Tempo di Samba
Em 1967, o canal de televisão Programma Nazionale; (hoje
chamado RAI 1); convidou Maysa para participar de um especial da emissora sobre
música brasileira. Produzido por Giorgio Calabrese, com roteiro de Armando
Nobili, direção de Vito Molinari, e orquestra regida pelo maestro Gigi
Chicherello, o programa Tempo di Samba – apresentado pela belíssima Raffaella
Carrà – foi responsável por realizar um encontro inusitado entre três
intérpretes distintos da música brasileira, – Maysa, Astrud Gilberto e Roberto
Carlos. Mas, o encontro, tão imprevisível assim, teria sido obra da própria
Maysa – já que ela era a atração principal do programa, e seria responsável por
convidar Astrud Gilberto e Roberto Carlos.
O programa iniciou logo com Maysa cantando “Tristeza”, samba
do carnaval de 1966, de Haroldo Lobo e Niltinho – gravado por ela no ano
anterior, no LP Maysa. Antes disso, Raffaella Carrà faz uma introdução à música
brasileira, e o dito ‘samba’, do título do programa. Além de elogiar o italiano
falado por Maysa, ela observou que aquele especial não era dedicado apenas à
música brasileira, mas também era em homenagem à própria Maysa.
A seguir, Astrud Gilberto – apresentada como ‘uma das
maiores expoentes da Bossa Nova’, cantou “Samba de Verão”; de autoria dos
irmãos Valle, com letra em italiano. Em seguida, Roberto Carlos era definido
como o maior expoente da ‘geração beat’ brasileira, leia-se – a Jovem Guarda, e
cantou “Namoradinha de um Amigo Meu”. Dando prosseguimento, Astrud interpretou a marcha-rancho “Tristeza”, do casal Luis Bonfá e Maria Helena Toledo. Em um certo momento do programa, a
italiana Raffaella Carrà, bastante desajeitada, chegou até a arriscar alguns
passos de samba – sendo observada por Maysa; que literalmente, parecia rir por
dentro.
É necessário lembrar
que Roberto Carlos viria a ser bastante conhecido na Itália naquele ano, por
ganhar o Festival de San Remo com a música “Canzone Per Ti”, de Sérgio Endrigo.
O Rei também cantou um de seus maiores sucessos – “Só Vou Gostar de Quem Gosta
de Mim”, em versão italiana, chamada “Io Sono Un Artista”. O mesmo fez Maysa,
que cantou o “Samba em Prelúdio” de Baden Powell e Vinicius de Moraes com letra
em italiano. Vale ressaltar que Maysa jamais registrou “Samba em Prelúdio” em
disco. Ela também cantou – em playback – a canção “Dirgli Solo No”, registrada
naquele mesmo de ano de 1967, como parte da trilha sonora do filme A Qualquer
Preço (Ad Ogni Costo, 1967), como ela mesma fez questão de explicar aos
telespectadores.
Na última parte do programa, todos os quatro se juntaram –
cantando em pot-pourri – acompanhados pela orquestra do maestro Gigi
Chicherello. Nessa seqüência, Maysa cantou trechos de “Na Baixa do Sapateiro”;
de Ary Barroso, “O Barquinho”, e “Meditação”. Estas duas últimas, músicas que
ela já havia gravado em discos no Brasil. Já Astrud Gilberto, cantou “Samba de
Uma Nota Só” e “Garota de Ipanema”. E Roberto Carlos tratou de cantar uma
versão inusitada – em ritmo de Bossa Nova – do seu sucesso, “Quero Que Vá Tudo
Pro Inferno”, e a marchinha “Brigitte Bardot”. Até Raffaella Carrà, que só se
lançaria como cantora dali á três anos, interpretou duas músicas em
italiano. Ao final, todos cantaram em
coro – “A Banda”; de Chico Buarque.
Nos momentos finais do programa, Maysa não perdeu a
oportunidade de aprontar uma daquelas, como só ela sabia fazer. Antes de
encerrar a emissão cantando o afro-samba “Canto de Ossanha” de Baden e
Vinicius, Maysa tentou explicar para a apresentadora, as raízes daquela canção,
que remetia à atmosfera do candomblé, das raízes negras e africanas, e dos
orixás da macumba. Contudo, quando La Carrà indagou Maysa ‘como se pronunciava
ciao (olá) em brasiliano’, a cantora não pensou duas vezes. Respondeu
prontamente, ‘saravá’ – palavra de origem africada que pode signicar ‘salve’,
ou ‘viva’. Sendo assim, Raffaela Carrà – bem inocente da brincadeira de Maysa –
se despediu ao som de um bem alto e sonoro saravá. Logo a seguir, Maysa
encerrou o especial cantando o “Canto de Ossanha”, com letra em português e
italiano.
Tempo di Samba, é possivelmente uma das melhores aparições
que já vimos de Maysa na televisão. A cantora está demonstrando uma segurança
muito boa de se ver, e uma incrível versatilidade musical. Diferente de outras
participações em vídeo – quando ela, por diferentes razões – parecia estar
desconfortável ou insegura. Tempo di Samba nos mostra uma Maysa muito bonita,
que já havia completado trinta anos, dez de carreira – e pelo menos ali,
parecia estar segura de si mesma, desfrutando de um certo prestígio num país estrangeiro. A produção do especial foi cuidadosa. Os
cenários amplos, seguindo um estilo de ‘desconstrução’ são típicos da tevê
italiana dos anos 60. Maysa também trocou de roupa e penteado mais de duas
vezes, o que evidencia o capricho da produção. Os arranjos da orquestra de Gigi
Chicherello, souberam executar com precisão as canções de Samba, e sem
desvirtuar o ritmo da Bossa Nova. Outro destaque, vai para a iluminação em contraste e os movimentos de câmera, que acabaram por valorizar ainda mais a
ótima forma de Maysa.
É preciso ressaltar que a cantora chegou sim, a gozar de um
certo prestígio na Itália, onde alugou por alguns meses uma casa em Viareggio, litoral da Toscana. Afinal, Maysa, inclusive, se apresentou na boate La
Bussola – localizada em Marina di Pietrasanta, região da Toscana. La Bussola,
fundada em 1955, é famosa por ser um palco de referência no cenário italiano para artistas nacionais e estrangeiros. João Gilberto já havia
cantado lá, cerca de três anos antes de Maysa, e novamente, três anos depois,
seria a vez de Chico Buarque. Maysa pode fazer bons contatos em Milão. A prova
disso, foi ter sido convidada pelo renomado maestro Ennio Morricone, a gravar
duas músicas para a trilha sonora do filme A Qualquer Preço. Além disso, a
própria participação de Maysa no especial Tempo di Samba, evidencia o quanto
ela era bem recebida ela foi na Itália, ainda que para um público muito menor. Mesmo que ela não tenha sido
um grande estouro na Itália (e de fato não foi) como Roberto Carlos, era a principal
atração de um especial de televisão sobre a música do seu país. Isto é, ou não
é, um reconhecimento?!
Aproveitando o sucesso que a Bossa Nova fazia na
Itália, a participação de Maysa no
programa, serviu para que a CBS lançasse por lá o malfadado disco Barquinho,
justamente com o título de Tempo di Samba.
Tempo di Samba
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5 - fim
Números musicais apresentados por Maysa
"Tristeza"
"Samba em Prelúdio"
"Dirgli Solo No"
"Canto de Ossanha"