Texto de Fernando Lobo
A vida é um quarto escuro mesmo e Maysa é uma criança ainda.
As águas do tempo passam, mas ela será sempre criança, pois sendo só e sendo o
bem das horas, minutos e segundos, não ganhará jamais o ritmo de ser só, de
ficar só. Então se sabendo grande, esconde o medo empurrando a coragem do
álcool, a presença do amor que não é amor, mas é presença, é segurança, é fala,
é voz; não é amor, mas é alguém ao seu lado.
Que procura essa estranha mulher? Que quer ela? Para onde
quer ir e onde está?
O silêncio de resposta é grande. Ontem ela ria, porque em
volta havia um bando de meninos da “bossa nova” que cantaram sambas, que
imploraram gravações para seus sambas “geniais”. Depois o bando voou, ao
encontro das bem-amadas. Maysa ficou só, com acordes de colcheias e semitons
nos seus ouvidos. O bando não a levou. Cumpriu missão de colocar música e
depois se foi. A estrela ficou só, com seu Deus e sua estrela.
Agora ela diz que há um verdadeiro amor em sua vida e que
ficou lá na Espanha. Não! Não é este ainda. O seu homem está num continente que
pode ser a um mundo de milhas de distância ou a um palmo da sua mão. Ele não
veste a farda nova dos novos de agora, nem tem nas mãos a arma moderna de um
violão em dissonância. Deve ser homem, alegre, musical, bom, mas de passadas
firmes, olhar firme e amor seguro por você. Mãos longas que segurarão suas mãos
de menina. Passos firmes a mostrar como se caminha na estrada longa você que
engatinha ainda. Ele será o homem procurado e que não está dentro da cortina de
fumaça da noite, nem debruçado no balcão meloso do bar, muito menos com o rosto
maquilado a pedido da noite. Será um homem de sol, de dentro para fora, homem
dos peixes, amigo do mar, cheirando a sargaço, a seiva, a vida e transbordando
amor para quem está oca, assim como você. E ele será inteiro seu. Então você
saberá do sol, junto ao sol, provando e bebendo sol, que é o que falta às suas
entranhas como remédio único para afastar o medo e a coragem de só não ter medo
se afogando em lua...
Que estranha mulher é esta, que procura no vazio um alento,
que encontra o alento procurado e o atira para o ar em troca de lágrimas e
sofrimentos? Que estranha mulher é esta, que não se escondeu nos quatro cantos
de um lugar comum, para que pudesse ter nos lábios sempre pragas. Que estranha
mulher é esta, que tem em sua volta o ouro da fama, do metal, da glória, do
êxito, ao ritmo das palmas e das flores? Estranha mulher, Maysa estranha que,
quer um mundo maior que seu mundo, um Deus maior que seu Deus, uma estrela mais
clara que a mais clara estrela que é sua. Ela vê as horas, escuta as águas do
tempo correndo, correndo, seguindo sem passar e teme que seus cabelos sigam com
elas e voltem brancos de neve. Maysa medrosa, Maysa covarde, Maysa fingindo
ganância, com a soberba enfiada no peito como um punhal a não deixar que saia
dos seus lábios a confissão mais certa, aquela que começa dizendo “eu quero
mamãe, eu tenho medo...”
(Matéria publicada originalmente no jornal carioca Diário de Notícias em 1963)
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