27 de agosto de 2012

Imprensa: Maysa no paredão - Revista Manchete (30/05/1970)


Maysa no paredão


Toda pessoa inteligente sofre muito. Eu sofro.

Ela não gosta da palavra volta. Porque acha que só volta quem partiu (e ela não partiu). “Sou um pouco barco de pesca, vou ali e já venho.” De qualquer forma, Maysa retorna ao Canecão, desta vez muito bem acompanhada de Luizinho Eça. Foi fácil estrear, porque os dois já estavam ensaiados para uma temporada em teatro que acabou não dando certo (não por culpa deles). Há um ano, ela fazia uma temporada no mesmo Canecão, mais magra e mais corajosa do que nunca. A casa ficava cheia todas as noites: muita gente que nunca tinha entrado lá mudou então de ideia. Depois disso, outros artistas também mudaram e passaram a cantar não mais apenas para uma pequena elite. Alguns desistiram em cima da hora – mas isso é outro problema. A verdade é que Maysa é novamente um marco dentro da noite carioca. E pede: ouça!

Reportagem de David Rangel · Foto de Raimundo Costa
                  
Eliana Pittman (cantora)

-         No tempo em que você começou a cantar, ia sempre para a boate Cave, em São Paulo, onde ficava até a madrugada. Lá trabalhava meu pai, Booker Pittman, que me contava tê-la acompanhado muitas vezes. Eu quero saber, porque você nunca deu uma palavrinha sobre essa pessoa formidável que você conheceu no início da sua carreira?
-         Eliana, você está muito enganada. Inclusive – engraçado – você vai ficar sabendo que agora no meu próximo show, no Canecão, um dos meus músicos e eu vamos cantar uma canção feita para o Booker. Agora, acho que quando uma pessoa gosta da outra não precisa anunciar aos quatro ventos. A gente gosta é no coração, não na boca. Booker sempre esteve no coração. E uma palavra minha não ia aumentar em nada a magnífica arte que ele sempre teve.
-         A sua fonte de composição secou ou você perdeu o endereço do guitarrista e compositor Baby, que tocava no Cave?
-         (Maysa fica espantada.) Se eu perdi o endereço do Baby?... olha, nunca ninguém me perguntou isso. Acho que você também deve ter perdido. Eu não perdi, não. Baby nunca fez nada comigo, apenas me acompanhava. A minha fonte de inspiração não secou, não. Estou voltando a compor e o Menescal musicando. (uma pausa para aumentar a irritação.) E se secou, isso é um problema meu. Não é seu. Agora, que o Baby quem fez as minhas músicas, eu gostaria que provasse. Traga o Baby.

Paulinho Tapajós (compositor)

-         Você não acha que se afastando tanto do Brasil, acaba prejudicando um pouco sua carreira e sua popularidade?
-         Paulinho, estou de volta há um ano. Até fizemos um disco lindo com músicas suas, não é? Eu não acho que essas viagens prejudiquem minha carreira, porque enquanto estou lá fora, faço o quê gosto: cantar. Olha, minha popularidade já ficou provada por A + B, quando voltei no Canecão e enchi aquela casa três meses de terça a domingo. Muitos, só os fazem nos fins de semana. Era gente que ia ouvir o OuçaMeu Mundo Caiu, Por Causa de Você, de Dolores e um pouquinho de Antônio Maria na minha voz. Para minha grande alegria, senti que essas saídas do Brasil não tem nada de negativo. Mesmo porque, afinal, estou divulgando o que é nosso, não é?
-         Qual o disco você considera o mais importante em sua carreira? Porque?
-         Esse disco ainda não existe. Tudo o que fiz foi importante. No momento. Não sei, eu podia dizer, talvez, O Barquinho, que foi gravado em 60. Era tão bom disco, tão anticomercial que a CBS resolveu retira-lo, calmamente, da praça. Aquele era um disco certo, muito bom mesmo. Agora, o disco mais importante ainda estou pra fazer.


