Encarte do álbum.
Notas do diretor – responsável
Aproveitamos a presença de Oscar Castro Neves por algumas
semanas no Rio. Juntamos Oscar e Maysa para preparar as “bases” do disco. As
“bases” consistem nas gravações do canto acompanhado somente por violão, piano,
baixo e bateria. As gravações foram feitas à noite pelo técnico Toninho. Depois
das “bases” prontas vem a vestimenta. Aí, entrou o Gaya com suas cordas,
metais, percussão, etc. o responsável técnico dessa fase foi o Nivaldo Duarte.
E aí estão 8 canais prontos para serem mixados, isto é, colocar tudo em seus
devidos lugares, no seu devido balanço. Isso também foi feito por Nivaldo com a
supervisão de Jorge Teixeira. Nesta altura Milton Miranda achou tudo uma joia.
TUDO POR CULPA DE UM SUJEITO
Da sua cobertura em Copacabana ela espia o mar, lá longe.
Aquele par de olhos de gata – gata arisca – levam suas vontades no lá longe do
infinito. Daquele mar, seus pensamentos antigos. Suas viagens pelo mundo, suas
cantigas espalhadas, seu nome escrito em idiomas diferentes, seu trilhar na
base do “Oropa, França e Bahia”. Quem mandou? Quis ser cigana, que seja, e
deixe de lado a coisa doméstica do dia a dia, da conta da luz, do gás, do
telefone, a luta de não ter soja hoje como banha Rosa amanhã. Sabe, isso sim, o
que é de sabor de estrela, de lua, de céu sem bruma e sabe mais nos versos que
canta sua imensa solidão. É ela só e seus olhos de gata, companheiros
constantes. Agora ela se encolhe, depois de debruça sobre o papel e faz um
verso ou se alonga no braço pelo pincel e traça na tela a face branca e triste
de um palhaço. Estranha mulher, essa Maysa, que tem um mundo de amor pra dar, e
se esconde numa incerteza que é medo puro. Seu disco?
“Em 57 gravei o meu primeiro. Ele se chamou ‘Convite para
ouvir Maysa’. E faturei com o mesmo título o Nº 2, Nº 3, Nº 4 e lá se foi a
numeração. Cantei meu primeiro disco em 1974. Aí passei a ser para mim mesma um
convite para ouvir-me. Tudo por culpa de um sujeito chamado Aloysio de Oliveira
que por saber o quer, faz a gente descobrir coisas dentro de nós.
Discordamos de muita coisa, como por exemplo, o tratamento
da música “Rasguei a Minha Fantasia”, mas ele é tão tinhoso que eu acabei
concordando e gostando de tudo. A alegria que existe em determinadas faixas
como “Agora é Cinza” não é bem como se sente pela primeira vez. É preciso ouvir
de novo e descobrir quanta sutileza ela contém. Nesse disco ficou revelado
publicamente o meu amor a Oscar Castro Neves. E quanto ao Gaya... Bem esse é um
monstro!”
MAYSA – UMA CAMINHADA SEGURA
O artista aquele, desses dias de hoje, enche a boca quando
diz que vai se apresentar no Olympia, de Paris. Isso, nessa hora de agora,
nesse vale tudo da vida – pisar naquele palco já não é mais uma grande jogada.
As portas do Olympia estão ultimamente muito francas, e seu dono, não está
fazendo muita questão de escolha e, tanto faz uma trupe de cachorros
amestrados, como um louco cantor de qualquer canto, que tenha cabelos verdes,
se pinte de forma andrógina, e faça faturamento na bilheteria e estamos
conversados em francês. Mas, no calendário de dez anos atrás a coisa era
diferente. Era precisa o aval de uma Piaf, a garantia de um Sacha Distel, um
oui de Jacques Brel, para que uma audiência experimental fosse conseguida.
