22 de dezembro de 2012

Imprensa: Maysa, dias sem vinho e com rosas - Revista Manchete (19/11/1966)


Maysa, dias sem vinho e com rosas

Nossa capa: Maysa, a melhor intérprete brasileira do Festival da Canção (foto de José de Castro)


Reportagem de Durval Ferreira · Fotos de Mituo Shiguihara

“Às vezes acredito que meu corpo não foi feito para morrer.” As palavras são de Maysa, a Maysa de hoje, uma pessoa inteiramente outra, de corpo e espírito. Os quilos perdidos (está pesando apenas 56) acentuaram-lhe a silhueta; e como que também aumentaram o tamanho dos seus olhos, intensamente acesos no rosto de menina. O sucesso do seu casamento com o industrial espanhol Miguel Azanza e o amor ao filho, hoje com 10 anos, deram-lhe a paz de espírito que tanto tempo lhe faltou. A nova Maysa é, antes de tudo, uma mulher tranqüila, de fala mansa, compreensiva e adulta, acima das paixões e das disputas. Mas, também, dona de opiniões seguras e, por vezes, contundentes – a lembrar a Maysa de ontem, essencialmente polêmica. Quando, por exemplo, se refere ao ié-ié, as expressões duras lembram a outra Maysa.
-         Ié-ié é música para debilóides. E digo mais: somente no Brasil ainda se houve o ié-ié.
O recente insucesso no Festival da Canção Popular, quando o Dia das Rosas, que interpretou, não chegou à classificação internacional, não lhe deu qualquer amargura. “Festival é assim mesmo.” Segura, ela sabe que a canção (cuja letra é sua) é bela; e que sua interpretação foi correta – opinião que coincidiu com a dos jurados do Festival, que lhe deram o prêmio da melhor cantora brasileira. E é com Dia das Rosas que Maysa irá defender nos próximos dias, no Festival Internacional da Canção, em La Plata, o nome do Brasil. O convite lhe foi feito pelo Itamarati quando ela ainda se encontrava no Maracanãzinho, na última noite do Festival Internacional.
Maysa não gosta do ié-ié, mas em compensação também não gosta da Banda, do seu amigo Chico Buarque de Holanda:
-         Sinceramente, não gosto. Gosto da letra, mas acho a linha melódica sem expressão. Isto não quer dizer que não considere Chico Buarque um dos melhores compositores brasileiros de hoje. Chico, Verinha Brasil (autora da melodia de Dia das Rosas), Vinicius e Edu Lobo – não há maiores do que eles.
E cantoras? Bem, Maysa não cita as suas preferidas, mas aponta, imediatamente, pelo menos uma das que não gosta.
-         Não gosto de Maysa. Isto mesmo: não gosto de Maysa cantora.
Mais adiante, em meio à conversa, ela acaba por indicar Elizeth Cardoso como a intérprete que mais lhe agrada. “Ela não envelhece nunca. Nem ela, nem a sua voz.”
Ainda com Dia das Rosas, Maysa estará participando do Festival de San Remo, em janeiro próximo. Depois, irá ao Festival de Cannes; em seguida, voltará à Argentina para cumprir um contrato que já foi assinado. E depois, os Estados Unidos. É possível, assim, que o Brasil não a veja por muito tempo. Cumpridos seus compromissos artísticos, Maysa, seu marido e seu filho irão viver no sul da Itália, “numa praia qualquer muito bonita e numa casa também muito bonita”.
-         Lá faremos a nossa base. E ao Brasil só virei esporadicamente, para matar saudades. Sabe porque? Eu preciso de Sol – descobri que no Brasil não tem mais Sol. Parece que cassaram o Sol.
Do Festival do Maracanãzinho, diz que não podia ser mais perfeito – como organização e como qualidade artística. “O Brasil lavrou um tento. Os europeus não teriam feito melhor.”
Suas preferências, no Festival, foram para a Áustria; depois, para Portugal. E como interpretação, daria o primeiro lugar ao representante russo. “Ele é verdadeiramente fenomenal – mil pontos acima da Japonesa Chiemi Ieri, a vencedora.”
Sobre Saveiros, de Dori Caymmi e Nélson Motta, que conquistou o segundo lugar no Festival, Maysa é incisiva: “Sou suspeita para falar no assunto, mas não tenho medo de Dizer que Saveiros não merecia aquela colocação.” As composições de Vera Brasil e Edu Lobo, defendidas por Elis Regina, e mesmo o meu Dia das Rosas, deveriam ser premiados.
Agora é ela quem dá novo rumo à conversa, falando de sua vida – “uma vida bem engraçada, muito tumultuada, e se desenrolando numa velocidade quase supersônica, que às vezes chegava a me atordoar. Não falo dos dias presentes, tão tranquilos. Mas de um passado onde dissabores, tristezas, desencantos e exuberantes momentos de felicidade se sucediam vertiginosamente, como as sequências de um filme cuja máquina de projeção tivessem disparado. Não sei como consegui sobreviver. Sobrevivi, felizmente, mas herdei desses dias tão terríveis uma série de neuroses”.
Maysa faz uma pausa, fixa os enormes olhos num ponto vago, acende outro cigarro:
-         Mas não pense que estou a maldizer a vida que tive. Se não a tivesse tido, não poderia saber como sou feliz agora. Também não tenho medo da morte. A morte é uma coisa que tem de acontecer, embora eu pense às vezes que não vou morrer nunca. É isso mesmo: tenho a impressão de que jamais morrerei. Sinto que meu corpo não foi feito para morrer. Mas se não tenho medo de morrer, tenho outros medos. O maior deles é esse irremediável pavor do público. É terrível o pavor que tenho dele, principalmente do público paulista. Agora sei: não é o público brasileiro, nem o estrangeiro, que me mete medo – é o de São Paulo. Porque? Não sei direito. Talvez porque foi lá que comecei minha carreira artística, quando não tinha ainda qualquer experiência, apenas vontade de cantar. Mas o fato é que ainda hoje um auditório paulista me gela a espinha. Sinto-me, diante dele, como se estivesse a bordo de um avião. E eu tenho horror de avião. 



