24 de setembro de 2010

Especial: "A Volta"


“Sinceramente, eu não gosto da palavra volta. Ela insinua que a gente partiu, e eu nunca parti.
Eu sou um pouco barco; barco de pesca que vai ali sem mesmo sair do horizonte nosso de cada dia.
Eu nunca parti. Eu fui ali e já vim.
Eu nunca parti. Eu só reparti.
Só não reparti partidas. E nem sempre quem reparte fica com a melhor parte.
Eu por exemplo fiquei com o pior. Fiquei com as saudades de vocês.
Agora, muito simplesmente, eu quero pedir a vocês que me ouçam...”

(Poema de Maysa publicado na contra-capa do LP Maysa de 1969)

21 de setembro de 2010

Coluna: Disco da semana


Ave Maria dos Retirantes


Gravadora: Copacabana
Ano: 1969
Faixas:
1-     Ave Maria dos Retirantes (Alcyvando Luz / Carlos Coqueijo)
2-    Canção de Chorar (Nonato Buzar / Chico Anysio)
3-    Catavento (Paulinho Tapajós / Arthur Veroccai)
4-    Atento, Alerta (Egberto Gismonti / Paulo Sérgio Valle)

Análise:
Ave Maria dos Retirantes é o sexto e último EP (compacto duplo) inédito de Maysa. Lançado em 1969 pela gravadora Copacabana, todas as canções do EP, exceto "Catavento", nunca haviam sido gravadas antes. "Ave Maria dos Retirantes" dos baianos Alcyvando Luz e Carlos Coqueijo, foi defendida por Maysa no IV Festival Internacional da Canção (FIC), no Maracanãzinho (Rio de Janeiro).

No lado A, o disco abria com a faixa-título do álbum – “Ave Maria dos Retirantes” – uma com temática forte – a evasão nordestina, a seca, a pobreza, e a miséria do povo da caatinga – porém, a música aborda tais conflitos com extrema singeleza e refinamento. Na apresentação do IV Festival Internacional da Canção (FIC), Maysa contou com o arranjo do maestro e compositor Rogério Duprat. Infelizmente, acabou não se classificando para as eliminatórios, algo que se tornou recorrente naquele IV FIC, sem brilho e grandes êxitos.

Ao lado de “Ave Maria dos Retirantes” havia a meiga “Canção de Chorar” de Nonato Buzar e Chico Anysio, uma música de letra simples, porém, repleta de ternura. No lado B do compacto duplo, havia “Catavento”, de Paulinho Tapajós e Arthur Veroccai, música que Maysa já havia gravado no LP Maysa do mesmo ano, lançado pela Copacabana anteriormente. 

Ao lado, havia a inédita e maravilhosa “Atento, Alerta” de Egberto Gismonti e Paulo Sérgio Valle, uma canção extraordinária sobre a omissão dos homens e a coragem dos idealistas. Nem sei quem sou nesta vida / pensei que fiz neste mundo? eu sou gente, um ser consciente ou sou andróide?”  “Atento, Alerta” parece refletir o estado de espírito da própria Maysa, sempre reflexiva sobre a omissão, a coragem e a dúvida. Ela não se entregaria ás convenções do mundo mesquinho, muito menos fugiria dos ideais e da própria personalidade.

Ave Maria dos Retirantes é um disco ímpar na carreira de Maysa. Um ótimo exemplar de uma das melhores fases de sua carreira, uma de suas fases de maior sucesso e experimentação. É também um exemplar ótimo do novo repertório e de um novo estilo musical da mesma Maysa de sempre. Arrojada, moderna e inovadora.


17 de setembro de 2010

O Álbum de Maysa: Amigos

Por: Vitor Dirami

O Álbum de Maysa

“Amigos”

Maysa e Paulo Moura nos Anos 70

Maysa e Tom Jobim nos Anos 50

Maysa e Roberto Côrte-Real nos Anos 50


Maysa e Ney Latorraca nos Anos 70


Maysa e Gal Costa no Fantástico da TV Globo, nos Anos 70

Maysa com Luiz Carlos Vinhas, Bebeto Castilho, Luiz Eça, Roberto Menescal e Hélcio Milito. No King’s Club de Buenos Aires em 1961

Maysa e Nelson Gonçalves nos Anos 50

14 de setembro de 2010

Coluna: Música da semana

Por Vitor Dirami

"Me Deixe Só"


Título: “Me Deixe Só”
Autores: Maysa e Roberto Menescal
LP: Ando Só Numa Multidão de Amores (1970)

