29 de junho de 2010

Coluna: Música da semana


"Demais"

Maysa (1964)


Maysa (1966)

Canecão apresenta Maysa (1969)


Autores: Tom Jobim e Aloysio de Oliveira

LPs: Maysa (1964), Maysa (1966), Canecão apresenta Maysa (1969)

Análise:
Poucas vezes na música brasileira uma intérprete se apropriou tanto de uma música como Maysa tomou "Demais" para si. Foi uma associação imediata, que faz com que pouca gente se lembre que a música é de autoria de Tom Jobim numa parceria com Aloysio de Oliveira, deixando os desavisados de plantão creem que a música é obra da própria Maysa. É bem verdade que ela apresenta uma grande semelhança com o clássico norte-americano "The End Of a Love Affair", música que Maysa já havia registrado no mítico LP Maysa Sings Songs Before Dawn de 1961. Basta comparar as duas canções para tirar a prova, mas, agora a sensação daquela música em sua voz era totalmente diferente. Se a canção não era obra dela, ao menos tinha livre inspiração em sua pessoa.

A música já havia sido gravada anteriormente por Sylvia Telles em 1959 e ainda receberia inúmeras interpretações posteriores em vozes consagradas como as de Ângela Rô Rô e Ney Matogrosso. Mas nenhuma interpretação conseguiu superar a originalidade da de Maysa. A identificação foi imediata e aqueles versos “Todos acham que eu falo demais e que ando bebendo demais, que essa vida agitada não serve pra nada, andar por aí, bar em bar, bar em bar.” Se tornaram quase um prefixo dela.

O primeiro registro da canção na obra da cantora data do espetáculo histórico no Au Bon Gourmet em 1963. Após uma introdução triunfal que incluía alguns acordes de "Ouça", ela entrava em cena arrasadora cantando os primeiros versos de "Demais". Aquela música, com um significado tão forte, cantada na voz de Maysa em ritmo de desabafo, tinha um efeito devastador na mente e principalmente no coração, ali, após os últimos versos da canção ela emendava em uma versão ainda mais desconcertante de "I’Ve Got You Under My Skin" de Cole Porter, sucesso na voz de Frank Sinatra. Era realmente de tirar o fôlego da platéia. "Demais" parecia ter sido feita para a própria Maysa, tal foi a assimilação entre intérprete e música. Felizmente, a temporada antológica seria lembrada em um marcante LP ao vivo lançado pela famosa gravadora Elenco do mesmo Aloysio de Oliveira.

Daí por diante, "Demais" se tornou uma constante em sua carreira, marcante, também se tornou a versão combinada em pot-pourri com "Meu Mundo Caiu" e "Preciso Aprender a Ser Só", a famosa Fantasia de Trombones. Lançado pela primeira vez no LP Maysa de 1966, era uma versão glamourosa e muito grandiosa, repaginada por um toque jazzístico. Esta primeira versão também se tornou famosa por ser o tema de abertura da minissérie Maysa – Quando fala o coração de 2009 que narrou a vida e obra da cantora. "Demais" ainda acompanharia Maysa naquele mesmo pot-pourri em sua antológica temporada no Canecão em 1969, também lembrada em um famoso LP ao vivo.

A canção em tom de desabafo, expõe as aflições e os percalços do personagem principal que anda com a vida agitada, falando e bebendo demais. Rodeado pelos comentários maledicentes de muita gente que acha que ele não larga o cigarro e dirige seu carro correndo e chegando sempre no mesmo lugar. O que ninguém sabe é que isso acontece porque ele vai passar a vida esquecendo, fugindo de um amor. É por isso que ele fala demais, que ele bebe demais, e a razão por que ele vive essa vida agitada demais, é porque o seu amor é enorme demais. Ora, era uma clara licença poética da vida de Maysa, uma vida agitada levada entre garrafas, cigarros e amores.

Mas se não temos esta, podemos ter apenas uma certeza – Demais é Maysa e Maysa é Demais.