José-Itamar de Freitas (jornalista)

-         Uma grande cantora, que só canta o que quer e o que sente. Uma mulher inteligente, corajosa, passional, desaforada, incapaz de se curvas às conhecidíssimas conveniências. Esta, Maysa, a sua imagem perante a maioria do público – eu, inclusive. Esse “fazer o que quer” não custa caro demais a um artista? Vale a pena ser independente, livre, quando se é artista? Consegue-se, mesmo, ser livre, independente?
-         José-Itamar, você acha que realmente uma pessoa é livre e independente, quando tem que responder a uma pergunta como essa? Acho que só se é livre quando existe a opção pra poder dizer “eu não quero responder” ou “quero que você se dane”. Eu não sou independente nem livre, porque, sendo artista, tenho compromissos com o público e comigo mesma. Sinto bastante o peso da palavra artista. Olha, ninguém consegue ser independente e livre. Nem os próprios hippies. Agora, desaforada eu sou, quando pisam meus calos. Enfim, acho que vale a pena, ao menos, se tentar ser independente e livre.
-         A comunicação fez da terra um “pequeno mundo”. Não lhe parece difícil a sobrevivência dos chamados “ritmos nacionais autênticos”? Você não acha que ninguém conseguirá evitar a universalização da música popular? Está certo o compositor que faz o que tem vontade de fazer, desde que com consciência e talento?
-         Graças a Deus alguém me perguntou isso. A única coisa certa é o compositor fazer o que tem vontade, desde que tenha consciência e talento. O cantor também só deve cantar o que quer e o que sente. Agora, eu queria que você me dissesse o que é “ritmo nacional autêntico”? De onde vem? Claro que não é do Brasil. Não tem nada disso. É o sambão? O sambinha? O afro? Olha, todos vem de um lugar só. Acho que é válido tudo que a gente sinta e que comunique, como você mesmo diz. Realmente, vai ser muito difícil evitar a universalização da nossa música. Do jeito que se faz a sua divulgação e do jeito que entra a música estrangeira aqui, é quase impossível mesmo. (Maysa fala rápido e muito irritada.) Olha, Milton Nascimento que muito americano funde a cuca ouvindo sem entender, está aí jogado. Edu Lobo está lá fora preso a um contrato com Sérgio Mendes, sem poder fazer nada antes de pedir permissão ao patrão. O carrasco Sérgio Mendes virou o Xavierzinho Cugat de lá. Manda e desmanda em todo mundo. O Milton Nascimento gravou um disco nos Estados Unidos que não teve a menor divulgação. Cadê a máquina? Olha, eu não tenho pinimba com o Sérgio, não. Agora, o que ele fez em favor de nossa música foi uma piada. (Maysa se exalta mais.) Como é que um brasileiro sai do Brasil, pega duas cantoras americanas para cantar nossa música? Será que não temos cantoras excepcionais aqui? Algumas estão passando até fome. Olha, depois de Carmen Miranda eu fui uma das primeiras cantoras a sair daqui para cantar português lá fora. E no Blue Angel, uma das melhores casas de Nova Iorque. Não é papo-furado, não. Gravei até disco na CBS, que já mandava lá naquele tempo. Fui uma das primeiras a cantar no Olympia, de Paris. E foram doze músicas brasileiras. E cadê a máquina? Se ela tivesse agido como age com pseudovalores, já naquela época teria dado certo a divulgação da nossa música. Não posso deixar de citar Carlos Lyra, um dos maiores compositores brasileiros. Esquecido lá no México, não tem nem um convite para visitar o Brasil.

