Maysa (que não é mais Matarazzo) trocou André pelo samba
Um desquite que não abalou em nada o prestígio de uma das
melhores cantoras brasileiras – continua sendo “gente bem”, cantando bem e
frequentando a sociedade – só uma coisa não trocaria pela carreira: seu filho
Texto de JEANETTE ABIB
Desde menina Maysa preferia Noel Rosa a Chopin, a batida do
samba aos compassos do “ballet”. Uma vocação artística que não encontra
barreiras para se realizar
Os parentes conservadores de Maysa, começaram a se
escandalizar quando, com apenas 13 anos, ela trocava o “ballet” e a música
clássica pelos sambas de Noel Rosa e Ary Barroso. Revelando-se compositora de
música popular, compôs o primeiro samba-canção: “Adeus”, causando decepções
sempre que se recusava a assistir uma ópera para ficar ouvindo batucada na voz
de algum de seus sambistas prediletos. Sua leitura constante era a poesia e os
autores Manuel Bandeira e Vinicius de Morais.
Uma “cantora-bem” revelada entre “gente-bem”
Acompanhando-se ao violão, Maysa começou a cantar em festas
de sociedade, interpretando páginas da música popular brasileira, constituídas,
na maioria, de composições de sua autoria. Os mais severos repeliam-na,
aconselhando-a a se interessar pela música clássica – gênero adequado à sua
posição social. Mas a arte superava qualquer argumento – e já não lhe
importavam as aparências, os comentários – queria satisfazer o seu “eu” –
libertando-se das correntes que dominavam-lhe a vontade e os impulsos. Queria
ser cantora.
Como se apaixonou pelo filho do conde Matarazzo
Ainda menina, Maysa revelou sua primeira paixão por um amigo
da família – o filho do conde André Matarazzo. A inconveniência da pouca idade
de Maysa era ressaltada por sua mãe – d. Iná. O romance foi alimentado durante
três anos até que a jovem se transformou numa das mais bonitas moças da
sociedade paulistana, e culminou com um casamento pomposo. Após a viagem de lua
de mel nos Estados Unidos, o casal passou a circular com intensidade na vida
social de São Paulo e Maysa deixou-se contagiar pela vontade firme de ser
cantora profissional. Iniciou uma série de recitais com fins filantrópicos e
mostrou que podia ir além – muito além.
Surge a cantora-milionária
Uma noite de exibição na boate Cave – em benefício do
Hospital Central do Câncer foi o bastante para que o nome de Maysa Matarazzo
ocupasse páginas de revistas e jornais de São Paulo e desta capital – na mais
franca repercussão que abalou sobremaneira alguns membros das famílias
Monjardim e Matarazzo. As propostas iniciais para rádio e TV foram recusadas.
Havia a natural curiosidade do público em ver e ouvir a cantora-milionária de
voz rouca, cantando com um estilo todo seu. Ela apenas concordou em gravar suas
próprias músicas, doando os lucros a associações beneficentes. Grande sucesso
em seu primeiro disco, que lhe proporcionou o título de “a maior revelação
feminina de 1956”, na escolha anual dos cronistas de rádio de São Paulo – para
eleger as melhores do ano.
O interesse das emissoras de rádio e TV da paulicéia cresceu
– tendo sido, por várias vezes, anunciado seu ingresso no setor artístico.
Vinham os desmentidos: nada ficara positivado. Com o nascimento do primeiro
filho do casal – (Jaiminho) – Maysa abandonou temporariamente a ideia de se
dedicar à vida artística. Passados os primeiros meses da maternidade, voltou
com sua voz a contribuir para o brilhantismo das reuniões sociais. Aquilo,
porém, não era o suficiente. Ela queria cantar para milhares de pessoas e sentir
as emoções que o sucesso proporciona. Estava disposta a cumprir seu intento, e
rompendo a barreira da oposição, Maysa assinou o primeiro contrato para atuar
na rádio e televisão Record, doendo seus proventos a associações de caridade.