25 de junho de 2010

Estilo: Maysa em letras


Maysa em letras


E me deram a difícil missão de definir Maysa, dissecar Maysa em letras. Seria possível? Não seria uma missão inútil? Como decifrar uma mulher de tão complexos sentimentos, um ser humano povoado por várias emoções enlaçadas como num turbilhão. Uma alma emaranhada por emoções confusas, preenchidas por uma inteligência espantosa, dotada de um talento brilhante. Não disseco Maysa, não definiria Maysa, não saberia e nem é de minha vontade realizar tal feito pois poderia lhe definir erroneamente. Prefiro que todos continuem com suas opiniões sobre o mito Maysa, uma única definição seria perigosa demais.

Uma cantora singular em todos os sentidos, intérprete de mil faces. Passional, emocionada, arrebatadora, por vezes dramática e trágica. Ou até animada e contagiante. Maysa era a mulher que ia com a coragem de quem e vai e regressava com o orgulho de quem volta. Por isso digo que não saberia lhe responder a primeira questão...talvez, sua melhor definição viria dela própria, porém, um dos que mais chegou perto desta, teria sido o poeta exagerado, Cazuza“Maysa é o futuro. O futuro do amor como flor, como luz.”

Seria tão mais fácil definir a música de Maysa, ficaria com esta tarefa, apesar, de ainda querer me aventurar pela primeira questão. A música de Maysa é um canto interior, um canto que vem pela boca mas nasce na alma, o som do coração, palavras colhidas ao vento. A Maysa compositora é tudo de mais verdadeiro que possa aver, pois Maysa compunha com o coração, mergulhada naquele mar de sensações, envolta por um turbilhão de sentimentos. O brilhantismo de Maysa consistia em transformar em letra sua dor, seu amor, todo aquele turbilhão de sentimentos.

Um canto que é de forma universal, ela sabia que também cantava a dor de todos os homens. É daí que nascem  aqueles versos tão pessoais – “Tarde triste me recorda outros tempos, que saudade, que saudade.” Angustiada – “O que, que eu estou procurando, no vago aflita olhando?” tantas palavras colhidas ao vento por Maysa, palavras estas que ela transformava em poesia, poesia esta que por sua vez a tornam indecifrável.

Se seu canto era de amor, também poderia ser de paz, assim como se mostrava aflita, angustiada e perdida – “Que somos todos juntos, que estamos todos juntos na busca inútil de sermos separados.” Chego ao fim da minha procura e ainda busco as mesmas palavras para definir Maysa, já disseram muito e quase nada. Pois então seria mais fácil reunir todas as palavras – amor, renascimento, paixão, música, fênix, coração, vida, canto, dor, coragem, felicidade, beleza, intensidade. Se ainda arrisco uma única definição? Furacão Maysa.

18 de junho de 2010

Espetáculo: A Maysa de Hoje no Canecão (1969)


A Maysa de Hoje no Canecão

Canecão Apresenta Maysa um de seus mais famosos álbuns, gravado ao vivo durante a antológica temporada.

9 de maio de 1969,

Na cervejaria Canecão no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro após o barulho caótico de gargalhadas, risos, conversas e cadeiras o silêncio agora era sepulcral. Com as luzes apagadas, a platéia de aproximadamente 2.000 mil pessoas assiste fascinada as imagens no telão do palco. As primeiras imagens da projeção mostravam uma Maysa gorda, vestida a rigor que caminhava pela rua deserta a noite, com cara amarrada em direção ao mar. Na cena seguinte, via-se um incrível contraste. Era manhã e fazia Sol, uma outra Maysa, magra e de roupa despojada, aparecia sorrindo na praia. Ao fundo ouve-se a voz do poeta Manuel Bandeira declamando os famosos versos do eterno poema dedicado á ela.

Ao final da projeção o escuro novamente toma conta e um refletor acompanha a entrada da cantora e no fundo do palco vai surgindo a figura de Maysa, belíssima, ela entrava em cena com uma túnica marroquina bordada a ouro em tons de azul e rosa. Cantando a inesquecível Demais “Todos acham que eu falo demais e que ando bebendo demais.” Era o já famoso pot-pourri mesclando Demais, Meu Mundo Caiu e Preciso Aprender a Ser Só. Após o primeiro número, viria a primeira de uma noite de surpresas.

