25 de outubro de 2012

Discografia: Contracapa de Maysa (1966)


Maysa (1966)

Contracapa


"Aqui está um novo disco para sua coleção de LP's de Maysa. 
Com ele volta nossa alegria ao vê-la novamente brilhando na constelação dos maiores astros da música popular brasileira, no mesmo lugar que até agora ninguém conseguiu, ou seja, o da maior intérprete romântica da nossa música. Esse disco está associado à nova série de programas de televisão produzidos pela Guelmay, firma criada por Maysa e Miguel, seu marido, e que é responsável direta por essa sua nova temporada entre nós, depois de tanto tempo fora. Como Maysa primou sempre por apresentar criações moldadas especialmente para o seu temperamento, esse LP não poderia fugir à regra, assim como também o seu programa, no qual vocês terão oportunidade de ver uma Maysa completamente realizada artisticamente. E se compararmos esse disco ao seu primeiro, teremos a exata impressão de que ela está começando tudo outra vez, tal a beleza com que está cantando e dizendo aquelas coisas, com aquele desejo enorme de transmitir, como só ela sabe fazer.
Todos os números constantes desse LP fazem parte dos três primeiros programas já gravados, e que contam com a equipe dirigida por Abelardo Figueiredo, também grande responsável pela volta de Maysa ao cenário artístico. Aqui vai a relação de músicos e maestros que tiveram participação mais direta nessa produção, pois aparecem com Maysa na televisão:
Na Fantasia de Cellos, composta de três músicas / PRIMAVERA / EURÍDICE / e / CANÇÃO DO AMANHECER / estão 10 cellos da Sinfônica e Filarmônica de São Paulo, com o solo de Corazza, e, nos violinos, o solo de espala Gino Alfonsi, e a harpa de Elza Guarnieri. Arranjos de Chico de Moraes.
Para a Fantasia de Trombones, composta por LUANDA / DEMAIS / UM SUSSURRO DE MEU MUNDO CAIU / I'M GETTING SENTIMENTAL OVER YOU / e PRECISO APRENDER A SER SÓ / vieram especialmente do Rio de Janeiro, os irmãos Maciel e Lira, além de Bill e Toucinho, de São Paulo. Arranjos de Erlon Chaves.
Em / TRISTEZA / Maysa nos demonstra a sua versatilidade, cantando essa música de carnaval, acompanhada pela Escola de samba do Salgueiro. Participação de Menescal.
Em / NE ME QUITTE PAS / e / AS MESMAS HISTÓRIAS / acompanha o magnífico solo de violino de Elias Slom. Arranjos de Chico de Moraes.
Temos ainda uma nova composição de Maysa, / CANÇÃO SEM TÍTULO / com arranjo de Erlon Chaves; / CANTO LIVRE / música que abre o primeiro programa na televisão; e / MORRER DE AMOR / que a cantora considera uma das coisas mais sérias da atualidade.
Essas duas são também arranjos de Chico de Moraes.
Por fim, o já famoso / CANTO DE OSSANHA / que, no programa, conta com o ballet de Mercedes Batista. Arranjo de Erlon Chaves.
Eis portanto o novo LP de Maysa, na sua estreia, com a RCA VICTOR, produzido pela Guelmay.
Parabéns a todos nós, obrigado a Maysa, a Abelardo Figueiredo e principalmente à RCA VICTOR, por mais esse grande presente musical que nos oferece."

Roberto Corte Real

23 de outubro de 2012

Maysa está na área do dólar - Diário da Noite (22/08/1960)


Maysa está na área do dólar


Maysa entrou na área do Dólar, como cantora. Após longa ausência (mais de um mês), regressou ontem à tarde, num Super-H da Real, procedente de Tóquio e de algumas cidades norte-americanas, trazendo um cãozinho, “Talismã”, que lhe custou nos Estados Unidos, 250 dólares, e que tem dado sorte à sua dona, desde que ela o adquiriu.
Foi somente depois de comprar “Talismã”, que Maysa assinou contrato de três anos com uma organização norte-americana, que lhe proporcionará vultoso cachê. Sua primeira temporada artística nos “States”, durará três meses e está prevista para breve. Maysa, por isso, voltou feliz e consciente de que penetrou mesmo na área do Dólar, trouxe um novo secretário.