Análise:
“Me deixe só, errada e complicada.”
Ela voltava, quem volta demora muito a voltar. Mas ela voltou. A Maysa compositora voltou – ainda mais bela, mais inspirada, mais lírica, mais apaixonante – e pedia para ficar só, com sua amiga solidão. A Maysa compositora voltou depois de longa ausência, se bem que ela jamais foi embora, Maysa imprimia sua letra em todas as músicas que cantava. Sejam elas de sua autoria ou não, ela se apropriava, roubava, tomava a música como sua. De que importa? Ela as cantava como se fossem suas, não é uma ilusão ou qualquer tipo de engano, é a mais pura sinceridade, a sinceridade da Maysa compositora.
“Me Deixe Só” era sua primeira composição inédita após quatro anos de jejum. Com letra de Maysa e melodia de Menescal. Era também sua única com composição com Roberto, não haveria outra, esse é um dos vários motivos que fazem desta, uma de suas mais especiais canções. A canção, já iniciava com um desabafo:
“Olha,
não vou querer mais
não vou poder mais
seu olhar na minha vida
essa tua calma companhia
me deixa só
errada, complicada
não quero essa tua paz
de nada me adianta tua voz
e me cansa teu eterno perdão
embora eu queira tanto o teu peito amigo
meu amigo.”
 Uma amizade tão sincera que resulta numa canção tão bela como “Me Deixe Só”, me calo e sento como espectador diante de tanto carinho e amor. Apenas rogo:
Maysa, não nos deixe só, venha conosco ficar
“E junto a mim venha ficar, e junto a mim venha ficar...”




10 de setembro de 2010

Especial: "Maysa: Estudos"


Maysa: Estudos


No dia 16 de novembro de 1975, um domingo – a TV Cultura exibiu um programa incomum, diferente, original. A convidada era Maysa – o nome – Maysa: Estudos. Dirigido pelo provocador Antônio Abujamra, que pouco antes comentara – “Hoje eu quero arrancar o coração e a alma desta mulher” – ao cenografista Heraldo de Oliveira. Maysa: Estudos, na verdade era para ter sido mais um episódio do prestigiado Ensaio, um dos programas musicais mais celebrados da televisão brasileira. A sugestão do episódio fora dada à Fernando Faro, o diretor da atração, pelo maestro Júlio Medaglia; no último momento, Faro que também era assessor da presidência da emissora, foi comunicado de que haveria uma reunião importante no mesmo horário de sua gravação com Maysa. Assim, não houve outro jeito se não chamar um substituto, e a escolha recaiu logo sobre Abujamra. E assim foi feito, as mesmas marcações, a mesma estrutura e o mesmo modelo, mas o resultado seria algo totalmente novo e ainda mais especial.

O Estudos pode ser definido como uma atração tão original e sincera, que chega a chocar o telespectador. Ninguém deve ter entendido por que Maysa foi entrevistada sentada no chão, com toda a fiação do estúdio exposta, junto de toda a carpintaria do cenário exibida na frente das câmeras. Houve até quem especulasse que a desconstrução do cenário, fora mais uma sacada inovadora da mente criativa de Antônio Abujamra. Na verdade, a sacada fora realmente genial, mais houve muitos motivos por trás daquela grande ideia. A verdade é que Maysa já chegou alterada ao estúdio, tropeçou em alguns equipamentos, foi ao chão e disse que dali não mais sairia. E foi aí que entrou a mente criativa de Abujamra – após a confusão da equipe técnica, ele concebeu a ideia salvadora: mandou os técnicos mudarem a luz de lugar, porque a gravação começaria ali mesmo. O resultado era arrojado e muito inovador, não era o tradicional Ensaio. Foi aí que nasceu Maysa: Estudos.