Estamos em 1963 e Maysa está em Paris. Os jornais escrevem
seu nome certo, com “y” no meio, e os fotógrafos tem diante de seus olhos uma
moça de 26 anos, gorda de rosto, de corpo e de alegria. Na véspera da sua
estreia o “France Soir” escreve assim, no escuro: “elle ést trés brune, du genre ‘opulent’ e brésilienne. Dans son pays, on la considère comme l’une de plus grandes vedettes de
la chanson. Elle s’appelle Maysa, tout simplement; e la bossa nova – oui, vous
savez, cette samba, ‘nouvelle manière’ importé par Sacha Distel est son
royaume! Parmi les neuf chansons qu’elle va, pour ‘son publique parisien’
interpreter en français, en espagnol et en portugais. Maysa a inscrit deux de
ses compositions (brésiliennes): ‘Ou çá?’ déjà enregistrée par Jean Sablon, et
‘Souvenir’. Il y aura aussi ‘Je voudrais rencontrer un grand amour’ et ‘Ne me
quitte pas’, de son ami e idole Jacques Brel, qu’elle déjà allée entendre trois
soirs sucessifs depuis son arrivée.”
A partir do minuto 3:48 Aloysio de Oliveira e Maysa comentam sobre o disco. Especial da TVE gravado em Maricá, 1974.
Eu não gosto de vender minha arte – O Globo, 2/12/1974
Maysa não gosta que se fale em volta, pois para ela, não
houve partida. Parou porque queria descansar em sua casa na praia de Maricá,
longe da máquina, da pressa, que não lhe agrada. Para ter-se uma ideia de seu
atual ritmo de vida, basta lembrar o tempo de produção de seu novo disco: um
ano.
- Quando Aloysio de Oliveira – que é o produtor do LP –
sugeriu que fizéssemos um disco, aceitei de imediato, pois sabia que tudo seria
feito do meu jeito. Em dezembro do ano passado, começamos a trabalhar no disco,
com muita calma, pois não gosto da pressa que caracteriza as gravações, hoje. Todo
mundo só pensa em acabar logo e colocar o disco à venda. E eu não gosto de
vender minha arte.
Por isso, Maysa nunca pensou em crise na indústria
fonográfica e não está preocupada em saber se o seu disco vai vender ou não. Diz
que o importante é o disco mostrar o que vai dentro dela. No repertório, só
músicas antigas, que ela queria gravar a muito tempo: “Castigo”, “Fim de Caso”,
“Agora é Cinza”. De novidade, um tema da novela “Eu Compro essa Mulher”, com
letra da cantora, que gravou a música para “fazer um carinho” no ator Carlos
Alberto.
- O resto das músicas é de gente que estava comigo, quando
comecei. Há pedaços de Silvinha Teles, de Dolores, de Aloysio, de Marisa. Não se
trata de um saudosismo burro, de fossa, mas de um estado de espírito.
O lançamento
Para a cantora, esse disco é uma continuação do que gravou
em 1962, antes de deixar o Brasil, também com produção de Aloysio de Oliveira. O
Lp de 1970 – gravado durante seu show, no Canecão – não é de seu agrado, embora
não o renegue.
- Na verdade, não gostei de nada que fiz depois que voltei
ao Brasil. A exceção é o disco que vai ser lançado agora. Sei que alguns
críticos vão dizer que não acrescenta nada à minha carreira porque gravei
músicas antigas, sem a preocupação de agrada a ninguém. Mas o disco soma muita
coisa para mim.
O lançamento do Lp de Maysa vai ser no seu apartamento, na
próxima semana. A festa reunirá amigos e uns poucos jornalistas, porque o que a
cantora quer, agora, é muita paz. Não há shows nem apresentações em rádio ou
televisão programados.
- Meu único programa, atualmente, é passar o maior tempo
possível na minha casa em Maricá. Só voltarei a ter uma vida artística mais
ativa se puder fazer tudo com muita calma. Senão, fico apenas no disco, que está
aí para quem quiser ouvir. É o que tenho para dar.
Revista Veja, 1974.
"Maysa vai cantar as músicas de seu próximo disco" - Diário de Notícias, 6/10/1974.
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