10 de setembro de 2010

Especial: "Maysa: Estudos"


Maysa: Estudos


No dia 16 de novembro de 1975, um domingo – a TV Cultura exibiu um programa incomum, diferente, original. A convidada era Maysa – o nome – Maysa: Estudos. Dirigido pelo provocador Antônio Abujamra, que pouco antes comentara – “Hoje eu quero arrancar o coração e a alma desta mulher” – ao cenografista Heraldo de Oliveira. Maysa: Estudos, na verdade era para ter sido mais um episódio do prestigiado Ensaio, um dos programas musicais mais celebrados da televisão brasileira. A sugestão do episódio fora dada à Fernando Faro, o diretor da atração, pelo maestro Júlio Medaglia; no último momento, Faro que também era assessor da presidência da emissora, foi comunicado de que haveria uma reunião importante no mesmo horário de sua gravação com Maysa. Assim, não houve outro jeito se não chamar um substituto, e a escolha recaiu logo sobre Abujamra. E assim foi feito, as mesmas marcações, a mesma estrutura e o mesmo modelo, mas o resultado seria algo totalmente novo e ainda mais especial.

O Estudos pode ser definido como uma atração tão original e sincera, que chega a chocar o telespectador. Ninguém deve ter entendido por que Maysa foi entrevistada sentada no chão, com toda a fiação do estúdio exposta, junto de toda a carpintaria do cenário exibida na frente das câmeras. Houve até quem especulasse que a desconstrução do cenário, fora mais uma sacada inovadora da mente criativa de Antônio Abujamra. Na verdade, a sacada fora realmente genial, mais houve muitos motivos por trás daquela grande ideia. A verdade é que Maysa já chegou alterada ao estúdio, tropeçou em alguns equipamentos, foi ao chão e disse que dali não mais sairia. E foi aí que entrou a mente criativa de Abujamra – após a confusão da equipe técnica, ele concebeu a ideia salvadora: mandou os técnicos mudarem a luz de lugar, porque a gravação começaria ali mesmo. O resultado era arrojado e muito inovador, não era o tradicional Ensaio. Foi aí que nasceu Maysa: Estudos.

O programa era um turbilhão de emoções, um passeio lindo pelos maiores clássicos de sua carreira, alguns, com altas doses de dramaticidade – eram interpretações fulgurais, ensejando sentimentos de grande amor e sofrimento. Ela cantava seus grandes sucessos - “Demais”, “Meu Mundo Caiu", “Ouça”, “Chão de Estrelas”, “Se Todos Fossem Iguais a Você”, “Por Causa de Você”, “Dindi”, “Ne Me Quitte Pas”, “Resposta”, e o sucesso mais recente – aquela que era para ela sua melhor composição até ali – o “Tema de Simone”. Maysa se entregava de corpo e alma em interpretações sinceras e hiper emocionantes, seja com a agressividade passional para “Ne Me Quitte Pas”, ou na ainda mais tocante versão para “Ouça”. Acompanhada pelo grande e eterno músico Paulo Moura. Em um dos momentos mais belos do programa, Maysa liga o toca-fitas e mostra sua composição mais recente - a seresta "Nós", uma parceria com Júlio Medaglia. Em outra hora, põe à tocar no toca-fitas "Bravo Pour Le Clown" da diva francesa Edith Piaf. Nos dois momentos, demonstra uma felicidade sublime, abrindo um largo e lindo sorriso no rosto. Esta é a realização tão importante do Estudos, a entrega e sinceridade das interpretações de Maysa, de uma forma tão ardente e trágica. Dentre todos os programas de que se tem notícia de sua participação, o Estudos é sem sombra de dúvidas o que mais expõe a alma e a música de Maysa, de uma forma sensível e brilhante.

A gravação do programa consumiu um tempo maior que o normal. Nos takes que foram cortados, Maysa falava palavrões, bebia conhaque entre uma resposta e outra, falava frases desconexas (não temos acesso às imagens que ficaram de fora). A voz do entrevistador – o “Abu” – é praticamente inaudível, houve-se apenas as respostas dados por Maysa entre uma música e outra. O Estudos assusta pela forma como disseca Maysa – os closes diretos mostravam as cicatrizes que o tempo causara em sua face. Os dedos e os dentes manchados pela nicotina dos muitos cigarros, as unhas sujas pela falta de cuidado, os cabelos despenteados tinham uma aparência seca realçada pela ausência absoluta de cuidados. Os poros da face oleosa brilhavam sob a luz incandescente do estúdio, mais um zoom radical logo evidenciava a testa enrugada daquela mulher de apenas 39 anos. Maysa aparentava uma expressão triste, uma atmosfera carregada de sofrimento, porém, tudo acima contrastava com os olhos verdes vivos, e incrivelmente brilhantes, na face pontuada por alguns sorrisos iluminados, absolutamente belos.

No fim, filosofa: “Não há utopia mais na nossa época, nós somos ou não somos, Só falta...Não falta nada, só falta uma certeza.'' Seguido por um longo silêncio ao som do áudio de “Resposta”, abraça o sonoplasta Laerte Silva. Créditos, fim.



5 comentários:

  1. Queria ter palavras para descrever o que sinto quando vejo estas imagens, mas não as sei...

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  2. Gente, arrasaram mais uma vez.... que bom terem postado "Maysa-Estudos" foi, com toda certeza, a participação mais marcante, chocante e emocionante que Maysa já fez.....
    Ficará guardada pra sempre em nossas memórias, cada focada da câmera em seus olhos felinos, em seu cigarro entre os dedos, entre seu olhar que fitava o infinito, para o nada,...
    Parabéns
    Rafa

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  3. Se poder reupar esse especial, ficarei muito grato, sempre quis esse show e nunca tive acesso.

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  4. Boa tarde Vitor! Estou muito feeli zpor ter encontrada esse blog, não sabia que tinha um blog especifico e original falando sobre nossa musa. Gostou muito de Maysa, adorei ver a Minisserie Maysa quando fala ao coração trnasmitido pela globo, efalando nisso o que vc achou da minisserie? Gostaria de saber se vc tem alguma reportagens e fotos do acidente dela? Tudo que procuro so aparece da minisserie, gostaria de ver a reportagem da época. Quando vc puder manda resposta para o meu e-mail: vivianevasconcelossvida@gmail.com obrigada!

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  5. aonde consigo esse documentário inteiro??alguém sabe?tem poucas partes no youtube,mas eu realmente queria ver todos os videos,pois o youtube bloqueou :(

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