Chegou ontem dos “States” – assinou contratos fabulosos – passou pelo Rio rumo a São Paulo

· Viagem cara

O rapaz é brasileiro com forte sotaque norte-americano. Ela o descobriu nos Estados Unidos, onde ele residia a cerca de dez anos. O novo secretário mostrou-se desembaraçado, durante as negociações de Maysa com o Blue Angel, onde ela atuará brevemente (Nova York) e foi logo contratado pela cantora. Maysa, o secretário e Talismã, não se demoraram, ontem à tarde no Galeão: estavam em trânsito para São Paulo.
A viagem de Maysa (partiu de São Paulo dia 5 de julho) foi das mais dispendiosas: gastou desde o dia de sua partida mais de Cr$ 1 milhão e meio – mas isso não a deixa triste:
-         O contrato que obtive com o Blue Angel compensará perfeitamente esses gastos e ainda vai sobrar alguma coisa – disse ela ao DN.

· “Globe-Trotter”

jamais artista algum brasileiro cumpriu tão estranho e longo programa, em tão curto tempo, quanto Maysa. Senão, vejamos: ela partiu dia 5 de julho, rumo a Tóquio, no vôo inaugural da linha da Real entre o Brasil e o Japão. Depois de alguns dias de permanência em Tóquio, resolveu “dar um pulinho” (36 horas de vôo) a Nova York, para tratar, com o seu empresário, uma temporada nos “States”. Demorou-se 43 horas e regressou a Tóquio, para cumprir programa na TV. Neste vai-e-vem de 72 horas, escalou duas vezes no Alasca e “pousou” menos de dois dias em N.Y.
Findo o contrato com a TV Japonesa, embarcou em Tóquio no Super-H da Real (que trouxe seus companheiros de viagem inaugural), mas interrompeu o vôo em Los Angeles. Dali foi a Las Vegas – e retornou a Los Angeles. Tomou um jato e desceu em Nova York, onde ultimou as negociações iniciadas em sua viagem-relâmpago de dias anteriores.

· Volta ao Rio

Maysa voltará a atuar nas Emissoras Associadas do Rio, Porto Alegre e Belo Horizonte, e nas Emissoras Unidas de São Paulo durante só três semanas, porque já no dia 15 de setembro estará estreando em Montevidéu, numa temporada de 15 dias. Na sua curta permanência em nosso país antes de partir para o Blue Angel em Nova York, cantará ainda em Salvador, Recife, Campina Grande e João Pessoa.
Esta semana, a intérprete de “Meu Mundo Caiu” cantará amanhã em Belo Horizonte, quarta-feira em São Paulo, quinta-feira em Porto Alegre, sexta na TV Tupi e na rede Tupi-Mayrink, no Rio. Portanto, a viagem de Maysa continua, desta feita, entre nós. E suas crônicas para o DN refletirão as impressões da artista dos lugares onde ela estiver. 


11 de outubro de 2012

Maysa sem pressa - Correio da Manhã (08/03/1969)