O programa era um turbilhão de emoções, um passeio lindo pelos maiores clássicos de sua carreira, alguns, com altas doses de dramaticidade – eram interpretações fulgurais, ensejando sentimentos de grande amor e sofrimento. Ela cantava seus grandes sucessos - “Demais”, “Meu Mundo Caiu", “Ouça”, “Chão de Estrelas”, “Se Todos Fossem Iguais a Você”, “Por Causa de Você”, “Dindi”, “Ne Me Quitte Pas”, “Resposta”, e o sucesso mais recente – aquela que era para ela sua melhor composição até ali – o “Tema de Simone”. Maysa se entregava de corpo e alma em interpretações sinceras e hiper emocionantes, seja com a agressividade passional para “Ne Me Quitte Pas”, ou na ainda mais tocante versão para “Ouça”. Acompanhada pelo grande e eterno músico Paulo Moura. Em um dos momentos mais belos do programa, Maysa liga o toca-fitas e mostra sua composição mais recente - a seresta "Nós", uma parceria com Júlio Medaglia. Em outra hora, põe à tocar no toca-fitas "Bravo Pour Le Clown" da diva francesa Edith Piaf. Nos dois momentos, demonstra uma felicidade sublime, abrindo um largo e lindo sorriso no rosto. Esta é a realização tão importante do Estudos, a entrega e sinceridade das interpretações de Maysa, de uma forma tão ardente e trágica. Dentre todos os programas de que se tem notícia de sua participação, o Estudos é sem sombra de dúvidas o que mais expõe a alma e a música de Maysa, de uma forma sensível e brilhante.

A gravação do programa consumiu um tempo maior que o normal. Nos takes que foram cortados, Maysa falava palavrões, bebia conhaque entre uma resposta e outra, falava frases desconexas (não temos acesso às imagens que ficaram de fora). A voz do entrevistador – o “Abu” – é praticamente inaudível, houve-se apenas as respostas dados por Maysa entre uma música e outra. O Estudos assusta pela forma como disseca Maysa – os closes diretos mostravam as cicatrizes que o tempo causara em sua face. Os dedos e os dentes manchados pela nicotina dos muitos cigarros, as unhas sujas pela falta de cuidado, os cabelos despenteados tinham uma aparência seca realçada pela ausência absoluta de cuidados. Os poros da face oleosa brilhavam sob a luz incandescente do estúdio, mais um zoom radical logo evidenciava a testa enrugada daquela mulher de apenas 39 anos. Maysa aparentava uma expressão triste, uma atmosfera carregada de sofrimento, porém, tudo acima contrastava com os olhos verdes vivos, e incrivelmente brilhantes, na face pontuada por alguns sorrisos iluminados, absolutamente belos.

No fim, filosofa: “Não há utopia mais na nossa época, nós somos ou não somos, Só falta...Não falta nada, só falta uma certeza.'' Seguido por um longo silêncio ao som do áudio de “Resposta”, abraça o sonoplasta Laerte Silva. Créditos, fim.



7 de setembro de 2010

Coluna: Disco da semana


Maysa é Maysa...É Maysa, é Maysa!


Gravadora: RGE – XRLP 5068
Ano: 1959
Faixas:
1- Só Deus (Jair Amorim / Evaldo Gouveia)
2- O Que é Que Falta? (Daisy Amaral)
3- A Felicidade (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
4- Hino Ao Amor (L’Hymne a L’Amour) (Edith Piaf / Marguerite Monnot / Vrs: Odair Marsano)
5- E Daí? (Miguel Gustavo)
6- Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá / Antônio Maria)
7- Viver em Paz (Dalton Vogeler)
8- Eu Sei Que Vou Te Amar (Tom Jobim Vinicius de Moraes)
9- A Noite de Nós Dois (Fernando César / Otelo Zuccolo)
10- Castigo (Dolores Duran)
11- Pela Rua (Ribamar / Dolores Duran)
12- Recado (Djalma Ferreira / Luiz Antônio)

Análise:
Maysa estava de férias na capital francesa, quando a RGE lançou no Brasil um de seus melhores discos: Maysa é Maysa...é Maysa, É Maysa!. O disco de título incomum e exagerado, era recheado de grandes e eternos sucessos como “Manhã de Carnaval”, clássico tema de Orfeu Negro, a produção franco-brasileira que naquele ano ganhara o Oscar de melhor filme estrangeiro e a Palma de Ouro no Festival de Cannes. No LP de capa sombria, pela primeira vez, não havia nenhuma composição de Maysa em disco, devido a viagem da cantora, o acabou não recebendo a divulgação necessária, apesar de ter arrancado elogios rasgados da crítica e ótimas posições nas paradas de sucesso.

Maysa é Maysa...É Maysa, é Maysa! É um disco maravilhoso pelo todo, carregado de grandes sucessos que nós reconhecemos como clássicos da MPB. O disco tinha uma atmosfera noturna e diferente dos trabalhos anteriores, carregado de sambas-canções passionais com tom dramático, como “O Que é Que Falta?” de Daisy Amaral, e “Só Deus” de Jair Amorim e Evaldo Gouveia, composição feita especialmente para Maysa. Há uma sussurrante Maysa nos versos de “Viver em Paz”: “Viver em paz e nunca mais no amor pensar / vou procurar na solidão tranquilizar meu coração”. A música feita em tom de desabafo era uma das mais bonitas do LP.