Gérson (costureiro)

-         Maysa, você acha que o artista precisa sofrer para ser verdadeiramente artista?
-         Olha, Gérson, acho que, na época atual, toda pessoa relativamente inteligente sofre. Agora, se o artista precisa fabricar o sofrimento, isso não é problema meu. Sofri muito. Não posso responder pelos outros. Comecei a cantar menina ainda, obrigada. Como vou explicar? Fui lançada numa máquina de horror. Um pavor que era alguma coisa fora do comum. Talvez por isso eu me metesse em boates pequeninas, para ficar mais protegida. Hoje, sofro demais, mas tenho consciência para dizer não às coisas e dar o devido valor a cada uma. Antes, era só medo.
-         Maysa, você como artista tem procedimento correto e digno de uma profissional. O que acha de quem vive provocando escândalos para se promover?
-         A imprensa, antigamente, dizia que eu também fazia isso. Pura mentira. Vai ver que as pessoas a que você se refere também não fazem o que você pensa. Contar certas coisas de artistas não é uma forma de vender mais? Olha, o Carlos Imperial é sensacional. Dentro do que ele faz, seu valor está na cara. Mas tem muita gente que me recuso a conhecer, ver e ouvir. Ao Agnaldo Timóteo, só consegui assistir duas vezes na televisão. Não gosto do ar debochado e fabricado do Martinho da Vila. O Osvaldo Nunes, assim mesmo só vi uma vez, assim mesmo porque fiquei com pena de ele ser massacrado num programa. É muito ignorante para poder responder a perguntas. O Antônio Marcos também me incomoda muito. Mas, acho que, se se preparasse, talvez pudesse tornar-se um homem inteligente.

Teresinha Pittigliani (sociedade)

-         Sou grande admiradora de seu talento artístico e de Maysa – mulher. Você que morou tanto tempo fora do Brasil, como viu nossa música lá e como vê a nova música popular brasileira agora?
-         Teresinha, a nossa música lá fora, infelizmente, ainda está naquela de quando você chega a tocar o Tico-Tico no Fubá em ritmo de chá-chá-chá. Pelo menos enquanto eu estava lá. Podem desmentir, mas é isso mesmo. Nos Estados Unidos, Tom Jobim tem muita força. Considero-o música brasileira, apesar de muita gente dizer que a Bossa Nova não é. Ela, realmente, tem raízes de jazz, mas foi a partir dali que as letras começaram a ser cuidadas, ficando mais bonitas e lógicas. Muito diferentes daquele bestialógico de antes. Sérgio Mendes não me toca como música brasileira. Ele mesmo diz que faz música internacional. Sérgio ajeita da sua maneira pra ganhar dinheiro, o que não deixa de ser válido. Hoje, aqui, todo mundo está confuso, com medo e vergonha do vizinho. Todos querem fazer coisa nova, esquecendo que música é uma coisa só. Não existe nada novo. Se não fosse isso verdade, como é que iam ficar os grandes clássicos? É o ritmo não sei de que, é o fulaninho não sei de que... infelizmente, nossos grandes valores estão lá fora. Desses, eu respeito muito o Caetano. Gil não gosto muito. Sou mais o Cae, entende? Edu Lobo é sensacional. Vou cantar no show uma música dele – Canção do Amanhecer, com roupagem belíssima de Luizinho Eça. Fico arrepiada só em falar. No Brasil, acho que cada um devia ficar na sua. Nada desse negócio de “fulano está gravando bolero”, “fulaninho está gravando não sei o que” etc.
-         Maysa, você agora está uma uva. Isso lhe custou muito sacrifício? O que pensa sobre a mini e a maxissaia?
-         Não, Teresinha, não me custou não. Um dia, cheguei em frente ao espelho e achei que minha figura agredia a mim mesma. Porque, então, agredir ao público que eu começava a amar? Quando me maquilava o suor me aterrorizava (tenho verdadeiro pavor de gente suando. Não sei o que é isso. Qualquer dia vou perguntar ao meu psicanalista). Enfim, sentia-me feia, antiestética. Para emagrecer, tive de deixar muita coisa. Nunca fui de muito comer, mas a bebida deixei mesmo. Quase nasci de novo, mas acho que valeu a pena. Sinto-me muito diferente, não sei se por causa do físico. Aquele instinto de defesa ante as pessoas que eu tinha, acabou. Antigamente, jamais responderia a este Paredão. Não tinha paciência e me sobrava pavor. Hoje, estou aqui nessa guerra, ávida pela curiosidade dos outros e com o maior prazer. Quanto à moda, Teresinha, sou muito esquisita. Se quiser botar minissaia, eu boto. Só gosto de máxi acompanhada de uma botinha. Agora, acho que a mulher não deve se escravizar a esse negócio de moda. Eu ponho o que acho bonito.

