13 de maio de 2014

Imprensa: As confissões de Maysa III - Revista Amiga, 21/09/1971




“Eu estava bebendo demais e viver não tinha mais nenhum sentido”

“O amor deu nova força a minha vida”

depoimento à Gardênia Garcia

Quando eu estava bebendo demais, quando minha vida não tinha mais sentido, não via horizonte nenhum, fui a Portugal, em 62. Fui por ir, tanto fazia. E conheci Miguel. Ele e a mulher foram ver meu show, e Gabriela levou meu disco para autografar, no camarim. Eu e Miguel nos amamos à primeira vista. Quinze dias depois morávamos juntos. E Gabriela ficou minha amiga. Quando ela se divorciou de Miguel, no México, ficou hospedada em nossa casa. Vale lembrar que quando eu e Miguel nos conhecemos, em 62, Gabriela era linda e eu pesava 96 quilos. Foi amor mesmo!

CONHECI Miguel e minha vida mudou. Foi com a ajuda dele que saí do pileque de anos, que emagreci, que ganhei tranqüilidade. Precisamos muito um do outro. Ele deixou suas fábricas na Espanha e passou a me empresariar. Agora está produzindo a peça que ensaio.
Depois que emagreci, dou um valor imenso ao corpo, não por vaidade. A bebida e a gordura estavam interligadas, eram autodestruição. Quando engordo meio quilo fico muito deprimida, trato de perde-lo rápido.
Nós vivemos na Espanha, um tempo, transferi Jaiminho para um colégio lá, depois viajamos muito. Parei de cantar muitas vezes, de vez em quando volto. A última música que gravei é o Tema de Simone, do O Cafona, aliás, é das poucas composições minhas que gosto.
Vivemos um ano nos EUA, Miguel lecionando línguas, eu de doméstica. Porque adoro cuidar de casa, cozinhar.
Tenho premonição das coisas, sou meio bruxa. Por isso topei aquela temporada no Canecão. Estive magoada muito tempo, porque cantava no mundo inteiro e não recebia convite para o Brasil. Até que Flávio Cavalcanti se hospedou no mesmo hotel que nós, em Portugal, e me chamou para seu programa. E viemos para ficar. A temporada no Canecão foi maravilhosa para mim. Apesar de ter sido eu a primeira cantora que teve coragem de topar uma coisa destas, acabei me decepcionando com os donos do Canecão, que foram mal agradecidos, no final. Não entro em detalhes, ganhei a causa.
E então, no ano passado, aconteceu um novo marco na minha vida: o programa Dia D. Trabalhar como jornalista. Laerte Garcia, o cinegrafista do programa, foi pessoa da maior importância para mim. Foi ele quem acreditou que eu pudesse fazer o programa, acreditou em mim mais do que eu mesma. ele era o programa. Conseguimos fazer coisas maravilhosas. A cobertura da morte do Salazar, por exemplo, quando vimos o programa pronto nos espantamos: não era morte que estava ali, era uma mensagem de vida.
Um homem extremamente sensível, maravilhoso, nos entrosamos tanto que quando ele morreu não tinha mais sentido continuar com o Dia D. Como disse, ele era o programa, me ensinou muito de trabalho, de vida.
Fazer jornalismo foi ótimo, ser prato dos jornalistas é péssimo. Enquanto eu jogava microfone no público, aumentava tudo que acontecia. Depois, recentemente, criaram minha desavença com Elis Regina.
A imprensa não perdoa. Vive ressuscitando o que está tão longe: Ronaldo Bôscoli e eu. Daquela época da bossa nova, ainda. O que acontece é que hoje em dia somos amigos, acho Ronaldo um homem inteligentíssimo, o papo com ele é das coisas mais divertidas do mundo. Elis, considero das maiores cantoras que conheço. Acho-a, inclusive, muito segura, muito madura para a idade que tem. Ela sabe agir, sabe reagir.
Eu vou ver Elis cantar sempre, porque gosto. Quando ela esteve no Canecão, Miguel e eu fomos. Mandamos flores, antes. Depois saímos para jantar, os dois casais. E o que a imprensa inventou! Depois o casal nos ofereceu um almoço genial em sua casa há mais de um ano. O filho deles ainda não tinha nascido. Não nos vimos mais. A culpa, em grande parte é da imprensa, que cria casos entre Elis e eu. Nós poderíamos ser amigas, acredito, não fosse a onda da imprensa.
Felizmente meu filho não foi prejudicado pelo que escreveram a meu respeito. Ele é inteligente demais, o Jaiminho. Lembro que quando era pequeno, num colégio aqui no Rio, falaram mal de mim pra ele, a reação dele foi ótima: não bateu, não se chateou. Disse apenas – você é uma besta, garoto, não entende nada de nada. Jaiminho está no Rio, passando as férias comigo. Está interno na Espanha mas vive com toda liberdade. Confia inteiramente em mim.
Da época em que comecei a cantar, gostaria de dizer uma coisa que pouca gente sabe: gravei bossa nova primeiro que todo mundo. Só que me antecipei demais. Lancei O Barquinho dois meses antes do movimento todo. Mas ele pertence sem dúvidas a João Gilberto. Através de João foi que a música pegou e na minha gravação não havia a batida dele, que mais marcou a bossa nova. 


