8 de fevereiro de 2017

Maysa, o medo e a falta de sol - Diário de Notícias, 1963




Texto de Fernando Lobo

A vida é um quarto escuro mesmo e Maysa é uma criança ainda. As águas do tempo passam, mas ela será sempre criança, pois sendo só e sendo o bem das horas, minutos e segundos, não ganhará jamais o ritmo de ser só, de ficar só. Então se sabendo grande, esconde o medo empurrando a coragem do álcool, a presença do amor que não é amor, mas é presença, é segurança, é fala, é voz; não é amor, mas é alguém ao seu lado.
Que procura essa estranha mulher? Que quer ela? Para onde quer ir e onde está?
O silêncio de resposta é grande. Ontem ela ria, porque em volta havia um bando de meninos da “bossa nova” que cantaram sambas, que imploraram gravações para seus sambas “geniais”. Depois o bando voou, ao encontro das bem-amadas. Maysa ficou só, com acordes de colcheias e semitons nos seus ouvidos. O bando não a levou. Cumpriu missão de colocar música e depois se foi. A estrela ficou só, com seu Deus e sua estrela.
Agora ela diz que há um verdadeiro amor em sua vida e que ficou lá na Espanha. Não! Não é este ainda. O seu homem está num continente que pode ser a um mundo de milhas de distância ou a um palmo da sua mão. Ele não veste a farda nova dos novos de agora, nem tem nas mãos a arma moderna de um violão em dissonância. Deve ser homem, alegre, musical, bom, mas de passadas firmes, olhar firme e amor seguro por você. Mãos longas que segurarão suas mãos de menina. Passos firmes a mostrar como se caminha na estrada longa você que engatinha ainda. Ele será o homem procurado e que não está dentro da cortina de fumaça da noite, nem debruçado no balcão meloso do bar, muito menos com o rosto maquilado a pedido da noite. Será um homem de sol, de dentro para fora, homem dos peixes, amigo do mar, cheirando a sargaço, a seiva, a vida e transbordando amor para quem está oca, assim como você. E ele será inteiro seu. Então você saberá do sol, junto ao sol, provando e bebendo sol, que é o que falta às suas entranhas como remédio único para afastar o medo e a coragem de só não ter medo se afogando em lua...
Que estranha mulher é esta, que procura no vazio um alento, que encontra o alento procurado e o atira para o ar em troca de lágrimas e sofrimentos? Que estranha mulher é esta, que não se escondeu nos quatro cantos de um lugar comum, para que pudesse ter nos lábios sempre pragas. Que estranha mulher é esta, que tem em sua volta o ouro da fama, do metal, da glória, do êxito, ao ritmo das palmas e das flores? Estranha mulher, Maysa estranha que, quer um mundo maior que seu mundo, um Deus maior que seu Deus, uma estrela mais clara que a mais clara estrela que é sua. Ela vê as horas, escuta as águas do tempo correndo, correndo, seguindo sem passar e teme que seus cabelos sigam com elas e voltem brancos de neve. Maysa medrosa, Maysa covarde, Maysa fingindo ganância, com a soberba enfiada no peito como um punhal a não deixar que saia dos seus lábios a confissão mais certa, aquela que começa dizendo “eu quero mamãe, eu tenho medo...”


(Matéria publicada originalmente no jornal carioca Diário de Notícias em 1963)