26 de março de 2019

O último amor de Maysa - Radiolândia, 12/1961



     Cantar descalça ante as câmeras da tevê, sentada contra o encosto da cadeira, o microfone em uma das mãos e o cachorrinho americano na outra – e cantar bem como sempre – convenhamos que isso não é para qualquer um. Mas o é para Maysa, que nesse estilo surpreendeu ao público da TV Record, em São Paulo, na atual temporada de audições exclusivas às 20 horas de segunda-feira. Uma bossa novíssima, como se vê.
     Igualmente, iniciar temporada com os programas coproduzidos por seu amor de então, Ronaldo Bôscoli, que também funcionava como empresário da estrela, e com acompanhamento a cargo de um conjunto exclusivo, o do pianista Roberto Menescal, que viajava do Rio especialmente para tal fim, concordemos que à primeira vista era novidade. Mas não o era em verdade... Pois se tratava de Maysa.
     E o quadro de surpresas se completa após saber-se que poucas semanas após Maysa rompeu com o noivo empresário, desistiu do anunciado casamento em Paris em março do próximo ano, dispensou o pianista e tornou a calçar os sapatos para defrontar o público. Conforme se verifica, o destino continua a sacar na caixinha de surpresas portada a tiracolo por Maysa.
Mas esses incidentes, como no passado, passam sem deixar marca visível na fisionomia, no temperamento e na própria carreira de Maysa. Ela mesma confessa à reportagem:
- Nada de extraordinário entre mim e o Ronaldo. Amamo-nos alguns meses, que não repudio em minhas recordações sentimentais, mas – como dizem atualmente os cronistas políticos – um dia o amor esvaziou-se de conteúdo, daí a separação consequente. Coisas normais à vida de quem vive intensamente e com sentido aos minutos desperdiçados. Sem mágoa a separação, creia. Quanto a cantar descalça, começou durante minha última temporada em Buenos Aires. Cantando numa boate, sentia certa noite os pés em fogo, afetando-me naturalmente os nervos. A certa altura não aguentei mais: perdi o acanhamento e tirei os sapatos. Que alívio para a matéria e o espírito! Pois a turma presente gostou, no dia seguinte os cronistas me designavam como “a princesa descalça” e vi-me impelida, também por gosto, a exibir-me desse jeito. Não se tratava, porém, de um estilo que eu forçava por impor. Apenas com os pés descalços me sentia muito mais à vontade – só isso. Nos meus últimos programas na Record, entretanto, tornei a calçar-me devido a inúmeros pedidos para que eu voltasse a apresentar, ao invés de apenas músicas da bossa nova, como vinha fazenda, também as minhas criações do início da carreira. E como respeito o público, embora pareça o contrário, não vacilei em atender a essas solicitações, naturalmente sem os pés descalços  para não descolorir o ambiente com relação às minhas primeiras músicas. No entanto o “barquinho” da minha vida navega conforme eu quero: a velas soltas.
     E o que Maysa não comenta, talvez por considerar desnecessário, é que, não obstante as tropelias impostas pela vida artística e a circunstância de sua pessoa constituir sempre uma notícia em potencial – com espaço permanente aberto nas colunas da imprensa – é que não lhe faltam contratos em parte alguma, no Brasil ou no exterior, em rádio, televisão, boate e shows avulsos. Por exemplo: o atual patrocinador de sua temporada no Canal 7, em São Paulo (Cestas de Natal Amaral), não apenas não levanta objeções às “esquisitices” da artista frente às câmeras, como pretende mesmo ampliar a promoção publicitária deste ano mediante a apresentação de Maysa – ao vivo e em vídeo tape – em diversas outras capitais do país. Se isso não representa prestígio, apesar de todas as outras “ondas” em contrário, difícil dizer o que o seja.
Por isso, pode-se dizer sem receio de erro que, não obstante as “surpresas” que com frequência oferece ao público – ou talvez por isso mesmo – Maysa continua Maysa...



(Matéria publicada originalmente na revista Radiolândia em dezembro de 1961.)


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