A primeira era ver Maysa interpretando Pra Quem Não Quiser Ouvir Meu Canto, de César Roldão Vieira, jovem compositor de 25 anos que se destacara na terceira edição do FIC em 1968. A música, com seu tom autobiográfico, parecia obra da própria Maysa, “Quem não quiser cantar comigo não faz mal, canto pra mim e canto por sinal pra não morrer.” Ao final da canção ela agradecia as palmas e falava à platéia:

“Quando nós ensaiamos este show, ensaiamos uma coisa complicadíssima para dizer a vocês com respeito à saudade. Eu acho que saudade é algo bastante complicado para a agente complicar ainda mais. A única coisa que eu queria dizer é que vocês me recebam com o mesmo carinho com que eu volto pra vocês. Muito obrigada.”

O espetáculo prosseguia com uma emocionante interpretação de Por Causa de Você em homenagem a Dolores Duran, combinada com Dindi de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira. Dali por diante, se seguiram uma série de surpresas e nostalgias que encantou o público do Canecão. Ninguém esperava, mas todos adoraram ver Maysa cantando Se Você Pensa de Roberto e Erasmo Carlos “Daqui pra frente, tudo vai ser diferente, você tem que aprender a ser gente.” Dançando com um balé moderno ao fundo. A seguir, Maysa desaparecia por alguns minutos e retornava para a segunda parte do espetáculo vestindo uma longa saia branca de seda, coberta por longas franjas de vidrilho pendendo da blusa negra, de organza quase transparente. Cantou perante um silêncio abissal Ne Me Quitte Pas. Aquela altura, Maysa já havia se apropriado tanto da canção que ninguém mais lembrava que ela era do belga Jacques Brel.

Aos primeiros acordes de violão da próxima música, viria o momento máximo da noite: dois bailarinos negros se aproximaram de Maysa e para surpresa de todos lhe arrancaram a longa saia branca, deixando-a de minissaia negra com pernas gloriosamente á mostra, dançando junto ás franjas brilhantes de vidrilho que pendiam dos ombros e da gola da blusa. O Canecão inteiro foi ao delírio com Maysa intepretando Light My Fire, sucesso de Jim Morrison incluído no álbum de estréia da banda The Doors, lançado naquele mesmo ano de 1969. a vibração de Maysa contagiava o público, encantado com o espetáculo.

Após a gandaia de Light My Fire, em clima de nostalgia, ela interpretou grandes sucessos da carreira, como Chão de Estrelas, perante um público boquiaberto, ao final da canção, foi ovacionada por vários minutos. Logo a seguir, emendava três grandes sucessos do começo da carreira: Tarde Triste, Meu Mundo Caiu e Ouça, para devaneio do público que aplaudia maravilhado. Após uma inspirada interpretação para Eu e a Brisa do saudoso Jhonny Alf, uma Maysa animadíssima interpretava Dia de Vitória e Dia das Rosas, levantando todo o Canecão. Com esta última, ela havia conquistado o 3º lugar e o prêmio de melhor intérprete da fase nacional no I FIC em 1966.

Para o último número da gloriosa noite, ela reservara Se Todos Fossem Iguais a Você, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, um dos maiores sucessos de sua carreira. Nos últimos versos da canção, ela fazia uma sensível homenagem ao público trocando o singular pelo plural: “Existiria a verdade, verdade que ninguém vê, se todos fossem no mundo iguais a vocês, vocês, vocês.” Ao final, todo o Canecão extasiado abraçava Maysa, ovacionando-a por vários minutos.

É bem verdade que ela estava muito mais bonita, ela já havia reaparecido no Brasil magra alguns anos antes, mas agora, após uma longa ausência, seu retorno parecia mítico, triunfal, ainda mais bela. A silhueta estava sendo mantida à custa de uma rigorosa dieta e um punhado de anfetaminas, inibidores de apetite. O sorriso também era novo: Em Los Angeles, Maysa optara por um tratamento radical, logo após a última saída do Brasil, substituindo os dentes naturais, danificados pelo álcool e pela nicotina, por implantes. Os cabelos também estavam diferentes, provando sua fama de camaleoa, os fios estavam castanho-claro com reflexos loiros, mais compridos e penteados para trás levemente desalinhados, davam-lhe uma aparência leonina que dali por diante marcaria sua figura.