Roberto Menescal (compositor)

-         Maysa, há dez anos você me deu aquela tremenda colher de chá, gravando o LP O Barquinho. Aquilo praticamente me lançou no meio musical. Agora, nós vamos partir para outro disco. Você acha que este navio pode fazer sucesso igual ou maior que O Barquinho?
-         Menesca, a mesma colher de chá que você diz que eu lhe dei, você me deu com o seu Barquinho. Com ele, praticamente, nasceu um caminho imenso pra todos nós da Música Popular Brasileira, inclusive eu. Quanto ao nosso novo disco, esse navio que vamos lançar agora, faço questão que tenha muito mais sucesso que aquele Barquinho, que, infelizmente, era tão pra frente que foi retirado da praça.
-         Porque você não para com essa mania maluca de andar viajando o tempo todo e fica com a gente para toda a vida?
-         Se eu pudesse ficar com gente como você, meu querido, eu nunca mais saía daqui.

Miriam Moreira da Costa (sociedade)

-         Como você consegue conciliar ser uma boa mãe e uma grande artista?
-         Miriam, eu acho que uma coisa nada tem que ver com a outra. Principalmente, no meu caso com o filho que tenho. Jayminho, muito inteligente e vivo, participa da minha carreira de maneira tão entusiasmada que faz questão de tudo o que faço e saber das coisas para debater comigo. Ele não separa a mãe da cantora. Daí...
-         O que você pensa, sinceramente, dos festivais de música popular? São realizados com seriedade ou há movimento de protecionismo nos bastidores?
-         Acredito que haja sim. E bastante. Participei de dois festivais. Agora, não dou nome aos bois por uma razão muito simples: estava por fora e não sei quem foi o ajudado. Só sei que a música brasileira é que não foi. Olha, em todos os nossos festivais internacionais, o que aconteceu? A nossa música continuou no seu buraco e a estrangeira entrou com toda a força aqui.

Miguel Azanza (empresário)

-         Maysa, você ia fazer temporada no Teatro da Praia e, agora, decidiu ir para o Canecão. Porque?
-         Ah, seu danado, você é meu empresário, meu marido e não sabe? É muito simples, Miguel. Você sabe disso melhor que ninguém. A gente deve fazer as coisas que nos gratifiquem. Podem até achar que é covardia eu querer voltar só ao Canecão, porque conheço o local. Não é. Quando ainda não conhecia, eu também fui. É que me senti dialogando de tal maneira com aquela gente toda... eu achava tão formidável ver a Teresa Sousa Campos ou outra qualquer sentada ao lado do faxineiro do meu edifício! Todos na mesma linguagem, recebendo a mesma mensagem. Todo mundo encantado, não por mim, mas pelo conjunto de coisas. Olha, aquilo tudo me gratificou de tal modo, que eu descobri uma dimensão dentro de mim – para mim – que não sabia que tinha. Então, se nunca mais fizesse nada na carreira, a experiência do Canecão tinha valido. A gente deve voltar ao lugar, onde sente que está a sua verdade. A minha está lá.
-         Você que foi a primeira cantora de gabarito a se apresentar no Canecão, a primeira a ter coragem de enfrentar uma plateia tão grande, tem recebido alguma demonstração de agradecimento dos artistas a quem você abriu o caminho e que agora lutam pra serem contratados?
-         Confesso que quando fui lá pra dentro, não esperava nenhum agradecimento. Afinal de contas, alguém tem de ser a primeira. Mas vou contar uma coisa: em 58, os salários na TV começaram a subir quando eu comecei a cantar. Eu recebia 120 contos mensais na TV Record. Dinheiro pra burro. Agora, em 69, aconteceu a mesma coisa. Mas eu não espero agradecimento nenhum, não.

