Maysa sem pressa
Luís
Carlos Sarmento · Fotos: Manuel Gomes
- Não
tenho mais pressa de viver
Enquanto
ela falava, parecia sentir tristeza de seu próprio olhar. Aquilo que ficou de
um mito pré-fabricado. Precisamente Maysa que surgiu de Maysa.
Desta
vez, o papo foi no apartamento da Rua Bolívar, em Copacabana, que ela alugou
por uma temporada de seis meses. Tem telefone, mas ela ainda não decorou o
número. Nota-se o seu abafamento. Além de estar preparando um programa para a
TV (é a TV Tupi e o produtor é Carlos Alberto (Loffler), seu amigo “antigo do
futuro”) ela ensaia também um show para a Boate Sucata que deve estrear no dia
29 de abril.
- O
nome do show será Maysa, nada de Maysa voltou ou coisa parecida. Acho ruim demais.
Porque volta se eu sempre estive aqui?
O
apartamento é grande e Célia, a empregada, vem com a bandeja do café. E diz que
está bom.
- Cheguei
com uma paciência ilimitada. Você sabe o que é uma paciência ilimitada? Pois é.
Aquela eterna briga que existia dentro de mim já não existe mais. Aprendi a ter
carinho comigo mesma. Estou mais coerente comigo. Passei a me aceitar. É
difícil. Mas eu me aceito. Hoje eu já escuto os meus próprios diálogos. Repito:
os aceito. Aprendi a ter respeito humano.
O
café acabou, e ela continua:
- Maysa
antiga era uma criança caprichosa, voluntariosa, inconsequente, que os outros
descobriram antes de mim. Engraçado, todos me conheciam, ou melhor, conheciam
Maysa. Menos eu. Eu não me conhecia. Não me davam oportunidade de me conhecer.
Quer ver um fenômeno? Quando eu passava e via cartazes em portas de boates
anunciando Maysa eu me perguntava: quem é essa de que tanto falam? Eu não me
conhecia.
Lá na outra sala, ouve-se a voz dela no gravador.
“Tarde Triste”.
- É
a música que mais gosto. Fiz. Não tenho mais físico para cantar “Meu Mundo
Caiu”. Coisas de uma Maysa antiga. Não aguento mais. Obrigavam a uma Maysa a
seguir uma linha sem reta. Pré-fabricação pura. Hoje não tenho mais aquela
pressa que me exigiam. Não tenho mais pressa de viver. Aprendi a ver as
horas... Compreendi que o amanhã vai nascer com uma manhã linda de sol. De sol
ou de chuva. Mas tenho certeza que vai nascer um amanhã. E isto é importante.
Quero viver com calma. Quer ver os amanheceres. Sem pressa. Sem susto. Sem nada.
Simplesmente.
O telefone toca. Maysa pede licença, e se
engasga com o número. Era engano. Senta novamente e pede um cigarro.
- Bem
forte, daqueles mata-rato. Você tem? Não quero com filtro. Acho ótimo cigarro
forte. Pra mim, “Petit-Londrino” ou “Cubanos”. É tão bom. Trago-os com amor. A
propósito: foi engano. Na rua, quando eu saio, muita gente se engana comigo.
Ninguém me reconhece. Que bom. Ontem na praia disseram que eu tinha os olhos
idênticos aos de Maysa. Achei graça. Não disse nada. Que bom ter os olhos
idênticos aos de Maysa.
Miguel,
o marido, interrompe. Diz qualquer coisa, mas volta logo para a outra sala.
- Ele
é ótimo. Tudo para mim agora é lindo. É bom. É lindo. Sinto saudades apenas de
meu filho de doze anos que está estudando na Espanha. Está um rapagão. Mas ele
virá nas férias. Por falar em Espanha, acabamos de comprar uma casa em Cascais,
uma espécie de bairro perto do Estoril, em Lisboa. É linda, mas só vou pensar
nela para o ano. Eu nunca sei quanto tempo vou ficar num lugar. Aqui, pretendo
ficar até dezembro. Em 70 tenho muita coisa a fazer: tournée pela América do
Sul, lançamento de disco na Itália e outras coisas mais. Vou ficando. Meus pais
mudaram-se para o Rio. São meus vizinhos.
Célia
volta para apanhar a bandeja e Maysa aproveita para dizer:
- Ela
é uma boa amiga que eu tenho. Cozinha bem. Eu lá fora emagreci 28 quilos. Mas
logo que cheguei aqui ataquei de feijão com arroz, farinha e carne seca durante
uma semana. Não aguento mais de saudades.
E
música. O que você achou ou está achando do que se tem feito?
- Você
não entendeu que eu procurei fugir desse papo? Não quero falar. Sinto-me um
pouco desatualizada. Mas posso perceber que o que estão fazendo em matéria de
música não é autêntico. Não é música brasileira. Não é puro. Vi muita confusão.
Vi gente atacando gente sem se preocupar com o principal que é compor.
Produzir. Criar. O importante é criar. Vejo muita confusão. Atacam a Bossa
Nova. Porque? Que mal fez ela? Uma coisa eu digo: o que anda por aí nunca foi
música brasileira. Nem aqui e nem na África. É confuso, entende?
- E
o público?
- Não
sei como o público vai me receber. De uma coisa estou certa: estou imune e com
muita paciência para aturar tudo. Paciência até demais. Outro dia um colunista
escreveu: “Maysa voltou sóbria mas não sabe até quanto tempo ficará sóbria.”
Ora, isto é para qualquer um arrumar as malas e voltar. Para nunca mais
aparecer. Talvez em outros tempos eu fizesse isto. Agora não. Sou outra. Quero
ser entendida da mesma forma como procurei entender-me.
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