O espetáculo era realmente uma super produção, digna dos mais glamourosos musicais da Broadway. O Canecão fora toda reestruturado para o show, quando foram instalados projetores de cinema e sistemas de som e luz avançadíssimos para a época. Todo dirigido e coreografado por Nino Giovanetti, com produção musical de Paulo Moura e um total de 30 pessoas em cena, entre músicos e bailarinos. Maysa trocava de roupa cinco vezes, com um figurino refinado e impecável. Ousada e inovadora, naquele momento era dificílimo definir o verdadeiro estilo de Maysa, quebrando todos os rótulos lhe impostos, ela agora aos 33 anos, demonstrava uma jovialidade e alegria que não se via aos 23. Realmente, sua jovialidade viera com o tempo. Agradecendo a platéia, distribuindo sorrisos ao público, parecia um renascimento de uma nova Maysa, de um novo modo de cantar e viver, o público amou, a mídia também.

“Maysa está bonita, está linda” disse o Jornal do Brasil. “Essa parte do corpo de Maysa nem o Bandeira conhecia, por isso não pode louvar.” Comentou a Última Hora. “Maysa vibra do principio ao fim do show, vibração que consegue comunicar ao salão inteiro.” Comentou Zózimo Barroso de Amaral na Última Hora. “A jovialidade de Maysa, inexplicavelmente veio com o passar do tempo.” Constatou O Globo. A crítica era unânime ao sucesso do espetáculo, a Veja arriscou uma definição para a nova fase da cantora: Fossa Nova. Já o velho guerreiro Chacrinha, ia direto ao ponto na Última Hora: “Vai ser boa assim no inferno, sua danada.”

Ali, Maysa inaugurava um novo capítulo na história da música brasileira ao quebrar um velho tabu. Ponha em xeque o preconceito de que bons artistas não podiam se apresentar em casas populares para grandes platéias. “Não quero fazer mais showzinhos para deleitar meia dúzia de bacanas. Vamos acabar com essa história de que só grã-fino tem o direito de ouvir boa música. Quero cantar agora para todo mundo ver, até mesmo o bombeiro hidráulico lá de Cascadura.” Afirmara. Depois daquela sua temporada no Canecão, que duraria em torno de um mês com aproximadamente 30 shows, atraindo uma média de mil pessoas por noite, isso se tornara moda, algo antes inimaginável.

Maysa realmente inaugurara o Canecão para a MPB, transformando aquilo no que é hoje: um palco sagrado para as personalidades da música brasileira, gente do porte da própria Maysa, Elis Regina, Tom Jobim, Milton Nascimento e Chico Buarque. Enquanto na época os artistas ainda se apresentavam em boates acompanhados por trio ou quarteto, Maysa dava-se ao luxo de contar com uma verdadeira orquestra de sopros e cordas regida por Paulo Moura, no melhor estilo dos musicais americanos. Também caía por terra outro preconceito: o de que muitas pessoas tinham de ir a uma cervejaria para assistir um show de música popular. A reação da platéia era exatamente um dos problemas apontados pelas pessoas que queriam fazer com que Maysa desistisse de se apresentar em um lugar imenso como o Canecão. Afinal, o que se esperar de um local em que a entrada cobrada ao preço de apenas 10 cruzeiros ainda dava direito a uma rodada de chope de graça?

Maysa arrastou dezenas de populares ao Canecão durante sua temporada, mas, também forçou a elite á vê-la. Não foram poucas as figuras ilustres carimbadas dentre as quase duas mil pessoas na Cervejaria. Martha Vasconcellos, a brasileira que no ano anterior se consagrara como Miss Universo 1968, foi fotografada a uma mesa da casa, rendendo homenagens a Maysa. O ex-presidente e fã declarado Juscelino Kubitscheck teve de voltar da porta junto com a mulher, dona Sarah, porque não comprara ingresso antecipado e todas as mesas já estavam lotadas. O jornalista João Saldanha, técnico da seleção brasileira de futebol, foi aplaudido pela platéia ao ser reconhecido por trás de uma caneca de chope antes de a cantora entrar em cena. Julie London, que estava de visita ao Brasil, fez questão de cumprimentar Maysa nos camarins depois do show.