Esbelta, loura, reconciliada com a felicidade, ela diz que hoje só tem um pavor irremediável: "É o pavor do público. Principalmente o de São Paulo."

Especial: 3 anos do Blog Oficial Maysa


3 anos do Blog Oficial Maysa!


Hoje, o blog comemora 3 anos sua existência. Três anos são muita coisa. Nestes 36 meses de trabalho dedicados a Maysa, posso dizer que só colhi bons frutos. O trabalho não é fácil, pelo contrário, é árduo. Não é fácil manter viva a memória de uma cantora já falecida no Brasil, mas tenho conseguido vencer este desafio com bastante sucesso. O Blog é especial porque faz é feito com carinho, com ética e com comprometimento à sua homenageada Maysa, - e é isso que o torna único na web. Quero agradecer a todos que de alguma forma contribuíram e continuam contribuindo para a realização deste blog, e aos leitores, sempre tão assíduos. Quero dizer que este trabalho não acabará tão cedo, pois o que me move é a grande admiração que sinto pela cantora Maysa, e meu objetivo não pode ser outro, senão o de manter vivo o seu legado, para sempre. Muito obrigado!

Vitor Dirami

10 de dezembro de 2012

Imprensa: Maysa foi encontrada na plateia do teatro - Diário da Noite (19/09/1968)


Maysa foi encontrada na plateia do teatro 


Maysa, a imortal criadora de "Meu Mundo Caiu", sem dúvidas um verdadeiro hino de amor e "Ouça", há dois dias está em São Paulo. Procurou desembarcar incógnita. Como está bem mais magra e usava grandes óculos escuros, pode dirigir-se à casa de seus pais sem problemas. Embora esteja cantando em Madri e seja um verdadeiro cartaz, no momento Maysa veio apenas visitar seus pais que moram no centro da cidade. Disse mais: veio matar saudades do Brasil e de um modo especial de São Paulo. Veio acompanhada de seu cunhado. E foi com ele que Maysa no último sábado, imaginou que poderia assistir a Maria Bethânia no Teatro Ruth Escobar sem ser reconhecida. Procurou sentar-se numa lateral do teatro, quase encostada à parede. Como Maria Bethânia em seu atual espetáculo vem até a plateia, reconheceu a genial intérprete. Quando anunciou sua presença e afirmou que dedicava sua estreia a Maysa, o teatro veio abaixo. Provavelmente a cantora que a anos não atua no Brasil, ficou perplexa com a reação do público. Todos em pé não cessavam de aplaudi-la. Procurada por amigos e jornalistas, a todos Maysa atendeu com atenção, afirmando que retornará à Madri no próximo dia 28, mas em breve voltará a São Paulo. Falar sobre esta cantora é quase desnecessário pois as emissoras não se cansam, mesmo nesta época de "ié-ié-ié", de tocar os discos da cantora que, por sinal nunca caem da moda. Suas músicas falam de amor, de tristeza e ingratidões, sentimentos que estão sempre lado a lado com o ser humano. 

3 de dezembro de 2012

Show: Au Bon Gourmet apresenta Maysa - 1963


Au Bon Gourmet apresenta Maysa

Maysa em show no Au Bon Gourmet acompanhada por Eumir Deodato e conjunto.