Outros pontos altos eram “A Felicidade”, um dos maiores clássicos da dupla Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que também integrava a trilha sonora de Orfeu Negro; da mesma dupla havia também um dos maiores clássicos da MPB: “Eu Sei Que Vou Te Amar”, a eterna canção que cristaliza o sofrimento do amor eterno, tem na voz de Maysa uma de suas melhores interpretações. Não há como não comentar sua versão para a imortal "L’Hymne à L’Amour" ("Hino ao Amor") da francesa Edith Piaf, que Maysa gravou em português numa versão de Odair Marsano, não menos emocionante.

A cantora também fez questão de incluir duas canções da amiga Dolores Duran no disco: “Castigo” e “Pela Rua”, a última era uma parceria de Dolores com o pianista Ribamar, de quem Maysa já havia gravado uma canção – “E a Chuva Parou”, no histórico Convite para ouvir Maysa Nº2, ela desafoga suas mágoas e tristezas nas duas fortes interpretações para as canções de Dolores. No álbum, Maysa incluiu também a irresistível “A Noite de Nós Dois” de Fernando César em parceria com Otelo Zuccolo. 

Porém, contrariando todos os grandes êxitos do álbum, uma de suas músicas mais executadas nas rádios foi o sambinha teleco-teco “Recado” de Djalma Ferreira e Luiz Antônio. O álbum Maysa é Maysa...É Maysa, é Maysa! fez longa carreira como seus LP’s antecessores, figurando logo na lista dos cinco discos mais vendidos logo após seu lançamento, segundo o jornal O Globo.

3 de setembro de 2010

Maysa em cena: Woyzeck (1971)

Por: Vitor Dirami

Maysa em cena: Woyzeck

Maysa interpretava a camponesa Maria no espetáculo de Georg Büchner.

