Maysa, dias sem vinho e com rosas
Nossa capa: Maysa, a melhor intérprete brasileira do Festival da Canção (foto de José de Castro)
Reportagem de Durval Ferreira · Fotos de Mituo Shiguihara
“Às vezes acredito que meu corpo não foi feito para morrer.”
As palavras são de Maysa, a Maysa de hoje, uma pessoa inteiramente outra, de
corpo e espírito. Os quilos perdidos (está pesando apenas 56) acentuaram-lhe a
silhueta; e como que também aumentaram o tamanho dos seus olhos, intensamente
acesos no rosto de menina. O sucesso do seu casamento com o industrial espanhol
Miguel Azanza e o amor ao filho, hoje com 10 anos, deram-lhe a paz de espírito
que tanto tempo lhe faltou. A nova Maysa é, antes de tudo, uma mulher
tranqüila, de fala mansa, compreensiva e adulta, acima das paixões e das
disputas. Mas, também, dona de opiniões seguras e, por vezes, contundentes – a
lembrar a Maysa de ontem, essencialmente polêmica. Quando, por exemplo, se
refere ao ié-ié, as expressões duras lembram a outra Maysa.
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Ié-ié é música para debilóides. E digo mais: somente no Brasil
ainda se houve o ié-ié.
O recente insucesso no Festival da Canção Popular, quando o
Dia das Rosas, que interpretou, não chegou à classificação internacional, não
lhe deu qualquer amargura. “Festival é assim mesmo.” Segura, ela sabe que a
canção (cuja letra é sua) é bela; e que sua interpretação foi correta – opinião
que coincidiu com a dos jurados do Festival, que lhe deram o prêmio da melhor
cantora brasileira. E é com Dia das Rosas que Maysa irá defender nos próximos
dias, no Festival Internacional da Canção, em La Plata, o nome do Brasil. O
convite lhe foi feito pelo Itamarati quando ela ainda se encontrava no
Maracanãzinho, na última noite do Festival Internacional.
Maysa não gosta do ié-ié, mas em compensação também não
gosta da Banda, do seu amigo Chico Buarque de Holanda:
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Sinceramente, não gosto. Gosto da letra, mas acho a linha
melódica sem expressão. Isto não quer dizer que não considere Chico Buarque um
dos melhores compositores brasileiros de hoje. Chico, Verinha Brasil (autora da
melodia de Dia das Rosas), Vinicius e Edu Lobo – não há maiores do que eles.
E cantoras? Bem, Maysa não cita as suas preferidas, mas
aponta, imediatamente, pelo menos uma das que não gosta.
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Não gosto de Maysa. Isto mesmo: não gosto de Maysa cantora.
Mais adiante, em meio à conversa, ela acaba por indicar
Elizeth Cardoso como a intérprete que mais lhe agrada. “Ela não envelhece
nunca. Nem ela, nem a sua voz.”
Ainda com Dia das Rosas, Maysa estará participando do
Festival de San Remo, em janeiro próximo. Depois, irá ao Festival de Cannes; em
seguida, voltará à Argentina para cumprir um contrato que já foi assinado. E
depois, os Estados Unidos. É possível, assim, que o Brasil não a veja por muito
tempo. Cumpridos seus compromissos artísticos, Maysa, seu marido e seu filho
irão viver no sul da Itália, “numa praia qualquer muito bonita e numa casa
também muito bonita”.
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Lá faremos a nossa base. E ao Brasil só virei esporadicamente,
para matar saudades. Sabe porque? Eu preciso de Sol – descobri que no Brasil
não tem mais Sol. Parece que cassaram o Sol.
Do Festival do Maracanãzinho, diz
que não podia ser mais perfeito – como organização e como qualidade artística.
“O Brasil lavrou um tento. Os europeus não teriam feito melhor.”
Suas preferências, no Festival,
foram para a Áustria; depois, para Portugal. E como interpretação, daria o
primeiro lugar ao representante russo. “Ele é verdadeiramente fenomenal – mil
pontos acima da Japonesa Chiemi Ieri, a vencedora.”
Sobre Saveiros, de Dori Caymmi e
Nélson Motta, que conquistou o segundo lugar no Festival, Maysa é incisiva:
“Sou suspeita para falar no assunto, mas não tenho medo de Dizer que Saveiros
não merecia aquela colocação.” As composições de Vera Brasil e Edu Lobo,
defendidas por Elis Regina, e mesmo o meu Dia das Rosas, deveriam ser premiados.
Agora é ela quem dá novo rumo à
conversa, falando de sua vida – “uma vida bem engraçada, muito tumultuada, e se
desenrolando numa velocidade quase supersônica, que às vezes chegava a me
atordoar. Não falo dos dias presentes, tão tranquilos. Mas de um passado onde
dissabores, tristezas, desencantos e exuberantes momentos de felicidade se
sucediam vertiginosamente, como as sequências de um filme cuja máquina de
projeção tivessem disparado. Não sei como consegui sobreviver. Sobrevivi,
felizmente, mas herdei desses dias tão terríveis uma série de neuroses”.
Maysa faz uma pausa, fixa os
enormes olhos num ponto vago, acende outro cigarro:
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Mas não pense que estou a maldizer a vida que tive. Se não a
tivesse tido, não poderia saber como sou feliz agora. Também não tenho medo da
morte. A morte é uma coisa que tem de acontecer, embora eu pense às vezes que
não vou morrer nunca. É isso mesmo: tenho a impressão de que jamais morrerei.
Sinto que meu corpo não foi feito para morrer. Mas se não tenho medo de morrer,
tenho outros medos. O maior deles é esse irremediável pavor do público. É
terrível o pavor que tenho dele, principalmente do público paulista. Agora sei:
não é o público brasileiro, nem o estrangeiro, que me mete medo – é o de São
Paulo. Porque? Não sei direito. Talvez porque foi lá que comecei minha carreira
artística, quando não tinha ainda qualquer experiência, apenas vontade de
cantar. Mas o fato é que ainda hoje um auditório paulista me gela a espinha.
Sinto-me, diante dele, como se estivesse a bordo de um avião. E eu tenho horror
de avião.
Esbelta, loura, reconciliada com a felicidade, ela diz que hoje só tem um pavor irremediável: "É o pavor do público. Principalmente o de São Paulo."
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