Maysa andava bastante distante do público brasileiro, quando resolveu retornar ao país para uma visita de poucos meses. A cantora, então, residia em Madri, ao lado do novo marido – o belga-espanhol Miguel Azanza. E tentava se adaptar à nova vida doméstica. Em 3 de abril de 1963, Maysa, – acompanhada do seu novo amor, e seus dois cachorrinhos Baltazar e Gaspar  –, desembarcou no porto de Santos, do navio inglês Amazon, vindo da Europa.
Emendando um novo contrato artístico, Maysa veio ao Brasil gravar dez videoteipes para a TV Tupi carioca. O musical – Maysa como ela é, seria retransmitido em cadeia nacional pelas Emissoras Associadas, todas as quartas-feiras, às 21:25 da noite.

Dias depois, Maysa deveria estrear uma temporada na boate Au Bom Gourmet do empresário Flávio Ramos, sob direção musical do veterano Aloysio de Oliveira. Na data marcada, ela chegou à boate vestindo um longo preto, de costas nuas e portando um vison branco sobre os ombros. Numa entrada cheia de rapapés, Flávio Ramos chegou a estender o tapete vermelho para Maysa passar, incluindo um Cadillac preto rabo-de-peixe, que ia busca-la em casa e traze-la ao Bon Gourmet todas as noites. Só a superestreia de Maysa, com dotada de requintes dignos de uma estrela internacional, já deu o que falar.
No show, Maysa era acompanhada pelo conjunto de Eumir Deodato (arranjos, piano e órgão), Ugo (vibrafone), Contra-baixo (Sergio), Copinha (Flauta) e João Palma (bateria). Na abertura, uma introdução magistral com a flauta de Copinha e o piano dedilhado por Eumir Deodato, tocava os primeiros acordes de “Ouça”, a plateia logo aplaudia, mas em seguida, de repente, tudo mudava e logo entrava a voz de Maysa interpretando “Demais”, de Antônio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira. Maysa se apropriara tanto daquela música, que de tão associada a ela, parecia até uma composição de sua própria autoria. Em seguida, dava luz á sua face jazzwoman, emendando uma versão turbinada de “I’ve Got You Under My Skin”, o grande clássico de Frank Sinatra.

O show seguia com outras interpretações de velhos sucessos dos últimos discos – “Por Causa de Você”, da falecida amiga Dolores Duran, “Dindi”, mais uma das parcerias entre Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, “Quem Quiser Encontrar o Amor”, “Fim de Noite”, “O Amor Que Acabou”, “Bom Dia, Tristeza” e encerrava com “Bouquet de Izabel”, de Sergio Ricardo, lançada por ela cinco anos antes. No fim, o conjunto fazia um encerramento com os instrumentais de “Ouça”, – de autoria de Maysa –, e “Rio”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Eram interpretações densas, carregadas de emoção e sentimentalismo, num show bastante intimista. Ela sequer se comunicava com a plateia.

Foi uma temporada de muito sucesso. Maysa conseguira lotar a boate Bon Gourmet todas as noites. Repercurtindo o sucesso do show, a imprensa também teve de dar o braço a torcer, e não poupou elogios a nova performance da cantora. Porém, não demorou muito para que os problemas do passado ressurgissem para estragar o presente. Maysa passou a faltar sistematicamente às apresentações. Maysa se atrasava, desaparecia, ou então sumia sem mandar dizer onde estava. O Cadillac que devia busca-la e leva-la ao Bon Gourmet, acabou por adiantar de nada.

Apesar do sucesso inquestionável, o dono da boate, Fávio Ramos, teve que encerrar a temporada antes do previsto. Não podia manter no cartaz uma cantora que ninguém sabia onde estava. Assim como a temporada no Bon Gourmet, o programa da TV Tupi acabou tendo o mesmo final. Os programas foram tirados abruptamente do ar, sem maiores explicações da emissora.

De tudo isso, restou o disco gravado ao vivo durante o show no Au Bon Gourmet, produzido e dirigido por Aloysio de Oliveira. O álbum lançado pela gravadora Elenco, de Aloysio de Oliveira, só sairia no ano seguinte, em 1964, quando Maysa já estava bem longe do Brasil. O layout da capa, assinada por César G. Villela, é uma das mais emblemáticas do selo Elenco, e também da discografia de Maysa. Trazendo apenas os olhos da cantora, em preto-e-branco e alto contraste. Na contracapa, um texto assinado por Aloysio de Oliveira dizia:

“Existem poucos artistas que possuem a terceira dimensão.
A terceira dimensão é uma força de personalidade que permite ao artista ‘hipnotizar’ o público.
Maysa tem essa força.
Por isso gravamos esse LP durante um dos seus shows, ao vivo, tal como aconteceu.
Um documentário musical desta fabulosa voz, desta fabulosa personalidade, desta fabulosa intérprete que é Maysa.”

Maysa e o marido Miguel Azanza nos bastidores das gravações da TV Tupi.