3 de junho de 2024

Maysa entrevistada por Djenane Machado, 1971


Por vezes não contamos com todas as informações sobre uma reportagem como é o caso desta entrevista de Maysa por Djenane Machado. Não sei em qual revista ela foi publicada, mas certamente foi no ano de 1971. Quando Djenane e Maysa estavam no elenco da novela O Cafona da TV Globo. 


As Reportagens de Djenane 

Maysa: - Eu me matava por desamor


Quando eu estava no primário, tinha uma mania: desenhar olhos de pessoas famosas nos meus cadernos. Tinha verdadeira obsessão por olhos bonitos. Fazia-os com um esforço desgraçado porque sempre fui uma negação em desenho. Eu desenhava os olhos em cima e o nome da pessoa embaixo. Era gozadíssimo... Tinha uns preferidos, verdes, imensos, e o nome vinha embaixo: Maysa...

Eu cresci, Maysa viajou; estudei teatro; ela fazia um tratamento numa clínica na Espanha. Eu me tornei atriz. Eu me tornei atriz e entrei para a tevê; ela volta para o Brasil. Linda, magra, cantando como nunca. Foi aquele espanto, aquela alegria. Todos queriam saber se ela tinha mudado, como tinha emagrecido, que diabo tinha acontecido depois daquele tempão todo. Choveram entrevistas. E foi por causa destas entrevistas que embatuquei e cismei com ela de vez.

Maysa era um pouco eu. Seu modo de pensar, seus problemas, angústias tinham muito a ver comigo. Poxa, pensei comigo mesma, achei uma pessoa que não vai se assustar com meus problemas porque seus grilos são parecidos com os meus. Fui ver o seu show no Canecão e jurei que ia ser amiga dela. Não deu outra coisa, claro...

Houve de cara uma comunicação muito forte, imensa e acho eterna. Quando acontece um troço bacana ou então ela está na fossa, liga pra mim e eu corro para a casa dela pra gente curtir juntas. Enfim, a gente se dá muito bem, a gente briga muito, mas nada diminui o carinho. Hoje, pra mim, ela não se chama Maysa. Chama-se Ma. E eu passei a ser DG.



EU – Ma, me conta da tua infância, da tua babá, da tua mãe, do teu pai, das coisas que te marcaram. Da tua casa.

ELA – A minha infância foi uma árvore, um mar que servia de quintal de minha casa, foi um amor muito grande e de muita certeza, coragem. Foi boa demais para o que estava por vir. E veio, e como... minha babá, que continua comigo até hoje, continua com aquele cheirinho de alfazema no cangote onde muitas vezes eu me agarrava de medo da noite e do escuro. Mamãe, aquela mulher intocável, linda. A minha deusa. Papi, aquele ser quase proibido, sempre longe por causa do seu trabalho, forte como uma árvore, doce como um beijo que me dava no travesseiro quando estava no colégio interno, vivendo a imagem dele e de mamãe, naquela carícia medrosa e sozinha. Tudo me marcou na minha infância, porque eu sabia que ela ia terminar rápido.

- Ma, me conta do teu colégio (se você era boa aluna ou se tinha boas amigas).

- Meu colégio não era ruim. Eu é que era ruim no colégio, não por falta de disciplina, mas por saber que estando interna eu estava perdendo a juventude de meus pais.

 - Esse problema do seu pai e da sua mãe te marcou muito. Você é triste por causa disso?

- Triste, eu acho; mais que triste, só.

- Você tinha muitas amigas?

- Nunca pude ter amigas. Nunca me entendi muito com mulheres.

- Por que você diz sempre que sua mãe era uma deusa para você. Por que sempre era, no passado?

- Ela ainda é. Só que agora ela é minha também. Antes era só do papai.

- E André, teu primeiro marido, ele era super-mais-velho que você. E você uma garotinha. Você achava isso legal?

- No princípio, André era a figura do pai. Depois, mudou e eu passei a ser a mãe dele. Então, eu cansei. E descansei...

- Me conta um troço, Ma. Sempre achei o suicídio um ato de extrema coragem. Quando você tentava se suicidar, você realmente queria acabar com tudo ou o que você queria, no fundo, era começar outra coisa diferente?

- Os meus suicídios sempre foram pra valer. Geralmente, eu só faço as coisas pra valer. Depois, foi que eu descobri que aquilo era uma enorme procura de amor, de chamar atenção sobre mim. É, é um ato de coragem. Mas é a coragem mais inútil que eu já vi.

- Sabia que você ia dizer isso. Você já tentou a análise?

- Eu já me meti em análise, sim.

- Você teve coragem mesmo de se conhecer?