Maysa sem pressa


Luís Carlos Sarmento · Fotos: Manuel Gomes

- Não tenho mais pressa de viver

Enquanto ela falava, parecia sentir tristeza de seu próprio olhar. Aquilo que ficou de um mito pré-fabricado. Precisamente Maysa que surgiu de Maysa.
Desta vez, o papo foi no apartamento da Rua Bolívar, em Copacabana, que ela alugou por uma temporada de seis meses. Tem telefone, mas ela ainda não decorou o número. Nota-se o seu abafamento. Além de estar preparando um programa para a TV (é a TV Tupi e o produtor é Carlos Alberto (Loffler), seu amigo “antigo do futuro”) ela ensaia também um show para a Boate Sucata que deve estrear no dia 29 de abril.
- O nome do show será Maysa, nada de Maysa voltou ou coisa parecida. Acho ruim demais. Porque volta se eu sempre estive aqui?
O apartamento é grande e Célia, a empregada, vem com a bandeja do café. E diz que está bom.
- Cheguei com uma paciência ilimitada. Você sabe o que é uma paciência ilimitada? Pois é. Aquela eterna briga que existia dentro de mim já não existe mais. Aprendi a ter carinho comigo mesma. Estou mais coerente comigo. Passei a me aceitar. É difícil. Mas eu me aceito. Hoje eu já escuto os meus próprios diálogos. Repito: os aceito. Aprendi a ter respeito humano.
O café acabou, e ela continua:
- Maysa antiga era uma criança caprichosa, voluntariosa, inconsequente, que os outros descobriram antes de mim. Engraçado, todos me conheciam, ou melhor, conheciam Maysa. Menos eu. Eu não me conhecia. Não me davam oportunidade de me conhecer. Quer ver um fenômeno? Quando eu passava e via cartazes em portas de boates anunciando Maysa eu me perguntava: quem é essa de que tanto falam? Eu não me conhecia.
Lá na outra sala, ouve-se a voz dela no gravador. “Tarde Triste”.
- É a música que mais gosto. Fiz. Não tenho mais físico para cantar “Meu Mundo Caiu”. Coisas de uma Maysa antiga. Não aguento mais. Obrigavam a uma Maysa a seguir uma linha sem reta. Pré-fabricação pura. Hoje não tenho mais aquela pressa que me exigiam. Não tenho mais pressa de viver. Aprendi a ver as horas... Compreendi que o amanhã vai nascer com uma manhã linda de sol. De sol ou de chuva. Mas tenho certeza que vai nascer um amanhã. E isto é importante. Quero viver com calma. Quer ver os amanheceres. Sem pressa. Sem susto. Sem nada. Simplesmente.
 O telefone toca. Maysa pede licença, e se engasga com o número. Era engano. Senta novamente e pede um cigarro.
- Bem forte, daqueles mata-rato. Você tem? Não quero com filtro. Acho ótimo cigarro forte. Pra mim, “Petit-Londrino” ou “Cubanos”. É tão bom. Trago-os com amor. A propósito: foi engano. Na rua, quando eu saio, muita gente se engana comigo. Ninguém me reconhece. Que bom. Ontem na praia disseram que eu tinha os olhos idênticos aos de Maysa. Achei graça. Não disse nada. Que bom ter os olhos idênticos aos de Maysa.
Miguel, o marido, interrompe. Diz qualquer coisa, mas volta logo para a outra sala.
- Ele é ótimo. Tudo para mim agora é lindo. É bom. É lindo. Sinto saudades apenas de meu filho de doze anos que está estudando na Espanha. Está um rapagão. Mas ele virá nas férias. Por falar em Espanha, acabamos de comprar uma casa em Cascais, uma espécie de bairro perto do Estoril, em Lisboa. É linda, mas só vou pensar nela para o ano. Eu nunca sei quanto tempo vou ficar num lugar. Aqui, pretendo ficar até dezembro. Em 70 tenho muita coisa a fazer: tournée pela América do Sul, lançamento de disco na Itália e outras coisas mais. Vou ficando. Meus pais mudaram-se para o Rio. São meus vizinhos.
Célia volta para apanhar a bandeja e Maysa aproveita para dizer:
- Ela é uma boa amiga que eu tenho. Cozinha bem. Eu lá fora emagreci 28 quilos. Mas logo que cheguei aqui ataquei de feijão com arroz, farinha e carne seca durante uma semana. Não aguento mais de saudades.
E música. O que você achou ou está achando do que se tem feito?
- Você não entendeu que eu procurei fugir desse papo? Não quero falar. Sinto-me um pouco desatualizada. Mas posso perceber que o que estão fazendo em matéria de música não é autêntico. Não é música brasileira. Não é puro. Vi muita confusão. Vi gente atacando gente sem se preocupar com o principal que é compor. Produzir. Criar. O importante é criar. Vejo muita confusão. Atacam a Bossa Nova. Porque? Que mal fez ela? Uma coisa eu digo: o que anda por aí nunca foi música brasileira. Nem aqui e nem na África. É confuso, entende?
- E o público?
- Não sei como o público vai me receber. De uma coisa estou certa: estou imune e com muita paciência para aturar tudo. Paciência até demais. Outro dia um colunista escreveu: “Maysa voltou sóbria mas não sabe até quanto tempo ficará sóbria.” Ora, isto é para qualquer um arrumar as malas e voltar. Para nunca mais aparecer. Talvez em outros tempos eu fizesse isto. Agora não. Sou outra. Quero ser entendida da mesma forma como procurei entender-me. 


1 de outubro de 2012

IV Festival Internacional da Canção (1969)


IV FIC 


Realizado pela Secretaria de Turismo do Estado da Guanabara com o apoio da Rede Globo de Televisão (então TV Globo), a IV edição do Festival Internacional da Canção se realizou entre os meses de setembro e outubro de 1969, mais uma vez no Estádio do Maracanãzinho, na cidade do Rio de Janeiro. Apesar do sucesso retumbante das edições anteriores, o IV FIC foi uma das piores edições do Festival Internacional da Canção – o formato já começava a dar sinais de desgaste, e a decadência da Era dos Festivais.

Como a maioria dos grandes intérpretes e compositores das edições anteriores – Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil – haviam partido para o exílio, o IV FIC sofreu muito com a qualidade musical das canções inscritas na edição. Somado a isso, o endurecimento da Ditadura Militar no Brasil impunha uma certa censura ao festival. O temido AI-5 fora imposto pelo regime no ano anterior, e o ano de 1969 já vira a imposição de mais de cinco outros Atos Institucionais. Portanto, a IV edição do festival teve inscrições bem menores de canções de protesto. Além disso, vários convidados internacionais recusaram participar do festival, ou então cancelaram a vinda em cima da hora. Como foi o caso do Beatle George Harrison, que anunciou que não viajaria a um país onde o embaixador norte-americano – Burke Elbrick, acabara de ser seqüestrado por um grupo militante de esquerda. Sendo assim, o organizador do festival – Augusto Marzagão, temia um fracasso retumbante.