Pouco antes de assinar contrato com a cervejaria, Maysa desistira ou adiara todos os compromissos agendados, entre eles, estava uma temporada na badalada boate Sucata de Ricardo Amaral que viria a ser cumprida alguns meses depois. O próximo passo após a temporada carioca no Canecão era levar o show a São Paulo, no Urso Branco, a cervejaria de Aloysio de Oliveira. Inclusive, lá a despeito do título seria gravado um dos mais famosos álbuns de sua carreira: Canecão Apresenta Maysa. O melhor registro audiovisual do celebrado show. Tanto sucesso não era esperado. Entre as fórmulas, a união de grandes sucessos da carreira, ás surpresas do repertório e a ousadia da Maysa dançante de pernas de fora, foram umas das causas apontadas para o retumbante sucesso do espetáculo. O show causou um furor incrível que monopolizou as atenções da mídia e do público para Maysa em 1969. comparecer ao show do Canecão tornou-se roteiro obrigatório na cidade durante aquela época, a temporada é lembrada até hoje como uma das mais antológicas da mítica casa de shows. O espetáculo entrou para a memória daquela geração e dos fãs de Maysa naquele ano de 1969, no auge de sua carreira. Uma Maysa ousada, inovadora, alegre e muito mais Maysa. Um episódio para recordar.

Uma Maysa alegre e sorridente encantava a platéia de quase duas mil pessoas no Canecão.

Dançando de pernas de fora no Urso Branco de São Paulo. Ousada e glamourosa: de minissaia e franjas brilhantes de vidrilho.

Figurino impecável: mini-vestido preto de organza transparente com pantalonas negras de cetim.










15 de junho de 2010

Coluna: Disco da semana


Barquinho


Gravadora: Columbia - 37161
Ano: 1961
Faixas:
1- O Barquinho (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
2- Você e Eu (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes)
3- Dois meninos (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
4- Recado à Solidão (Chico Feitosa)
5- Depois do Amor (Normando / Ronaldo Bôscoli)
6- Só Você (Mais Nada) (Paulo Soledade)
7- Maysa (Luíz Eça / Ronaldo Bôscoli)
8- Errinho à Toa (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
9- Lágrima Primeira (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
10- Eu e o Meu Coração (Antônio Botelho / Inaldo Villarin)
11- Cala Meu Amor (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
12- Melancolia (Luíz Eça / Ronaldo Bôscoli)

Análise:
Quando Barquinho foi lançado no segundo semestre de 1961, o impacto foi imediato diante do público e da crítica, ninguém acreditava que aquela cantora, outrora, a rainha da fossa e musa absoluta do samba-canção apareceria ali naquele LP interpretando a ensolarada "O Barquinho" da dupla Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal. Música que acabaria dando título ao álbum no lugar do nome dantes escolhido, Maysa e a Nova Onda. Como esclarecimento, é necessário explicar que Maysa foi a primeira intérprete a gravar "O Barquinho", não Pery Ribeiro ou Nara Leão, a musa inspiradora original da canção. Com o fim do romance com Nara, Bôscoli se sentiu confortável para fazer dela, o carro-chefe do LP. 

Entretanto, engana-se quem pensa que foi simples a conversão oficial de Maysa à nova onda. A faixa título do álbum, teve de ser editada várias vezes, até que se obtivesse um ajuste satisfatório da voz de Maysa ao ritmo da bossa nova. Ela que estava acostumada ao tom passional das interpretações do samba-canção, custou a se adaptar ao balanço suave e descompromissado idealizado por Bôscoli. “Maysa, não é diá de luz, não existe diá, Maysa, é dia, entendeu? Dia! Dia! Dia! Para com esse negócio de diá de luz.” Esbravejava Ronaldo Bôscoli durante as gravações no estúdio.

Das doze faixas do disco, seis foram gravadas com orquestra e as outras seis apenas com a turma que acompanhara Maysa na Argentina (Luiz Carlos Vinhas, Roberto Menescal, Hélcio Milito, Bebeto e Luiz Eça). Para produzir os arranjos do disco, Bôscoli chamou Menescal e o pianista Luizinho Eça. Além de "O Barquinho", havia mais três faixas da dupla Bôscoli e Menescal, eram elas –  "Dois Meninos", "Errinho à Toa", e "Lágrima Primeira". Bôscoli também assinava mais três canções no LP, a primeira era uma parceria com Normando Santos, "Depois do Amor", uma espécie de samba-canção moderno e sensual que provocou rebuliço e acabou sendo barrado em muitas emissoras de rádio na época. Tudo por causa de um verso, aos nossos olhos atuais inocentes, mas, ousado demais para os padrões da época: “No seu corpo nu, existi".