- Eu acho que sim, que teria coragem de me conhecer, não sei por quê, não? Mas prefiro conhecer os outros, gastar meu tempo conhecendo os outros. É mais importante para mim, é claro.

- Falou e disse...

- Ma, por que você bebe? Se eu sei que você tem horror ao gosto da bebida?

- Por que é que eu bebo, DG? Pela mesma razão que você. Realmente, eu não gosto do gosto da bebida. Mas tem o efeito depois. Às vezes, é bom. Às vezes, não, como você sabe tão bem.

- Mas eu gosto do gosto. Me responde agora. Eu sei que você adora a Elis Regina. E sofre à beça essa distância. Por que você não tenta se aproximar dela?

- Djenane, você às vezes julga os outros por si mesma. Nós temos, eu e você, alguma coisa em comum, mas nesse ponto não. Quem adora a moça é você. Eu, não. Quanto a sofrer a distância, como é que a gente sofre a distância se nunca houve presença? Você é que está sofrendo, porque ruiu a historiazinha que você fabricou, querida.

- Você muda muito de opinião, Dona Maysa. E que historiazinha é essa? Como eu gosto muito de você e gosto também dela, queria que vocês fossem amigas, só isso. Vamos mudar de assunto. Quais são as coisas que mais te emocionam num ser humano?

- As coisas que mais me emocionam num ser humano, é? A capacidade de amor, de humanidade que possa caber dentro de uma pessoa. Mesmo que sejam pequeninas. De tamanho, estou dizendo?

- Eu não sei se a senhora está me espinafrando ou se está me elogiando. Como eu sou uma moça muito educada, pelo sim pelo não, obrigada pela parte que me toca. O que é que você primeiro olha numa pessoa?

- Nos olhos. Pra mim, as pessoas estão dentro dos seus olhos.

- O que é que você não gosta numa pessoa? Aquilo que você não admite?

- Apunhada pelas costas, a mentira gratuita, as pessoas falsas, mesquinhas. São odiosas.

- Você acredita nas pessoas? Porque a impressão que você me dá é de que você só acredita em você mesma. Ponto final.

- Você vê. Se eu não tivesse acreditado em você, eu poderia ter ido dormir sem essa afirmação idiota sua. Se eu só acreditasse em mim, DG, eu já estaria morta, morta mesmo.

- Calma. Era só uma impressão minha, poxa. Guarda a faca afiada e o revólver e vamos mudar o assunto de novo.

- O que é que você queria, agora?

- No presente momento, gostaria de já ter estreado no teatro. Amanhã ou mesmo daqui a pouco, eu não sei...

- Do que é que você gosta?

- De tanta coisa. De Leila, por exemplo (Leila é uma criatura divina que a gente conhece. Uma pessoa tão boa, tão desarmada, dessas que não existem mais).

- Do que é que você tem medo?

- Eu não tenho medo de nada. Só de gente burra.

- Você não tem medo da solidão?

- Eu odeio a solidão quando não posso estar só. Eu amo a solidão quando preciso dela.

- Eu sei que você tem sempre uma musiquinha que você curte à beça. Foi o Midnight Cowboy, depois outras, e agora, qual é?

- Agora é o Tema de Simone. Modesto, né?

- Ultimamente, você já esteve tão feliz a ponto de querer que o tempo parasse?

- Faz tempo que não. E não sei até onde o tempo devesse parar. As coisas se tornariam muito iguais, portanto muito chatas.

- Qual é a hora do dia mais chata para você?

- A hora em que vejo um cachorrinho ou um animalzinho qualquer com fossa, só, sem possibilidades de poder falar. Nada há mais triste, seja a hora em que for!

- Que lindo e que triste, poxa. Vamos brincar um pouco agora, Ma. Eu digo uma palavra e você associa a outra. Tem que ser a primeira que vier à cabeça, senão não vale. Quero ver como anda a sua cuquinha (não perco essa mania de psicóloga).

Djenane – Saudade.

Maysa – Filme.

D – Felicidade.

M – Mar.

D – Amizade.

M – DG.

D – Homem.

M – Pai.

D – Mulher.

M – Eu.

D – Avião.

M – Desejo.

D – Miguel.

M – Paz.

D – Violência.

M – Amor.

D – Telefone.

M – Chato.

D – Eu.

M – Eu.

D – Árvore.

M – Teatro.

D – Sexo.

M – Paz.

D – Fim.

M – Começo.




Ary Fontoura, Maysa, Tônia Carrero, Marília Pêra e Djenane Machado em festa oferecida ao elenco da novela O Cafona na casa do produtor Carlos Machado, 29/04/1971. Foto: Ronald Fonseca. O Globo.