Andrézinho concordou, depois arrependeu-se
Um tanto inconformado, André Matarazzo consentiu que a
esposa atuasse algumas vezes na televisão. Pouco tempo durou o acordo. Surgiram
as incompatibilidades oriundas das atividades artísticas da “cantora-bem”. Seu
marido criou uma série de obstáculos ao prosseguimento de sua carreira de
cantora – já então em grande evidencia. A solução para o caso parecia
impossível para ambos, de vez que Maysa mantinha irredutível, seu firme
propósito de não abandonar o rádio e a televisão. A moça lançou mão do desquite
– que na primeira tentativa não chegou a ser homologado graças a intervenção
das famílias Matarazzo e Monjardim, fazendo-a retroceder no seu intento. Veio a
reconciliação e quando a serenidade parecia ter voltado à vida do casal, novas
rusgas deram margem a que a cantora apelasse pela segunda vez para o desquite,
fazendo constar no seu pedido de anulação de casamento: “incompatibilidade de
gênios”. Outra intervenção das duas famílias, e conselhos de d. Iná fizeram com
que Maysa e André chegassem novamente a reconciliação. De parte a parte, houve
promessas no sentido de reatarem o amor que parecia estar perdido para sempre,
sem que Maysa abrisse mão de sua carreira. Poucos dias depois, a situação se
agravou novamente. André não se conformava com o fato da esposa ter ampliado
suas atividades artísticas – vindo a fazer, também, televisão no Rio – e essas
viagens semanais, desgostaram-no. Decidiram reiniciar a ação de desquite – já
agora convencidos de que não existe uma fórmula conciliatória capaz de uni-los
noutra tentativa de felicidade.
Maysa fixa residência no Rio
Enquanto aguarda os termos finais do desquite, Maysa fixou
residência no Rio – Avenida Atlântica, trazendo Jaiminho – seu filho.
Maysa nega-se a fazer declarações à imprensa, seguindo,
talvez, determinações de seu advogado, pelo menos enquanto não estiver
concluída a ação de desquite. Mesmo assim, conseguimos obter algumas palavras
da cantora.
-
Arrependida, Maysa?
-
Por que? Fiz as pazes várias vezes e não deu certo. Eu preferia
não falar neste assunto...
-
É verdade que, depois que você entrou para o rádio e
televisão, já não se sente tão à vontade nas reuniões do “high society”?
-
Eu me sinto bem em qualquer meio e não tenho nenhuma restrição
a fazer. Pelo contrário...
-
Porque desistiu de atuar na TV Rio?
-
Eu não desisti. Apenas meu marido resolveu cancelar meu
contrato.
-
Sobre seu filho, André se opôs que ele ficasse em sua
companhia?
-
O que importa é que meu filhinho ficará comigo. Gostaria de
não abordar este assunto.
-
Na sua opinião, o casamento é um estorvo na vida de uma
cantora?
-
Não... absolutamente! Pode haver perfeitamente uma compreensão
entre marido e mulher – tudo dependendo de boa vontade. Em caso contrário,
quando os pontos de vista divergem, não há possibilidade de dar certo.
-
Você receia os comentários “gente-bem”, sobre os motivos que
determinaram seu desquite?
-
Nada tenho a recear.
-
Porque veio morar no Rio?
-
Acho o mar uma coisa impressionante, e só gosto das praias
cariocas – as mais belas do mundo. Adoro esta cidade onde nasci!
-
Como cantora, você encontrou afinal o grande ideal de sua
vida?
-
Sim. Gosto demais de cantar. Mas o meu grande ideal era ter o
garoto que tenho – que por sinal, está comigo e se divertindo a valer.
-
Como costuma compor suas músicas?
-
Na base da inspiração. Eu componho desde os 13 anos de idade.
A minha primeira música foi o samba-canção Adeus.
-
Depois do desquite continuará usando o mesmo nome artístico?
-
Usarei apenas Maysa.
-
E continuará doando seus proventos no rádio e na TV para
associações de caridade?
-
Não tudo, pelo menos uma parcela.
-
Você não trocaria nada pela sua carreira?
-
Isto depende muito do futuro...
-
Prefere o meio social ou artístico?
-
Prefiro o meio artístico.
-
Você acha o ambiente artístico de certa forma degenerado?
-
Não. Em todo ambiente há degeneração.
-
E a seu ver, uma mulher é capaz de se apaixonar mais de uma
vez?
-
Perfeitamente. Quantas vezes for possível acontecer.
-
Prefere a franqueza ou gosta de contornar os assuntos
acomodando-os da melhor maneira?
-
Franqueza, ao máximo!
Na boate Meia-Noite e uma viagem aos EUA
Desenvolvendo seu trabalho artístico, Maysa aderiu à vida
noturna e está cantando na boate Meia-Noite de Copacabana. Em seus planos para
o futuro entra uma viagem aos EUA, em janeiro próximo – onde fará curta
temporada. Assim, Maysa, “née” Monjardim – dona de bonita voz – figura de
destaque na sociedade bandeirante, trocou a tranquilidade de um lar fortalecido
pelos milhões, pela glória de ser artista.
(Reportagem publicada no nº 45 da REVISTA DA SEMANA, em 9 de novembro de 1957)
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