7 de julho de 2022

Escrava de sua alma - entrevista na Argentina, 1971


“Escrava de sua alma”





 Durante várias horas, se manteve entre Maysa e SEMANA, um diálogo intenso em que a grande cantora brasileira desnudou sua alma e convocou seus demônios. O que surpreendeu neste diálogo com o jornalista foram as incríveis revelações e ela, por sua vez, foi surpreendida com uma anedota doce e terrível.
- “Não só o sonho da tumba da terra se repete há muito tempo. Também sonho que vôo. Eu nasci para voar... Para ser livre. Sempre sonho que vôo... Ou que estou na tumba”. 

 - Sobre drogas: “Provei as drogas, logicamente. Eu gosto de provar tudo. Mas não gostei delas. Gosto é do efeito da bebida, embora não goste do seu gosto”. 

 - Sobre análise: “O que se passa lá, não me interessa. Se perde muito tempo. E eu não tenho tanto tempo para perder – ou para ganhar. O melhor tratamento é estar ao lado de gente que me interessa, e fazer o que tenho vontade”. 

 - Sobre Deus: “Creio no verde, vejo um Deus maior, e não aquele que me foi ensinado no catolicismo”. 

 - Sobre a infância e a primeira juventude: Afastada pelos pais, como interna, em um colégio de freiras: “Saí de lá um pássaro ferido com a pata atada a uma correntinha lançando a liberdade ilusória do céu que, de pronto, se converte outra vez na caixa negra e, asfixiante de um matrimônio com um homem obtuso, um verdadeiro quadrado. Tinha dezessete anos e meio e pensei que iria abandonar a janelinha quadrada do colégio, e cair em uma gaiola. Desde então, não podia dormir e comecei a tomar comprimidos”. 

 Mas, foi neste colégio que lhe condicionaram o inconsciente para a pulcritude moral, as exigências ascéticas, a escravidão às normas estritas a cerca de sexo e a vida “ordenada”, porta estreita por onde teve que passar empurrada também pelos pais e pelo marido, um homem muito mais velho do que ela. Quando resolve romper com seu primeiro marido e se deixa levar mais livremente pelos sentimentos amorosos (leia-se sexuais) além do gosto crescente pelo álcool, concessões todas que dá a si mesma, desde sua consciência ansiosa de liberdade, começa o terrível e destruidor conflito. Seu inconsciente segue clamando pela “velha ordem”, o ascetismo, a sujeição sexual a uma pessoa com a qual está “casada perante à lei”, mas sua razão, empurrada por seus desejos, a coloca no meio da liberdade mais absoluta e faz com que ela, desde o fundo de sua alma escravizada à família (“adoro os meus pais”) e a religião (“creio em um Ser superior”), passe a se considerar uma LIBERTINA.

 - Sobre Miguel: “Um amigo excepcional, por que... Marido somente, é muito pesado!”

 - Sobre suicídio: “Sempre tenho a sensação de que me vigiam, de que não aceitam minha forma de viver. Então, isso me violenta e busco a solução mais fácil. Eu busco, desesperadamente, amizade; em vez de amizades encontro sempre acusações. Sempre não, aqui em Buenos Aires, não. Aqui me sinto bem... Amo essa cidade, onde, além disso, debutei como cantora. Aqui tenho verdadeiros amigos. Aliás, no Rio, retorno ao meu cárcere do hotel, com as montanhas por trás e o mar pela frente. Aqui, por fim, me sinto livre outra vez.” 

 - Sobre show em Mar del Plata: “Tenho medo do frio. Eu gosto do calor, deve ser por isso que sigo vivendo, de algum modo, no Rio. O calor... tomar banho de sol. Algum dia vou para uma ilha sozinha e ver se me encontro comigo mesma.” “Se tivesse que deixar alguma das duas coisas que faço o jornalismo e o canto, deixaria o canto, porque me machuca toda essa maquinaria do comércio que se faz com os discos, toda essa gente que não me interessa para nada e que me obriga à concessões permanentes desde o início da minha carreira.”





(Entrevista concedida ao jornal argentino SEMANA na ocasião da última turnê de Maysa em Buenos Aires, em 1971).