Havia ainda mais duas faixas de autoria de Bôscoli no LP, ambas em parceria com Luizinho Eça, eram duas "homenagens" à Maysa - "Melancolia" e uma outra homenagem explícita à intérprete do disco, intitulada justamente "Maysa": “Pra te achar eu perdi minha paz, mas te achar foi achar-me demais”. Além de uma confissão clara de amor, naquele último versinho ele fazia troça com o fato de Maysa o considerar o “rei do charme.” Bossa nova também era a ginga de "Recado à Solidão" de Francisco Feitosa, o “Chico fim de noite”, ex-secretário de Vinicius de Moraes; e por falar nele, seu nome não poderia ficar de fora de um disco que justamente representava a entrada oficial de Maysa no movimento, dele haviam "Você e Eu", parceria com Carlinhos Lyra e "Cala Meu Amor", composta com Tom Jobim.

No disco havia também “Eu e o Meu Coração” de Antônio Botelho e Inaldo Villarin e "Só Você" (Mais Nada) de Paulinho Soledade - um bolero provocante relido pela ótica bossa-novista. Na capa do LP, pela primeira vez Maysa dividia o espaço com mais alguém. Na imagem, lá estava ela acompanhada da turma, a bordo de um barquinho, no fundo, via-se presença do Pão de Açúcar, sentado sobre a enseada de Botafogo. Era uma capa colorida e ensolarada, cheia de luz, muito bonita, diferente dos primeiros trabalhos sempre muito clássicos. Na contracapa, vinha um texto de Bôscoli: “A técnica vocal de Maysa atinge aqui seu definitivo esplendor. Vocês descobrirão em cada faixa desta gravação a terceira dimensão de Maysa.” Ao lado, algumas linhas assinadas pela cantora, que julgava aquele, ser o melhor LP de sua carreira: “Não abandonei minha característica romântica, mas procurei acrescentar a ela um toque absolutamente moderno, Barquinho, certamente os levará a mares nunca dantes navegados, velejemos comigo na nova onda.” Na época, parcela considerável da crítica preferiu torpedear o barquinho de Maysa e seus fãs mais conservadores iriam acusa-la de ter subido a bordo não de um barquinho, mas sim, de uma bela canoa furada.

De fato, não era um disco ruim, não mesmo, pelo contrário, os arranjos lhe conferiam uma sonoridade moderna e sofisticada. Porém, grande parte da crítica não entendia, muito menos aceitava a incursão da tão tradicional rainha da fossa pela inovadora e moderna bossa nova. Buscando atualizar o seu trabalho, Maysa encontrou problemas e críticas ferozes. Torpedeada pela mídia e acusada por todos os lados, somando a má recepção do disco, a Columbia em poucos meses desistiu da divulgação e distribuição do LP, retirando-o de catálogo pouco tempo depois. O disco gravado em regime de freelancer, acabou sofrendo todas as consequências das críticas da incursão de Maysa pela nova onda. Era um LP histórico, uns dos primeiros e mais famosos discos de bossa nova já gravado no Brasil.

Mas não era somente a ala mais conservadora à criticar Maysa, até bossa-novistas clássicos como Carlinhos Lyra julgava um erro sua incursão pelo movimento. Ainda havia quem acusassem-na de oportunismo, de querer pegar carona em um movimento jovem que não tinha espaço para sobreviventes de uma era que ficará para trás. Julgavam-na de aproveitadora por querer embarcar em uma nova onda, só para se salvar do ostracismo abissal a que estavam relegadas as estrelas da era do rádio. Com tudo isso, Maysa acabou sendo relegada à segundo plano e praticamente esquecida dentro do movimento da bossa nova, sendo sua maior injustiçada. Seu nome seria poucas vezes e injustamente lembrado, como se ela fosse uma aventureira, endossando as críticas da época. Não aceitavam que a musa absoluta do samba-canção fosse também uma das pioneiras da bossa nova.

