21 de março de 2011

Imprensa: "Confissões de Maysa" O Cruzeiro - 1958

Maysa confessa: "Eu Canto o meu estado d'alma"


A prestigiada revista O Cruzeiro, foi responsável por levar Maysa ás bancas de todo o país, na edição de 25 de Janeiro de 1958. A capa trazia uma estonteante foto do rosto de Maysa, em close, captada pelas lentes do fotógrafo Indalécio Wanderley. Acima da seguinte manchete – Maysa confessa: “Eu canto o meu estado d’alma. A reportagem, de Álvares da Silva, fora feita numa época em que Maysa já havia se desquitado, e sua popularidade alcançava níveis cada vez mais altos. Não eram bem, confissões. O texto dava conta de sua meteórica carreira, e era pontuado por frases soltas de Maysa, dando conta do seu presente, do surgimento da cantora e compositora e de preferências pessoais. Com direito a foto colorida de página inteira, Maysa aparecia em lindas fotos agarrada ao inseparável violão. No fim, declarava: “Eu quero ter apenas meus 21 anos, e ser alguém. É muito importante viver”.

Agora, o Blog Oficial Maysa traz a vocês, a reportagem e fotos na íntegra, com exclusividade. Boa leitura!

Confissões de Maysa: "Eu canto meu estado d'alma"

Bisneta de um barão do império, exposa (ex) de um famoso industrial, torna-se estrela de primeira grandeza

Era moça de prendas domésticas, educada em colégio de freiras, filha de um fiscal do imposto de consumo e esposa (agora ex) de um industrial paulista de nome famoso – mas, como artista, desconhecida. Compositora e cantora, fez fama em 8 meses de atuação, nas TVs e nas rádios de São Paulo e Rio de Janeiro. Sim, é verdade: não há notícia, no movimentado, oscilante e enganador domínio da música popular, de um aparecimento tão fulgurante e de uma consagração tão rápida, como é o caso da singular e talentosa Maysa Matarazzo – a MMM da TV, revelação em um LP de 1956 e uma das melhores cantoras de TV e rádio de 1957.

-         escute, D. Maysa, conte-me sua história artística.
-         “Escute, não: ouça”, diz ela (em aparte muito vivo, porque seu maior sucesso, na qualidade de cantora e intérprete, é justamente “Ouça”). E relata: “Eu componho desde os 12 anos. No colégio, se a freira se descuidava na aula de matemática, eu musicava um samba. Mas só em 1956, isto é, com 20 anos e casada, durante uma reunião na casa dos Monjardins, meus pais, no bairro da Consolação, em São Paulo, é que o Sr. Roberto Côrte-Real , diretor artístico da RGE, me ouviu cantar e fez convite para gravar um LP. Esse LP permaneceu quase ignorado, até que em 13-04-1957 eu resolvi cantar na Rádio e TV Record. Meu pai não queria, dizendo que uma Monjardim não poderia jamais ser cantora popular. A família Matarazzo idem”. Fiz sucesso. Gravei um 2º LP, e vem por aí um 3º. Tenho mais de 40 canções, mas por enquanto, só 17 na praça. Eu quero compor, cantar e representar”.

