinzentados, Maysa foi realmente um espetáculo todo a parte. Sua extravagante beleza, agora devidamente "ajustada", porque emagreceu, ganhou corpo de miss, passou a cuidar de sua aparência. Maysa parece uma nova mulher.
Seu vedetismo de ontem não mais impera. Ela posou para todos os fotógrafos com um sorriso meigo, suave, de quem está de bem com a vida. Mas negou que estivesse bem com a vida, com a felicidade. Quando lhe perguntaram sobre isso, ela parou, olhou fixamente, com seus imensos olhos verdes, e disse, taxativamente: "Felicidade é privilégio de gente burra". Mas não foi só. Tudo o que lhe perguntavam ela respondia. Não fugiu a uma só pergunta, por mais dura e rude que fosse.
A entrevista coletiva que Maysa concedeu ontem à noite, ante-véspera da estreia do seu show no Urso Branco, foi toda espetaculosa. Enquanto ela falava, com sua voz quente, arenosa, uma banda de música - músicos vestidos de branco, com penachos longos e brancos - passeava de um lado para o outro, tocando marchinhas, colorindo o ambiente de tons carnavalescos. Ninguém entendeu o porque da banda de homens brancos e das marchinhas caboclas, numa entrevista sofisticada.
Contudo, Maysa continuou a falar suas franquezas. Disse e fez questão de dizer alto e bom som que considera Elis Regina a melhor cantora do Brasil, com uma única ressalva: "Ela é um mau-caráter". Caetano Veloso é "genial", sem paralelo, "fora de série". Maria Bethânia é a grande intérprete. Cauby Peixoto é "um grande amigo". Roman Polanski, um "azarado", cujo feitiço virou contra ele próprio.
Enquanto tudo isso acontecia, o Urso Branco se enchia de gente. Que bebia o uísque, o chopp, servido à vontade para todos. E, obviamente, a temperatura se elevou, aumentou o ruído, cresceu o vozerio. E a banda tocava. Maysa, imperturbável, prosseguiu falando, enfrentando, sem desviar seus grandes olhos, as perguntas que pipocavam de todos os cantos: sobre sua vida, sua arte, seu passado, seus fracassos e sucessos. Sobre tudo.
Uma jornalista perguntou a Maysa porque usa tanto a cor preta. Ela sorriu primeiro e depois desabafou, com uma naturalidade que já fez escola: "Gosto desta cor. Talvez porque ainda pense como uma mulher gorda". E sobre uma possível relação entre uma depressão moral e uma boa interpretação? Maysa disse que não há necessariamente essa relação, pelo menos no seu caso. Sua interpretação - intimista, sentida, chorada - independe de seu estado psíquico, de sua condição moral: "Quando subo no palco, esqueço tudo".
Mas ela disse outras coisas também: "Talvez vá morar em Portugal". "Sou Palmeiras em São Paulo, e Botafogo no Rio". "O último livro que li, achei genial; foi O Compromisso, de Elia Kazan. "Ainda prefiro Judy Garland e Barbra Streisand". "Não pretendo assinar contrato com ninguém, quero ser freelancer". "Atualmente estou compondo apenas para uso próprio".
E voltou a falar sobre Elis Regina: "O sucesso que Elis Regina fez no Olympia, eu também fiz. Acontece que nós duas não fizemos outra coisa senão encher buraco, enquanto os astros principais do show não vinham".
A temporada de Maysa no Urso Branco começa amanhã, ás 23 horas. É o mesmo show que apresentou no Canecão do Rio durante 2 meses e meio, com afluência de público considerada excepcional: 3 mil pessoas por dia. Esse show foi gravado ao vivo pela Copacabana. O long-play já se encontra na praça, com Maysa interpretando novos e velhos sucessos seus. Quem, todavia, preferir ver Maysa em pessoa, num show de muita gente, vai ter que pagar 15 cruzeiros novos: NCr$ 6,00 de couvert e NCr$ 9,00 de consumação mínima. O resto fica com ela: "Eu dou o recado".
(publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 11 de setembro de 1969)
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