Barquinho, vale e muito a pena. Foi relançado em CD remasterizado, com capa original pela Columbia / Sony BMG em 2003.

6 de junho de 2010

Maysa: O Maior Amor do Mundo


Há 74 anos, quase ao sol do meio-dia, ano: 1936. Há 33 anos e alguns meses, no pôr do sol, ano: 1977. Hoje, ficamos com o ano mais longínquo, mais feliz o nascimento do mito Maysa. Não esquecemos o segundo, mas quem disse que a obra vai junto com o corpo? Tudo permanecerá como sempre intacto em nossa memória, é uma sequência, dias não são apagadores, mas canetas, que podemos –ainda bem- chamar de permanentes.

Paola R.

O maior amor do mundo


Foram 40 anos de vida, 20 anos de carreira, são 54 anos de canto. Se estivesse viva, seriam 74 anos comemorados exatamente hoje. Canto, música, amor, dor, renascimento. Sim, seria essa a palavra certa, renascimento. A cada dia é um renascimento maior, Maysa vive. Para os céticos pode ser um absurdo, para os apaixonados é a pura realidade.
Renascendo a cada dia mais em seus versos, suas letras, suas músicas. Como uma fênix renascida das cinzas ela ressurge, ressurge não das cinzas, mas sim dentro de corações, dos versos, versos que falam de amor, de dor, de vida. De sentimentos profundos que as almas não ousam gritar. Pois ela grita, grita e canta para nos ensinar, ensinar tudo aquilo que parecemos saber, mas tolos, iludidos, desenganados e sofridos não sabemos, não conseguimos aprender. Idiotamente iludidos, imbecilmente enganados, não conseguimos enxergar.
Aí ela vem, vem Maysa com seu canto, seu principal estandarte, o estandarte de um amor, de amores que sofreu, de todos os amores que viveu. Pois ela sofreu, caiu, enganou-se, iludiu-se, viveu ilusão. Não suportou, foi buscar amor. obstinada, partiu, foi, buscou, aventurou-se, encontrou. Encontrou e viveu mil amores, talvez o maior amor do mundo, talvez os mais dolorosos possíveis. O fato é que amou como ninguém jamais amou, como ninguém jamais teve a coragem de amar, como ninguém jamais amaria novamente e assim, entregou sua vida para amar, de corpo e alma.
Transcendeu os limites da própria vida, do próprio físico, ultrapassou barreiras inimagináveis, lutando como uma verdadeira amazona em busca da verdadeira felicidade a cada amor, mais dor, a cada dor, mais ressurgimento, mais amor. Um amor transcendental, inconsciente, absolutamente lindo, algo feito do mais belo possível, da alegria mais profunda, da felicidade mais plena. Na música transmitia tudo o que tinha, no canto mais profundo lá estava o amor pleno, o sofrer trágico e a beleza mais decantada.
Isto não é apenas um legado inestimável, é toda e principalmente uma história, a história da mais bela da vida que viveu, de uma vida vivida plenamente no mais claro sentido da palavra intensidade. Isto tudo é Maysa. não há ensinamentos mais plenos, é toda uma vida cantada em nome do amor. Talvez ninguém entenda este texto, outros podem se emocionar. Mas só quem sente e enxerga a verdadeira Maysa pode saber o que é esta história: O maior amor do mundo.