Eis as confissões de Maysa Matarazzo:
-         “Maysa, nome incomum, é um cripto de Maria Luísa enfeitado com um Y. O nome me foi dado por minha mãe em homenagem a uma grande amiga.  Todo mundo pensa que eu sou paulista. Vivi muitos anos em São Paulo, estudei no Sacré Coeur de Marie de São Paulo, meus mais moram lá, mas eu nasci em Botafogo, à Rua Visconde e Silva. Numa casa que ficava em frente à residência de Simoens da Silva. Eu acho que estive 10 anos interna estudando. Repeti a 2ª série para que me tirassem. E agora sonho quase toda noite que vou voltar para o colégio interno.”
-         “Meu pai chama-se Alcebíades Guaraná Monjardim, fiscal com atividade ali pela Rua 25 de Março de São Paulo. Ele é o neto mais velho do Barão de Monjardim do Espírito Santo.”
-         “Minha mãe chama-se Inah Figueira Monjardim. É um amor.”
-         “Eu tenho só um irmão, com o mesmo nome de meu pai, Alcebíades. Está com 16 anos. Toca só campainha, por enquanto, mas tem um ritmo louco.”
-         “Aprendi a tocar violão com 14 anos. Sílvio Caldas me ensinou.”
-         “Saí do colégio para casar com André Matarazzo. Ele me conhecia desde quando eu era uma guria de 5 anos. Mas um dia, durante umas férias em Poços de Caldas, eu estava montada num burrico passeando, e meu pai me apresentou a ele. André puxou as minhas tranças. A partir desse encontro, fiquei gostando dele. Eu tinha 12 anos.”
-         “Gostou muito do meu sogro, o conde Andrea Matarazzo, e também de minha sogra, D. Amália Ferreira Matarazzo. Todas as minhas composições são dedicas a André. Casamos, mas não deu certo.”
-         “Elizete Cardoso é uma fábula. Eu fico complexada quando a ouço cantar. Faço questão de dizer: Elizete Cardoso é a maior cantora do Brasil. Ainda não fez sucesso espetacular porque é muito tímida.”
-         “O maior cantor é Sílvio Caldas. Aprecio Caymmi e Billy Blanco. Admiro Antônio Carlos Jobim (Tom, autor do famoso sambalada “Se Todos Fossem Iguais a Você”, de parceria com Vinicius de Moraes). Aliás (e Maysa imita a voz de Ema d’Ávila), esse negócio de música popular é muito sério.”
-         “O que eu quero é andar de bicicleta, ir ao parque de diversões, comprar picolé. Até 5 anos atrás, eu só sabia rir. Agora, não sei o que é dar uma risada com gosto. Eu devia ter nascido homem, e preto.”
-         “Tudo isso que eu canto, não é propriamente Samba-Canção nem bolero: é estado d’alma”; acentua com ênfase MMM. “O importante é cantar e exprimir alguma coisa. Há quem canta bonito, mas não dá pé.”
-         “Minha primeira composição, eu a fiz quando tinha 12 anos. É “Adeus”, que está no meu primeiro LP. Depois que passei a morar no Rio, quando acabo uma canção, canto pelo telefone interurbano, para meu pai e minha mãe, em São Paulo, e peço a opinião deles.”
-         “O nº 13 tem me dado sorte. Meu 1º LP é 0013.”
-         “Eu fazia poemas quando estava interna no Sacré Coeur. Muitas dessas poesias ainda não foram musicadas.”
-         “Tenho loucura por teatro. Gosto de papel dramático, detesto comédia, adoro supra-realismo. E mais: gostaria de trabalhar numa peça de Abílio Pereira de Almeida.”
-         “Em junho de 1957, eu vim ao Rio fazer uma “catetuagem” do meu LP. Quase ninguém me conhecia. Alguém no auditório da Rádio Mayrink Veiga me pediu para cantar “Tarde Triste” (composição de MMM). Foi a maior emoção da minha vida. Completamente.”
-         “Minha última produção tem um título bem paradoxal: Felicidade Infeliz.”

“Felicidade, vamos fazer um trato
manda ao menos teu retrato
para que eu veja como és.”

-         “Já me disseram que, cantando, eu faço propaganda para os Matarazzo.”
-         “Eu quero ter 21 anos e ser alguém. É muito importante viver.”







Os mais belos olhos: MMM é moça de 21 anos. Tem um filho. Sendo uma cantora e compositora de grande valor, espanta-se com a fama.
















15 de março de 2011

Série: decifrando Maysa (parte 4)

Série: decifrando Maysa (parte 4)