(Matéria publicada originalmente na revista AMIGA, nº 70, 21 de setembro de 1971)

5 de maio de 2014

Imprensa: Maysa (que não é mais Matarazzo) trocou André pelo samba - Revista da Semana, 09/11/1957


Maysa (que não é mais Matarazzo) trocou André pelo samba



Um desquite que não abalou em nada o prestígio de uma das melhores cantoras brasileiras – continua sendo “gente bem”, cantando bem e frequentando a sociedade – só uma coisa não trocaria pela carreira: seu filho

Texto de JEANETTE ABIB

Desde menina Maysa preferia Noel Rosa a Chopin, a batida do samba aos compassos do “ballet”. Uma vocação artística que não encontra barreiras para se realizar

Os parentes conservadores de Maysa, começaram a se escandalizar quando, com apenas 13 anos, ela trocava o “ballet” e a música clássica pelos sambas de Noel Rosa e Ary Barroso. Revelando-se compositora de música popular, compôs o primeiro samba-canção: “Adeus”, causando decepções sempre que se recusava a assistir uma ópera para ficar ouvindo batucada na voz de algum de seus sambistas prediletos. Sua leitura constante era a poesia e os autores Manuel Bandeira e Vinicius de Morais.

Uma “cantora-bem” revelada entre “gente-bem”

Acompanhando-se ao violão, Maysa começou a cantar em festas de sociedade, interpretando páginas da música popular brasileira, constituídas, na maioria, de composições de sua autoria. Os mais severos repeliam-na, aconselhando-a a se interessar pela música clássica – gênero adequado à sua posição social. Mas a arte superava qualquer argumento – e já não lhe importavam as aparências, os comentários – queria satisfazer o seu “eu” – libertando-se das correntes que dominavam-lhe a vontade e os impulsos. Queria ser cantora.

Como se apaixonou pelo filho do conde Matarazzo

Ainda menina, Maysa revelou sua primeira paixão por um amigo da família – o filho do conde André Matarazzo. A inconveniência da pouca idade de Maysa era ressaltada por sua mãe – d. Iná. O romance foi alimentado durante três anos até que a jovem se transformou numa das mais bonitas moças da sociedade paulistana, e culminou com um casamento pomposo. Após a viagem de lua de mel nos Estados Unidos, o casal passou a circular com intensidade na vida social de São Paulo e Maysa deixou-se contagiar pela vontade firme de ser cantora profissional. Iniciou uma série de recitais com fins filantrópicos e mostrou que podia ir além – muito além.

Surge a cantora-milionária

Uma noite de exibição na boate Cave – em benefício do Hospital Central do Câncer foi o bastante para que o nome de Maysa Matarazzo ocupasse páginas de revistas e jornais de São Paulo e desta capital – na mais franca repercussão que abalou sobremaneira alguns membros das famílias Monjardim e Matarazzo. As propostas iniciais para rádio e TV foram recusadas. Havia a natural curiosidade do público em ver e ouvir a cantora-milionária de voz rouca, cantando com um estilo todo seu. Ela apenas concordou em gravar suas próprias músicas, doando os lucros a associações beneficentes. Grande sucesso em seu primeiro disco, que lhe proporcionou o título de “a maior revelação feminina de 1956”, na escolha anual dos cronistas de rádio de São Paulo – para eleger as melhores do ano.
O interesse das emissoras de rádio e TV da paulicéia cresceu – tendo sido, por várias vezes, anunciado seu ingresso no setor artístico. Vinham os desmentidos: nada ficara positivado. Com o nascimento do primeiro filho do casal – (Jaiminho) – Maysa abandonou temporariamente a ideia de se dedicar à vida artística. Passados os primeiros meses da maternidade, voltou com sua voz a contribuir para o brilhantismo das reuniões sociais. Aquilo, porém, não era o suficiente. Ela queria cantar para milhares de pessoas e sentir as emoções que o sucesso proporciona. Estava disposta a cumprir seu intento, e rompendo a barreira da oposição, Maysa assinou o primeiro contrato para atuar na rádio e televisão Record, doendo seus proventos a associações de caridade.