Hilton Gomes (locutor)

-         Porque você voltou ao estilo original? Foi reação do público ou você acha que Meu Mundo Caiu é mais forte do que a bossa jovem?
-         Hilton, essa pergunta eu já respondi assim umas mil vezes. Aquele sloganzinho A Nova Maysa – não existe. O que existe é uma Maysa com dez anos a mais. A fossa eu não comprei, não exagero, nem vivo dela. É uma coisa que está presente dentro de mim. A nova Maysa tem os mesmos problemas e angústias, as mesmas coisas. Só que consciente deles, porque dez anos deram pra me amadurecer um pouco. Enfim, não existe a nova Maysa.
-         O que você sente quando canta Ouça e quando canta música da juventude?
-         Ouça, quando eu fiz, foi uma carta com mensagem direta. Foi uma coisa minha que saiu para determinada pessoa numa determinada época de minha vida. A música do Roberto Carlos que eu cantei, senti no mesmo momento: “Se você pensa que vai fazer de mim/o que faz com todo mundo que te ama/é melhor saber que você vai ter que mudar.” Isso é um negócio superagressivo, que a gente tem vontade de dizer a muita gente. Por isso, é que Ouça e Se Você Pensa, pra mim foram dois recados.

“Não acho que sou melhor do que os outros, e se achar, isso é um problema meu. Mas jamais vou me render a maquina que despersonaliza as pessoas”

Diva Pierante (cantora lírica)

-         Maysa, o nosso célebre Coelho Neto, falando de improviso numa conferência em Juiz de Fora, disse sobre os olhos verdes: “Refletem uma profunda nostalgia e tristeza, contrapondo uma excessiva bondade e esperança.” Coelho Neto tinha razão?
-         (Maysa sorri, os olhos grandes e verdes se abrem mais ainda.) Olha, eu nunca li Coelho Neto. Mas, acho que ele tinha razão. Nostalgia, tristeza, bondade, esperança... é, Coelho Neto tinha razão. Porque, não sei.
-         Maysa, um cantor, popular ou lírico, deve fazer qualquer coisa para alcançar a popularidade. Por exemplo, extravagâncias como Alcebíades cortando a cauda de um cão ou Diógenes dormindo num tonel?
-         Desde que não entre em conflito com seu ego (que não se desrespeite) tudo é válido. Eu jamais vou me render à máquina despersonalizante, entende? Não quero dizer que sou melhor que os outros, não. E se achar, isso é um problema meu. Agora, estou sentindo que a convivência com tudo está começando a pifar. Olha, se eu não estivesse com vontade mesmo de fazer esse show, metia-me numa ilha deserta pra ler, ouvir música e criar base pra ir mais adiante, entende?

Albery (pintor)

-         A bebida está primordialmente inserida na sua alegria de viver?
-         Antigamente, a bebida chegou a ser uma bengala para mim. Precisa dela para viver, porque recebia pressões na minha vida particular e a imprensa fazia dela o seu prato do dia a dia. Hoje, a imprensa e gente como você tem outras coisas para pensar. Então, o problema da bebida passou a ser só meu. Ela é importante como comer, viver, respirar e qualquer outra coisa. Para emagrecer, além da comida, tive de abdicar da bebida. Tem-me dado momentos bem agradáveis. Mas, eu nunca me deliciei com o gosto, só com os seus efeitos. Olha, comecei a beber por necessidade. Foi quando abandonei minha casa e minha vida em São Paulo. A bebida era um derivativo, uma ajuda. E aquilo foi me fazendo mal. Demorou dez anos para que concluísse que meu corpo não aceita a bebida. É quase uma reação química. Isso é ruim para mim, porque eu gostaria de beber de vez em quando. Mas não consigo. Uma só não dá, tenho de tomar todas. Então, é melhor não beber. É mentira que eu tenha voltado a beber. Tomei dois pileques na rua, sim. E daí? O que os outros tem a ver com isso? Tenho o direito de fazer o que eu quero.
-         A velhice lhe mete medo?
-         Não, absolutamente. Não penso, nem jamais pensei nela.