Música - parte 4

A música era vida para Maysa. Taí, uma indefinição plausível e condizente para realmente tentarmos definir, o que valia de fato a música para Maysa. Era vida, sim, mas era algo muito mais abrangente e interior do que a própria vida poderia definir. A complexidade do canto de Maysa é algo absurdo, que engloba qualquer tipo de sentimento, que emanava de sua alma com ferocidade incrível, tentando traduzir todo o turbilhão imenso que era seu interior. Vem disso, a profusão imensa de emoções, ensejando momentos de grande paixão, solidão e tristeza profunda. Maysa tinha a necessidade de gritar através da música, tudo que seu espírito gritava ainda mais alto, tudo permeado por uma furiosa intensidade, que a fazia justamente, emanar tanta vida. Era uma necessidade de vida, a música era sua própria vida, confundiam-se as duas.
Deixemos os lirismos um pouco de lado. A música realmente tinha uma representação de vida para Maysa, mas qual seria o porque? Acredito, que a música era para Maysa uma válvula de escape, a única forma com que ela realmente conseguia descarregar sua fúria interior. Com todo seu imenso pranto, amargura, paixão e tristeza – reflexos da grande agonia que havia em seu interior. Quis o destino – ou algo maior – que a música fosse sua grande arma, uma forma de extravasar seus monstros. E se não fosse por intermédio da música, teria sido de qualquer outra arte – pintura, escultura, dança – Maysa precisava disto, precisava de uma válvula de escape para tudo que sentia. Ela cantava o que o coração gritava por dentro, era uma necessidade final. E foi exatamente isto, que a dignificou como cantora.
Maysa foi sem dúvidas a maior cantora romântica da história da MPB. Nem aquém, nem além de todas as outras, mas seu trabalho (e legado posterior) é algo, de mais brilhante que se encontra no cancioneiro romântico na história de nossa música. Os clássicos que escreveu, mais os outros grandes clássicos que interpretou, serviram para compor uma das mais belas obras da MPB. De brilhantismo e sensibilidade ímpar, Maysa foi uma heroína da MPB, sua obra é bela e grandiosa – praticamente perfeita. Seu legado é imenso e inesquecível, vai mais fundo que qualquer modismo bobo.
Indo a fundo em sua raiz, e ressaltando sua importância, concluímos que a música para Maysa era sua própria vida. Vem disso todo o respeito que ela impunha pelo ato de cantar, afinal era para ela algo quase sagrado. E a música para Maysa, também foi sua maior doação, sua maior entrega, uma mulher que fundiu a própria vida junto à música se iguala aos maiores gênios, só pode ser um gênio.  Poucos foram os grandes gênios, Maysa foi um deles. Compôs a música, pelos mesmos caminhos com que trilhava a vida, igual a ela foram poucos – Mestre Cartola, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Vinicius de Moraes e Dolores Duran – alguns, dos poucos, muitos eram seus próprios ídolos.
“Demais” – de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, está para Maysa, assim como “Non, Je Ne Regrette Rien” está para a diva Édith Piaf. A canção francesa, sempre foi apontada como o retrato perfeito da dramática Piaf, “Demais”, não diz menos de Maysa. “Todos acham que eu falo demais / e que ando bebendo demais/ que essa vida agitada não serve pra nada / andar por aí bar em bar, bar em bar...” se tornou sua marca registrada, e ainda hoje acreditam que eles versos são de sua autoria, mas não é nada demais dizer que não são já que tanto fala sobre ela mesma. A música de Maysa é mais internacional do que nós podemos imaginar, ela mesma é muito internacional. Maysa estava ao nível das maiores estrelas da música mundial. Sua alta dramaticidade e grande interpretação a punham no mesmo hall de cantoras como –  Édith Piaf, Billie  Holiday e Amália Rodrigues. No Brasil, ela se equiparou a grandes cânones da nossa canção, como – Elis Regina, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e Maria Bethânia.
Se afastar da carreira – e conseqüentemente do canto – foi um ato absolutamente instintivo que demonstra muito da sua fragilidade humana. Maysa vivia momentos difíceis. No plano musical, era uma época de grande renovação e movimento político-musical no Brasil, e ela não se via engajada naquilo, não se via lutando por aquelas causas. Achou que sua música estava ultrapassada, sua dor era cafona, por essa época anotou – “Como vou poder cantar se a minha dor está fora de moda? Está parada pra pensar”. Com tudo isso, resolveu se afastar, por um lado, isto foi ótimo, pelo outro, lamentável. Mas nunca ouve qualquer tipo de decadência, e Maysa foi cuidar de si mesma. E a vida, sempre tão atribulada, levada aos atropelos, nunca contribuiu para qualquer tipo de estabilidade. Maysa vivia magoada, ressentida com aquela indústria da música que ajudara a amadurecer ao longo da carreira, e magoada com os amigos sempre tão distantes. Viva cansada, se encontrava muito exausta de sempre ter de lutar por tudo. E lutou a vida inteira para ser reconhecida coma uma grande cantora, que merecia muito respeito.
Longe da música, Maysa buscou uma outra via de comunicação, outra válvula de escape. Com isso, encontrou velhos passatempos – a pintura e a escultura – serviram como uma nova forma de extravasar emoções para Maysa, uma outra via de mão para tudo o que antes, era transmitido através da música. Vendo tudo o que criou neste período, observam-se trabalhos de grande expressão – riscos rígidos, traços fortes, cores sombrias, rostos tristes – amargos reflexos da dor que carregava no peito.
Como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade – “Restam discos, quadros, escultura, palavras. Restam as fotos”. Pois é, restam tudo isso, e uma história de música e vida que nunca será esquecida. Acredito que ainda falte para Maysa, o reconhecimento e o respeito por que tanto lutou, e cabe a nós respeita-la, – acima de tudo e de todos – o grande público, somos nós. Uma artista que lutou tanto ao longo da vida, e sofreu ainda mais por isso, merecia de nós, muito mais que o triplo do respeito e do reconhecimento que tem hoje em dia. Maysa foi uma grande heroína da MPB, mas falta, reconhecer esta grande heroína que ela foi. O Brasil ainda ama – e muito – Maysa, mas assim como faz com outras vozes, preferem adormece-las na memória. E neste país sem memória, heróis como Maysa, não podem ser esquecidos nunca. Está em nossas mãos, se ela fez tanto por nós, cabe a nós credita-lo o respeito e o reconhecimento que farão jus a sua memória.

Fim?

4 de março de 2011

Poema: "Imensa Distância"


Imensa Distância

Fui na madrugada buscar nossas vidas,
quis juntar nossos medos ainda
e cantei nossa estranha canção.

Tudo que eu disse
se perdeu nas horas à toa
e fui perdendo a razão na sua demora
quando o dia nasceu
pra eu morrer outra vez.

É, você não trouxe nossa magia
no nosso longo vôo.
Nossa imensa distância
dormiu sem solução.
Ainda me entreguei a mil maldades
fui nós dois
e machucada, me deu pena
a certeza de que vai ser sempre assim!

Ah! Se eu conseguisse
poder na sua ausência
nos caminhos que eu me traço
e no meu enorme cansaço,
adormecer por nós dois.

Maysa