Andrézinho concordou, depois arrependeu-se

Um tanto inconformado, André Matarazzo consentiu que a esposa atuasse algumas vezes na televisão. Pouco tempo durou o acordo. Surgiram as incompatibilidades oriundas das atividades artísticas da “cantora-bem”. Seu marido criou uma série de obstáculos ao prosseguimento de sua carreira de cantora – já então em grande evidencia. A solução para o caso parecia impossível para ambos, de vez que Maysa mantinha irredutível, seu firme propósito de não abandonar o rádio e a televisão. A moça lançou mão do desquite – que na primeira tentativa não chegou a ser homologado graças a intervenção das famílias Matarazzo e Monjardim, fazendo-a retroceder no seu intento. Veio a reconciliação e quando a serenidade parecia ter voltado à vida do casal, novas rusgas deram margem a que a cantora apelasse pela segunda vez para o desquite, fazendo constar no seu pedido de anulação de casamento: “incompatibilidade de gênios”. Outra intervenção das duas famílias, e conselhos de d. Iná fizeram com que Maysa e André chegassem novamente a reconciliação. De parte a parte, houve promessas no sentido de reatarem o amor que parecia estar perdido para sempre, sem que Maysa abrisse mão de sua carreira. Poucos dias depois, a situação se agravou novamente. André não se conformava com o fato da esposa ter ampliado suas atividades artísticas – vindo a fazer, também, televisão no Rio – e essas viagens semanais, desgostaram-no. Decidiram reiniciar a ação de desquite – já agora convencidos de que não existe uma fórmula conciliatória capaz de uni-los noutra tentativa de felicidade.

Maysa fixa residência no Rio

Enquanto aguarda os termos finais do desquite, Maysa fixou residência no Rio – Avenida Atlântica, trazendo Jaiminho – seu filho.
Maysa nega-se a fazer declarações à imprensa, seguindo, talvez, determinações de seu advogado, pelo menos enquanto não estiver concluída a ação de desquite. Mesmo assim, conseguimos obter algumas palavras da cantora.
-         Arrependida, Maysa?
-         Por que? Fiz as pazes várias vezes e não deu certo. Eu preferia não falar neste assunto...
-         É verdade que, depois que você entrou para o rádio e televisão, já não se sente tão à vontade nas reuniões do “high society”?
-         Eu me sinto bem em qualquer meio e não tenho nenhuma restrição a fazer. Pelo contrário...
-         Porque desistiu de atuar na TV Rio?
-         Eu não desisti. Apenas meu marido resolveu cancelar meu contrato.
-         Sobre seu filho, André se opôs que ele ficasse em sua companhia?
-         O que importa é que meu filhinho ficará comigo. Gostaria de não abordar este assunto.
-         Na sua opinião, o casamento é um estorvo na vida de uma cantora?
-         Não... absolutamente! Pode haver perfeitamente uma compreensão entre marido e mulher – tudo dependendo de boa vontade. Em caso contrário, quando os pontos de vista divergem, não há possibilidade de dar certo.
-         Você receia os comentários “gente-bem”, sobre os motivos que determinaram seu desquite?
-         Nada tenho a recear.
-         Porque veio morar no Rio?
-         Acho o mar uma coisa impressionante, e só gosto das praias cariocas – as mais belas do mundo. Adoro esta cidade onde nasci!
-         Como cantora, você encontrou afinal o grande ideal de sua vida?
-         Sim. Gosto demais de cantar. Mas o meu grande ideal era ter o garoto que tenho – que por sinal, está comigo e se divertindo a valer.
-         Como costuma compor suas músicas?
-         Na base da inspiração. Eu componho desde os 13 anos de idade. A minha primeira música foi o samba-canção Adeus.
-         Depois do desquite continuará usando o mesmo nome artístico?
-         Usarei apenas Maysa.
-         E continuará doando seus proventos no rádio e na TV para associações de caridade?
-         Não tudo, pelo menos uma parcela.
-         Você não trocaria nada pela sua carreira?
-         Isto depende muito do futuro...
-         Prefere o meio social ou artístico?
-         Prefiro o meio artístico.
-         Você acha o ambiente artístico de certa forma degenerado?
-         Não. Em todo ambiente há degeneração.
-         E a seu ver, uma mulher é capaz de se apaixonar mais de uma vez?
-         Perfeitamente. Quantas vezes for possível acontecer.
-         Prefere a franqueza ou gosta de contornar os assuntos acomodando-os da melhor maneira?
-         Franqueza, ao máximo!

Na boate Meia-Noite e uma viagem aos EUA

Desenvolvendo seu trabalho artístico, Maysa aderiu à vida noturna e está cantando na boate Meia-Noite de Copacabana. Em seus planos para o futuro entra uma viagem aos EUA, em janeiro próximo – onde fará curta temporada. Assim, Maysa, “née” Monjardim – dona de bonita voz – figura de destaque na sociedade bandeirante, trocou a tranquilidade de um lar fortalecido pelos milhões, pela glória de ser artista.





(Reportagem publicada no nº 45 da REVISTA DA SEMANA, em 9 de novembro de 1957)