Maysa volta à vida com poesia
Reportagem
de TABAJARA TAJES · ANTÔNIO RONEK
Ainda há pouco circulou o boato: a cantora Maysa Matarazzo
perdeu a voz. Em São Paulo, seu pai, o Sr. Alcebíades Monjardim, desmentiu a
notícia afirmando que sua filha canta melhor do que nunca e que logo estará no
Brasil. A verdade é que Maysa passou realmente algum tempo sem cantar,
internada em uma clínica de Buenos Aires, onde convalesceu escrevendo poemas em
espanhol.
***
Que construye p’arriba
Matando al que está abajo
Y las manos, blancas, negras,
Que fueron hechas de abajo
¿Por qué construyen p’arriba?
¡Qué suelo cobarde es éste
Que recibe en sus entrañas,
De manos ya no humanas
Un pedazo de sí
mismo!
***
No puedo, tras las
rejas.
Las de oro las
tiré,
Las de hierro, las
rompí.
Esas, ahora, no
las veo
¿Qué hacer con
rejas como estas?
No oyen mis
gritos.
Quedé dormida y
creyeron
O pensaron: se
murió.
No puedo quitarme
las rejas
Que no puedo
tocar.
Si yo por lo menos
tuviera
Coraje para matar,
Estas rejas
malditas
Que se me
adelantaron.
***
Es una tarde tan
calma,
Tan calma, que
puede ser monótona.
El pez ya no busca
el anzuelo
Pasa de largo ante
la línea.
Y la tarde sigue
Hasta el pájaro se
olvidó de cantar,
Y el hombre de
encender las luces
Que traen la
oscuridad
Se perdió del
reloj.
Parece que el
tiempo, cansado,
Se ha quedado
triste, monótono,
Y que se olvidaron
de mí...
Não foi só a noite,
Foi mais silêncio.
Tua ausência me buscou;
Não veio lágrima,
O dia já vinha
E só tua ausência
Foi que ficou.
Ficou sozinha
Com meu eu antigo,
E se entenderam,
Se completaram.
Então a lágrima
Caiu baixinho
No que restava
Do teu carinho.
***
Já nem brilha mais a lua.
O pedaço de nós dois
Se apagou
E eu ainda fiquei.
Mas fiquei tão acanhada...
Amanhã não serei sol
Inda mais pensar em lua.
Se pelo menos eu tivesse
A coragem de ser tua...
***
Com um esparadrapo marcando em seu
pulso a cicatriz de seu último gesto de incompatibilidade com a vida, a cantora
Maysa Matarazzo, “née” Maysa Monjardim, deverá chegar por estes dias ao Brasil,
após algumas semanas de internação na Clínica Bethlem, da rua Coronel Diaz,
2.892, em Buenos Aires. Submetida a um regime de bife magro com salada sem
azeite, bebendo apenas água mineral sem gás e dormindo cedo (sem pílulas),
Maysa voltará também com a silhueta adelgaçada, pois, com menos 15 quilos, o
que perdeu em peso ganhou em graça.
Maysa começou a escrever seus
poemas em espanhol enquanto se recuperava, aproveitando as folhas brancas de
uma agenda. Em um deles, seu subconsciente se revela de maneira impressionante:
“No oyen mis gritos./Quedé dormida y creyeron/O pensaron: se murió”. No Brasil,
pensaram que ela tinha perdido a voz, quando ela apenas tinha perdido o contato
com as raízes da vida. a perda de sentido da vida que a levou a escrever em
outro poema: “Parece el tiempo, cansado,/Se ha quedado triste, monótono,/Y que
se olvidaron de mi...”
A cantora Maysa Matarazzo não
titula poemas. Escreve simplesmente o que lhe vem a cabeça, ao sabor da inspiração.
Segundo seus pais, tão logo conclua a gravação de alguns discos em Buenos
Aires, voltará ao Brasil – onde lhe negam o título de melhor entre as melhores.
Assim recuperada para a vida pelo caminho da poesia, a cantora fará suas
mudanças para iniciar uma nova etapa de sua carreira, cantando para os
norte-americanos e para os europeus, em uma excursão em que reverá com a alma
sua voz dolorida, os segredos de uma alma que vive em conflito com o mundo.
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