Na noite do dia 8 de outubro de 1971, Maysa nascia para o mundo do teatro, por pouco tempo. Sua passagem não seria longa. Naquele espetáculo de nome Woyzeck, obra do alemão Georg Büchner datada da primeira metade do século XIX, Maysa interpretava uma das protagonistas – Maria – esposa do protagonista Franz Woyzeck – um infeliz soldado alemão, atormentado pela pobreza e pela loucura, vivido pelo ator Antônio Pedro.
A obra já era em si perturbadora, devido à morte do autor em 1837, com apenas 23 anos de idade, a obra permaneceu inacabada e após sua morte foram sendo enxertados novos fragmentos em versões mais atualizadas. Carregada de conotações sociais, com temas fortes e ao mesmo tempo tabus para a época como a marginalidade e o proletariado, Woyzeck mistura elementos inéditos e reflexivos que só viriam a aparecer na dramaturgia mundial, mais de um século depois, durante as vanguardas literárias do século XX. É necessário o mínimo de estômago e preparação psicológica para digerir uma obra tão atormentada, embrulhante e ao mesmo tempo assustadoramente atual.
Avessa a todo esse temor perante Woyzeck, era esta mesma complexidade que desafiava e seduzia Maysa. Ela chegou a ignorar o histórico fracassado da obra – mais de vinte anos antes, o diretor Ziembinski fizera a adaptação para o texto original, rebatizando a montagem de Lua de sangue. O resultado fora catastrófico: nove dias após a estréia o espetáculo foi tirado de cartaz, a platéia minguou e ficou às moscas, a peça havia sido considerada arrojada demais para a época. Maysa ignorou o fato e decidiu monta-lo custeando uma produção milionária do próprio bolso, ressuscitou a antiga produtora independente (Guelmay) e investiu todas suas reservas monetárias em Woyzeck. Até a armação dos cenários era feita em madeira de lei – importou equipamentos, encomendou figurinos, alugou o Teatro Casa Grande por quase seis meses, contratou vinte atores, músicos, um coro. Tudo com seu próprio dinheiro, Maysa parecia mais obstinada que nunca.
A produção era assinada por Miguel Azanza – o marido espanhol de Maysa, e a direção ficara a cargo de Marinilda Pedroso, mulher de Bráulio Pedroso, o autor de O Cafona. As músicas eram assinadas por Edu Lobo e Ruy Guerra, com regência de um maestro estreante: Guto Graça Melo. Os cenários e figurinos eram de autoria de Joel de Carvalho. Alguns outros nomes do elenco eram Antônio Pedro, Cláudio Mac Dowell e José de Freitas. Já prevendo mal-entendidos, Maysa advertiu os fãs de que aquele era um outro tipo de trabalho, bem diferente do que estava acostumada a fazer: “Meu público como cantora é aquele que bebe e curte uma fossa. Estou fugindo desse público, partindo para assumir uma coisa muito além de cantar. [...] Estou plenamente consciente desta expectativa. Sei que o teatro é muito sério. Não tenho o direito de fazer bobagem.” Em entrevista ao Caderno B do Jornal do Brasil ela afirmava que seu maior desafio era cantar dois em tons acima do normal – em mi.
Nas anotações de seu diário pouco antes da estréia, Maysa se revelava perdida em meio ao personagem: “Ontem passamos duas vezes a peça e, em ambas, especialmente da primeira vez, foi um caos. Todo mundo desligado, um lixo.” E se mostrava em dúvidas quanto à interpretação: “Amanhã, pretendo fazer um histórico sobre as situações e as emoções que devo buscar dentro de mim para faze-la mais dura, mais doce, mais autêntica. Maria ainda está meio perdido em mim.” A imprensa parecia igualmente perdida. Menos de uma semana antes da estréia ainda se noticiava que Maysa faria um novo show no Teatro Casa Grande. O título da peça foi grafado erroneamente com ao menos três variações: “Voivec”, “Voivez”, Zoizec”. Preocupada, a diretora Marinilda Pedroso convocou uma coletiva de imprensa e explicou de forma didática quem era Georg Büchner e qual o significado da peça Woyzeck. Sobre a atuação de Maysa, foi sincera: “Como atriz, Maysa tem que superar uma série de limitações. Sua atuação está sendo mais na raça do que na técnica. Em algumas cenas, ela precisa evoluir. Mas é uma mulher muito explosiva e se entrega muito. Além do mais, tem uma vivência que é fundamental para compor a personagem. Está crescendo a cada dia.”
Chamariz da montagem, no dia 8 de outubro, o Teatro Casa Grande recebeu um bom público para a estréia. Os aplausos porém, foram burocráticos. Talvez os fãs ainda esperassem um show musical, com números e quem sabe Maysa de pernas de fora (porque não?). Não foi o que encontraram (definitivamente). A cada nova apresentação a platéia evaporava, a crítica foi ácida e muito negativa – a imprensa julgou o Woyzeck de Maysa apenas pretensioso, a Tribuna da Imprensa o definia como “a delícia dos amadores”, a Revista Veja criticava a pretensão de Maysa em montar um espetáculo tão complexo como Woyzeck, e o reservava a profissionais.
 A verdade é que Woyzeck era um grande passo em falso, uma peça superestruturada e de veras grandiosa, mas que não aconteceu, não evoluiu. Era um trabalho de difícil aceitação popular, com um raio de público muito pequeno, reservada a intelectuais e estudiosos. Foi um fracasso vergonhoso – em algumas noites havia mais gente em cima do palco do que na platéia. Para não amargar um prejuízo e um vexame ainda maior, Maysa decidiu retirar o espetáculo de cartaz e até uma futura temporada prevista para São Paulo foi abortada. Maysa teve de arcar um imenso prejuízo, com imensuráveis dívidas – foi o maior fracasso de toda sua vida. Ela acabou gastando todas suas reservas em uma montagem que não deu qualquer retorno financeiro à altura. A obstinação desmedida, e a crença em seus sonhos fizeram com que ela agisse de maneira imprudente sem medir as consequências dos seus atos.
Maysa poderia ser muito sincera, verdadeira. Mas jamais permitiria que a sombra do fracasso marcasse sua carreira. Em uma entrevista concedida pouco tempo após o dissabor, ela admite:
“Tudo não passou de uma experiência ridícula. Eu, como empresário e atriz fui a grande culpada. A crítica até que poupou minha pessoa. Eu não merecia ser poupada. Sou virgem em teatro, não li nada, vi muito pouco, não por falta de interesse, mas por força das circunstâncias. E aí quis partir, direto, de O Cafona para um autor como Büchner. Não dava pé. Fui pretensiosa e me estrepei, perdi todo o dinheiro que tinha.” Mas não demorou muito, já no ano seguinte ela estaria fazendo troça do episódio: “Acho que as pessoas até imaginaram que era o show de um travesti: a Maysa Woyzeck.”

As fotos de Maysa em cena dão noção da dramaticidade de Woyzeck.









Consulta bibliográfica:
"Maysa" - José Roberto Santos Neves
"Maysa - Só numa multidão de amores" - Lira Neto