26 de julho de 2019

A última turnê: Maysa na boate Igrejinha





Continuam juntos

     Gosto não se discute. Graças à regra, numerosos artistas se apresentam aos diversos públicos que existem. Cada um dá o que tem, sabe ou pode. Cada espectador acolhe quem lhe faz bem. Maysa é uma cantora do amor. Como todos os homens e mulheres amam, em pensamentos, palavras ou atos, a plateia potencial de Maysa seria a humanidade. Contudo, faltam-lhe características de, digamos vedete internacional, tipo Liza Minnelli. Esta domina todos os agudos. Já Maysa é uma cantora de pé de ouvido, de quatro paredes, a voz rouca avessa a estridências. O amor inclui o êxtase e a dor. Maysa prefere cantar a dor. E sabe. Como demonstra no show que apresenta na madrugada de São Paulo, na boate Igrejinha.
A marca – Ela entra em cena com toda a altivez. Vestida de negro, longos e fartos cabelos loiros. E dois olhos azuis. “Dois oceanos não pacíficos”, no dizer do poeta Manuel Bandeira. A cerca-la, três ótimos músicos: o pianista Gogô, o contrabaixista Renato e o baterista Beto. A ordem do diretor Roberto Freire a todos eles: fiquem à vontade. Excelente direção.
Esta liberdade permite a Maysa cantar a solidão, a saudade, o porre, a despedida e a loucura. E ela o faz com indesmentível conhecimento de causa. De cada uma das situações. Nota-se em seu rosto a marca dessas experiências. As insônias, as esperas, os excessos, as ressacas – está tudo lá. Inteira, a mulher de 39 anos e a mãe de Jaime, de 19. Poucas pessoas sabem exibir sua maturidade com beleza. Maysa é uma delas.
     No repertório, versos de bons poetas da fossa, Antônio Maria e Dolores Duran, Orestes Barbosa e Jacques Brel, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Maysa canta emendando as canções, uma a uma. Às vezes se interrompe, comenta uma coisa qualquer – depende do dia que ela teve ou então de como a noite caiu.
     Mais, portanto, que um show imutável, de roteiro rígido, este parece, com justeza, flexível, mutante, imprevisível. A sensibilidade da cantora é sabidamente irrefreável. Manifesta-se docemente ou com agressividade. Frente a frente com o público de cada noite, Maysa é quem decide.
     O recital inclui composições dela própria como “Tema de Simone” e a recém-concluída “Nós”, letra dela e música do maestro Júlio Medaglia. Compor, no caso de Maysa, era mesmo inevitável. Nos últimos anos, sua versatilidade a empurrou para o teatro e para a televisão. Queria ser atriz. No palco, trabalhou em “Woyzeck”, peça de Georg Büchner. Na TV, num papel muito parecido com ela mesma, foi a Simone de “O Cafona”. Em ambas as tentativas não se deu tão bem assim. Adiou ou desistiu do sonho, não importa. A cantora permanece. Maysa e o amor continuam juntos. Já basta.

Por José Márcio Penido

Revista Veja – 26 de novembro de 1975



"[...] A casa é pequena, não mais que uma centena de lugares, embora nos fins de semana seja possível contar 130 cabeças, cada uma obrigada a uma consumação mínima de 200 cruzeiros. 'A Igrejinha nunca foi um lugar barato' concorda Luís Carlos. 'Mas veja as atrações desta noite de janeiro: Maysa, Maria Creuza e Tia Amélia. Quem oferece tanto?' Três estilos, três gerações da música brasileira, a consumir 10,000 cruzeiros diários de cachê. 'E pagos adiantadamente, antes de elas entrarem em cena', jura o lado árabe de Suad. Para 1976 também não faltam planos. Ultimam-se os preparativos de 'Júlio Medaglia: Concertos', um show com a participação do maestro, de Maysa e oito músicos de orquestra. 'Aí é que entra a piração', diz Suad. 'Vamos provar que boate também é cultura: Maysa cantando Villa-Lobos, como pretendemos, o que é? Tudo com muito humor, é lógico, para que ninguém se levante e vá embora. Vai ser uma coisa bastante divertida.'"

Veja - 28 de janeiro de 1976



Com Júlio Medaglia. 

Com Filomena Matarazzo Suplicy e Milton Franco.



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