18 de fevereiro de 2013

Especial: Tempo di Samba - Itália, 1967

Tempo di Samba


Em 1967, o canal de televisão Programma Nazionale; (hoje chamado RAI 1); convidou Maysa para participar de um especial da emissora sobre música brasileira. Produzido por Giorgio Calabrese, com roteiro de Armando Nobili, direção de Vito Molinari, e orquestra regida pelo maestro Gigi Chicherello, o programa Tempo di Samba – apresentado pela belíssima Raffaella Carrà – foi responsável por realizar um encontro inusitado entre três intérpretes distintos da música brasileira, – Maysa, Astrud Gilberto e Roberto Carlos. Mas, o encontro, tão imprevisível assim, teria sido obra da própria Maysa – já que ela era a atração principal do programa, e seria responsável por convidar Astrud Gilberto e Roberto Carlos.

O programa iniciou logo com Maysa cantando “Tristeza”, samba do carnaval de 1966, de Haroldo Lobo e Niltinho – gravado por ela no ano anterior, no LP Maysa. Antes disso, Raffaella Carrà faz uma introdução à música brasileira, e o dito ‘samba’, do título do programa. Além de elogiar o italiano falado por Maysa, ela observou que aquele especial não era dedicado apenas à música brasileira, mas também era em homenagem à própria Maysa.

A seguir, Astrud Gilberto – apresentada como ‘uma das maiores expoentes da Bossa Nova’, cantou “Samba de Verão”; de autoria dos irmãos Valle, com letra em italiano. Em seguida, Roberto Carlos era definido como o maior expoente da ‘geração beat’ brasileira, leia-se – a Jovem Guarda, e cantou “Namoradinha de um Amigo Meu”. Dando prosseguimento, Astrud interpretou a marcha-rancho “Tristeza”, do casal Luis Bonfá e Maria Helena Toledo. Em um certo momento do programa, a italiana Raffaella Carrà, bastante desajeitada, chegou até a arriscar alguns passos de samba – sendo observada por Maysa; que literalmente, parecia rir por dentro.

 É necessário lembrar que Roberto Carlos viria a ser bastante conhecido na Itália naquele ano, por ganhar o Festival de San Remo com a música “Canzone Per Ti”, de Sérgio Endrigo. O Rei também cantou um de seus maiores sucessos – “Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim”, em versão italiana, chamada “Io Sono Un Artista”. O mesmo fez Maysa, que cantou o “Samba em Prelúdio” de Baden Powell e Vinicius de Moraes com letra em italiano. Vale ressaltar que Maysa jamais registrou “Samba em Prelúdio” em disco. Ela também cantou – em playback – a canção “Dirgli Solo No”, registrada naquele mesmo de ano de 1967, como parte da trilha sonora do filme A Qualquer Preço (Ad Ogni Costo, 1967), como ela mesma fez questão de explicar aos telespectadores.

Na última parte do programa, todos os quatro se juntaram – cantando em pot-pourri – acompanhados pela orquestra do maestro Gigi Chicherello. Nessa seqüência, Maysa cantou trechos de “Na Baixa do Sapateiro”; de Ary Barroso, “O Barquinho”, e “Meditação”. Estas duas últimas, músicas que ela já havia gravado em discos no Brasil. Já Astrud Gilberto, cantou “Samba de Uma Nota Só” e “Garota de Ipanema”. E Roberto Carlos tratou de cantar uma versão inusitada – em ritmo de Bossa Nova – do seu sucesso, “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”, e a marchinha “Brigitte Bardot”. Até Raffaella Carrà, que só se lançaria como cantora dali á três anos, interpretou duas músicas em italiano.  Ao final, todos cantaram em coro – “A Banda”; de Chico Buarque.

Nos momentos finais do programa, Maysa não perdeu a oportunidade de aprontar uma daquelas, como só ela sabia fazer. Antes de encerrar a emissão cantando o afro-samba “Canto de Ossanha” de Baden e Vinicius, Maysa tentou explicar para a apresentadora, as raízes daquela canção, que remetia à atmosfera do candomblé, das raízes negras e africanas, e dos orixás da macumba. Contudo, quando La Carrà indagou Maysa ‘como se pronunciava ciao (olá) em brasiliano’, a cantora não pensou duas vezes. Respondeu prontamente, ‘saravá’ – palavra de origem africada que pode signicar ‘salve’, ou ‘viva’. Sendo assim, Raffaela Carrà – bem inocente da brincadeira de Maysa – se despediu ao som de um bem alto e sonoro saravá. Logo a seguir, Maysa encerrou o especial cantando o “Canto de Ossanha”, com letra em português e italiano.

Tempo di Samba, é possivelmente uma das melhores aparições que já vimos de Maysa na televisão. A cantora está demonstrando uma segurança muito boa de se ver, e uma incrível versatilidade musical. Diferente de outras participações em vídeo – quando ela, por diferentes razões – parecia estar desconfortável ou insegura. Tempo di Samba nos mostra uma Maysa muito bonita, que já havia completado trinta anos, dez de carreira – e pelo menos ali, parecia estar segura de si mesma, desfrutando de um certo  prestígio num país estrangeiro.  A produção do especial foi cuidadosa. Os cenários amplos, seguindo um estilo de ‘desconstrução’ são típicos da tevê italiana dos anos 60. Maysa também trocou de roupa e penteado mais de duas vezes, o que evidencia o capricho da produção. Os arranjos da orquestra de Gigi Chicherello, souberam executar com precisão as canções de Samba, e sem desvirtuar o ritmo da Bossa Nova. Outro destaque, vai para a iluminação em contraste e os movimentos de câmera, que acabaram por valorizar ainda mais a ótima forma de Maysa. 

É preciso ressaltar que a cantora chegou sim, a gozar de um certo prestígio na Itália, onde alugou por alguns meses uma casa em Viareggio, litoral da Toscana. Afinal, Maysa, inclusive, se apresentou na boate La Bussola – localizada em Marina di Pietrasanta, região da Toscana. La Bussola, fundada em 1955, é famosa por ser um palco de referência no cenário italiano para artistas nacionais e estrangeiros. João Gilberto já havia cantado lá, cerca de três anos antes de Maysa, e novamente, três anos depois, seria a vez de Chico Buarque. Maysa pode fazer bons contatos em Milão. A prova disso, foi ter sido convidada pelo renomado maestro Ennio Morricone, a gravar duas músicas para a trilha sonora do filme A Qualquer Preço. Além disso, a própria participação de Maysa no especial Tempo di Samba, evidencia o quanto ela era bem recebida ela foi na Itália, ainda que para um público muito menor. Mesmo que ela não tenha sido um grande estouro na Itália (e de fato não foi)  como Roberto Carlos, era a principal atração de um especial de televisão sobre a música do seu país. Isto é, ou não é, um reconhecimento?!

Aproveitando o sucesso que a Bossa Nova fazia na Itália,  a participação de Maysa no programa, serviu para que a CBS lançasse por lá o malfadado disco Barquinho, justamente com o título de Tempo di Samba

Tempo di Samba 

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5 - fim

Números musicais apresentados por Maysa

"Tristeza"

"Samba em Prelúdio"

"Dirgli Solo No"

"Canto de Ossanha"