Luís Martins (jornalista)

-         Maysa, conheci você e conversamos pela primeira e única vez num programa de TV Almoço Com as Estrelas. Achei-a extremamente simpática e comunicativa. A impressão que eu tinha, lendo jornais e revistas, era a de uma criatura amarga, e por vezes, agressiva. Em sua opinião, qual a sua verdadeira personalidade? Como você mesma se vê?
-         Com gente como você, Luís, que foi tão amável e carinhoso, eu não posso ser amargurada. Naquele programa em que conversamos todo o tempo, acho que, mesmo se estivesse na fossa, você teria me ajudado a supera-la. Essa criatura amarga e agressiva também tem seus momentos de carinho. Quando você me dá carinho, eu não posso responder com uma agressão. Maysa é amarga, agressiva nos momentos próprios – que são a maioria no tempo em que vivemos – gosta de receber e sabe dar muito carinho também.
-         Com a experiência de dois mundos totalmente diferentes – alta sociedade e o artístico – me esclareça: O último não lhe parece, às vezes, uma feira de vaidades tão frívolas e vazias quanto o outro?
-         Você tem toda a razão Luís. É por isso que optei por uma coisa mais cômoda – talvez mais covarde – que é o meu mundo pessoal. É mais cômodo ficar dentro da minha casa, lendo meus livros, fazendo o que eu quero, dialogando com o meu marido e com os poucos amigos que tenho. Olha, nem o mundo da sociedade nem o artístico me interessam. Talvez até pare com tudo dentro de dois anos.

Antônio Marcos (cantor)

-         Maysa, você segue rigorosamente os critérios do diretor artístico da sua gravadora quando faz um disco?
-         Olha, condição sine qua non nos meus contratos é que ele me de plena e total liberdade para fazer o que acho certo. Ninguém melhor do que eu pode saber o que tenho vontade de cantar e o que não tenho. Olha, isso é exatamente o que você tem de fazer, Antônio. Libertar-se. Sinto que você está perdido, fazendo mil perguntas, procurando cantar só essas musiquinhas de parada de sucesso. Já observei você muitas vezes na TV e noto uma incrível angústia. Parece que você quer falar alguma coisa que não pode e outras mais. Você tem que ter coragem e deixar de ser um cantor fabricado, partindo para a sua verdade. Condições para se recuperar você tem. Ainda me lembro bem de um festival da Record, quando cantou uma música que chegou a me arrepiar. Sua voz, aquele dia, estava uma coisa muito séria. Parece que você se esqueceu desse Antônio Marcos industrializado que é.
-         Na realidade, poucos artistas brasileiros conseguiram fazer sucesso lá fora. Você viajou muito. Qual o brasileiro de sucesso no exterior?
-         Até agora, Carmen Miranda e Sérgio Mendes. Só. Para uma pequena elite de países onde foram, incluo Elis Regina e Chico Buarque de Holanda. Elis, onde esteve, é conhecida como a grande cantora que realmente é. Eu, em Portugal, sou conhecida como aqui. João Gilberto teve tudo nas mãos para se tornar um deus nos Estados Unidos, mas foi muito displicente. Agora, para o grande público, de brasileiro só existem os dois primeiros mesmos.

Maysa, a famosa cantora no Paredão desta semana, volta a ser uma das grandes atrações da noite carioca.






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