Vitor Dirami



Setenta e quatro anos de vida

Setenta e quatro anos de vida. Sim, de vida
Imagino agora como estaria Maysa hoje, aos setenta e quatro anos, seria vovó, estaria com rugas, são inevitáveis, talvez os cabelos estivessem curtos, quem sabe loiros, acho que manteria a forma magra, mas naturalmente, sem ajuda de remédios como antigamente, uma alternativa perigosíssima; não digo que abandonaria o vício terrível dos cigarros totalmente, acredito que continuaria, mas de maneira controlada, e esporádica, lá de vez em quando pra matar a saudade... Beber, não. Isso aprendeu com a vida, e com a pastilha de antabuse; lógico que a pastilha já não teria mais efeito, mas a lição de determinação que ficou em Maysa, seria para sempre. Acho que hoje estaria vivendo uma vida tranqüila, longe do mundo que não a interessasse. Talvez tivesse se acostumado com o novo ritmo de maricá, e ficado por lá mesmo, ou senão, quem sabe, ido a algum outro lugar mais calmo, creio que também perto do mar... Agora, a dúvida maior que paira sobre nossas cabeças é a se Maysa estaria ou não acompanhada; teria encontrado o amor? Estaria casada, solteira, separada, viúva? Creio que deveria estar acompanhada e amando, pois não é possível acreditar que chegaria a esta idade sozinha; mas amor é o que não faltaria, devia estar rodeada de amigos, talvez poucos, mas os bons; curtiria o filho e os netos; teria vários cachorros, e um pequenininho, um vira- latinha que seria seu xodó, o cachorrinho de colo; assim imagino.
Continuaria com as mãos soltas e leves mesmo com o peso da idade, pintando como nunca, uma espécie de nostalgia artística, pintando as coisas vividas e almejadas.
Mas acho que em relação a musica, não estaria mais cantando, por vários motivos, principalmente pelos rumos que a música acabou tomando... Mas tenho uma aposta quente que Maysa estaria brilhando na televisão como atriz, e das mais renomadas, ou até quem sabe, no teatro, fazendo jus ao enorme talento sob a luz dos holofotes...
E continuaria compondo como nunca, afinal, o longo da vida toda foi sua maior inspiração. O poeta de sempre estaria reinando dentro de Maysa como uma criança; Talvez, quem sabe, tivesse realizado o antigo plano do livrinho de poemas escrito por ela. Poemas que emudeceram o grande Jorge Amado, honra para poucos.
O lirismo lhe brotava como a beleza inefável, que mesmo com o passar dos anos se mantinha intacta. Trazendo no rosto a história vivida, a história mais do que vivida, a história sentida; nos olhos podendo ver como um filme cada movimento feito em busca de nada mais, que a felicidade, por toda a vida.
Ah, são tantas coisas que poderiam estar acontecendo hoje, que seria impossível conseguir imaginá-las por inteiro; Enfim...
Parabéns amada; desejo-te todo amor e felicidade do mundo, que é tudo o que você sempre quis e mereceu. E isso, nem a morte pode impedir que tenhas.
Com todo amor,

Marina M.


A luz do Sol

E de repente, não mais que de repente ela vem
Vem Maysa, é ela, a Maysa de todos nós
Não creio que possa haver figura mais deslumbrante
Bela, iluminada, translúcida. A singular Maysa, singular como uma musa


Ela surge no horizonte, no mais belo crepúsculo da manhã
Vem crescendo sua figura em meio aquele céu alaranjado sob a praia
Vem batendo os pés na areia, areia esta que parece dançar conforme a melodia do vento
Vem o mar, esse mar azul poético, decantado. Ondas dançam, dançam conforme o compasso do vento na brisa suave do amanhecer


Em meio a este cenário lírico, paira a figura de Maysa. Altiva,magnética, cabelos ao vento, vem com sorriso no rosto iluminado pelos raios de Sol e poesia no olhar
Vem caminhando sobre aquelas águas claras e andando sobre a areia branca, fina como um véu de noiva
Como hipnose, me encanto, nem o céu aquarelado e o mar límpido me fazem tirar os olhos de Maysa, lírica como uma deusa. Com ela vem amor e paz


Vem cantando aquelas coisas que só ela sabe cantar e dizendo tudo aquilo que só ela diz
Joga na cara tudo aquilo que sentimos mais profundamente e no entanto, não temos a coragem de dizer
Caminhando entre pedras ela diz as mais puras verdades, todas aquelas verdades que queremos ouvir e só ela sabe dizer
Agora me calo, sei que nada mais poderei dizer, não posso explicar, não há como, não posso sequer falar, estou em transe.


Ela passa, passa como o vento, soprando poesia no ar,
Fascinante Maysa
Encantadora Maysa
Estonteante Maysa
Não posso mais. Agora me calo.

Vitor Dirami



Revivendo Maysa



"Eu vou ficar a vida a tua espera
Não te percas dos meus passos
Os que andei por ti saber
Da minha história e a que virá

Não vou poder mais despedidas no meu tempo
Vou te contar meu longo amor eu te prometo
E de uma vez vem pra valer
Que há tanto amor pra se encontrar."

Maysa Figueira Monjardim

(06/06/1936 + 22/01/1977)