Marzagão foi pessoalmente à casa de Maysa, convence-la à participar da IV edição do festival, para isso, usou de um argumento tentador: a cantora seria homenageada pela direção do festival. O Troféu Galo de Ouro para o melhor intérprete da fase nacional receberia justamente o nome de Troféu Maysa Monjardim. Ela, que havia jurado nunca mais participar de um outro festival, acabou aceitando. Naquela época, o nome de Maysa andava muito em alta, a cantora era bem apreciada pela mídia e fazia grande sucesso de público. Portanto, seu nome serviria mais como uma tentativa de chamar atenção do público para o festival, numa edição carente de grandes nomes e aparições.

Não deu outra, seu nome foi um dos mais bem cotados do festival, e a música “Ave Maria dos Retirantes” foi logo apontada como uma das favoritas. A excelente canção da dupla de baianos Alcyvando Luz e Carlos Coqueijo, era de longe uma das de maior qualidade da edição. A temática de seca e imigração era inédita do repertório de Maysa, um atraente ao público, acostumado com as canções românticas da cantora. E mostrava um Maysa mais madura e segura de si, sem medo de experimentar o novo.

E foi assim, como favorita do IV FIC, que Maysa subiu ao palco do Maracanãzinho no dia 27 de setembro de 1969, para cantar “Ave Maria dos Retirantes”, com arranjo do tropicalista Rogério Duprat. Entre os outros destaques da edição, estavam Os Mutantes defendendo “Ando Meio Desligado”  (Arnaldo Batista/Rita Lee/Sérgio Dias),  Jorge Ben & Trio Mocotó com “Charles, Anjo 45” (Fritz Escovão/Nereu Gargalho/Joãozinho Paraíba) e Beth Carvalho cantando “O Tempo e o Vento” (Jorge Omar/Billy Blanco). O IV FIC contou ainda com a participação de Cláudia com o Quarteto Fórmula 7 – “Razão de Paz Para Não Cantar”, Marcos Valle – “Beijo Sideral”, Golden Boys – “Minha Marisa”, MPB-4 – “Minha Marisa” e Egberto Gismonti – “Mercador de Serpentes”.

Foi um festival sem brilho, sem muitos destaques, sem concorrência e que deixou muito pouco à que se recordar. A vaia permaneceu como a principal instituição do Festival Internacional da Canção. Na IV edição, ela coube a Jorge Benjor (ainda Jorge Ben), que cantou “Charles, Anjo 45” com o Trio Mocotó. Mas, a chuva de apupos só não foi maior que aquela que o estreante Jards Macalé recebeu quando cantou a atípica “Gotham City”, vestido num traje de gosto duvidoso, que fazia alusão ao herói Batman.

Passadas as duas eliminatórias, a final da fase nacional deu-se em 28 de setembro. “Ave Maria dos Retirantes” ficou em oitavo lugar na final nacional, um resultado bem abaixo do esperado. A fase nacional fora vencida por “Cantiga por Luciana” (Edmundo Souto/Paulinho Tapajós), interpretada pela cantora Evinha, que também ganharia a disputa internacional do festival. Maysa não gostou nenhum pouco, saiu ressentida e bradou: “É absurdo que a música brasileira, em seu estágio atual, tenha regredido a ponto de uma música como ‘Cantiga por Luciana’ ficar em primeiro lugar. Isso é a pior coisa que o Paulinho Tapajós já fez na vida. E este FIC não serviu pra porcaria nenhuma.” Contudo, o IV FIC não foi de todo ruim, e serviu para mostrar uma nova faceta de Maysa – agora, mais ousada. O que mais chamou mesmo a atenção do público, foi o figurino usado pela cantora. Um vestido com o busto feito de tecido transparente, que deixou seus seios quase à mostra. Numa das fases mais bonitas de sua vida, então com 33 anos, Maysa arrancou muitos suspiros e zooms das câmeras de televisão.

A fase internacional, foi tão insossa quanto a primeira. Com quarenta países representados, também foi vencida por Evinha, com “Cantiga por Luciana”. Um dos poucos grandes momentos do festival, foi à apresentação de “Love is All” (Lês Reede/Barry Mason), por Malcolm Roberts – cantor com pinta de galã, representante da Inglaterra. Num momento verdadeiramente emocionante, o cantor levantou o Maracanãzinho num coro de 30 mil pessoas, interpretando uma canção absolutamente romântica. Malcolm Roberts ficou em terceiro lugar na classificação da final internacional do IV FIC. E mais uma vez, o resultado não agradou nem a gregos, nem a troianos.