15 de junho de 2012

Imprensa: Maysa volta para cantar - O Estado de S. Paulo (11/09/1969)


Maysa volta para cantar



Maysa por si só é um espetáculo à parte. Ontem à noite, ela concedeu entrevista coletiva à imprensa, dizendo, como é de seu costume, tudo o que pensa e sente a respeito de tudo e todos. Intimamente, Maysa continua a mesma: "Eu ainda jogo cinzeiro em quem me perturba". Mas, fisicamente, Maysa está quase irreconhecível: perdeu 36 quilos, ou 36 litros , como ela própria prefere dizer, de vez em quando ainda bebe um ou outro drinque. 


Vestindo um costume negro, os cabelos acinzentados, Maysa foi realmente um espetáculo todo a parte. Sua extravagante beleza, agora devidamente "ajustada", porque emagreceu, ganhou corpo de miss, passou a cuidar de sua aparência. Maysa parece uma nova mulher.
Seu vedetismo de ontem não mais impera. Ela posou para todos os fotógrafos com um sorriso meigo, suave, de quem está de bem com a vida. Mas negou que estivesse bem com a vida, com a felicidade. Quando lhe perguntaram sobre isso, ela parou, olhou fixamente, com seus imensos olhos verdes, e disse, taxativamente: "Felicidade é privilégio de gente burra". Mas não foi só. Tudo o que lhe perguntavam ela respondia. Não fugiu a uma só pergunta, por mais dura e rude que fosse. 
A entrevista coletiva que Maysa concedeu ontem à noite, ante-véspera da estreia do seu show no Urso Branco, foi toda espetaculosa. Enquanto ela falava, com sua voz quente, arenosa, uma banda de música - músicos vestidos de branco, com penachos longos e brancos - passeava de um lado para o outro, tocando marchinhas, colorindo o ambiente de tons carnavalescos. Ninguém entendeu o porque da banda de homens brancos e das marchinhas caboclas, numa entrevista sofisticada.
Contudo, Maysa continuou a falar suas franquezas. Disse e fez questão de dizer alto e bom som que considera Elis Regina a melhor cantora do Brasil, com uma única ressalva: "Ela é um mau-caráter". Caetano Veloso é "genial", sem paralelo, "fora de série". Maria Bethânia é a grande intérprete. Cauby Peixoto é "um grande amigo". Roman Polanski, um "azarado", cujo feitiço virou contra ele próprio.
Enquanto tudo isso acontecia, o Urso Branco se enchia de gente. Que bebia o uísque, o chopp, servido à vontade para todos. E, obviamente, a temperatura se elevou, aumentou o ruído, cresceu o vozerio. E a banda tocava. Maysa, imperturbável, prosseguiu falando, enfrentando, sem desviar seus grandes olhos, as perguntas que pipocavam de todos os cantos: sobre sua vida, sua arte, seu passado, seus fracassos e sucessos. Sobre tudo.
Uma jornalista perguntou a Maysa porque usa tanto a cor preta. Ela sorriu primeiro e depois desabafou, com uma naturalidade que já fez escola: "Gosto desta cor. Talvez porque ainda pense como uma mulher gorda". E sobre uma possível relação entre uma depressão moral e uma boa interpretação? Maysa disse que não há necessariamente essa relação, pelo menos no seu caso. Sua interpretação - intimista, sentida, chorada - independe de seu estado psíquico, de sua condição moral: "Quando subo no palco, esqueço tudo".
Mas ela disse outras coisas também: "Talvez vá morar em Portugal". "Sou Palmeiras em São Paulo, e Botafogo no Rio". "O último livro que li, achei genial; foi O Compromisso, de Elia Kazan. "Ainda prefiro Judy Garland e Barbra Streisand". "Não pretendo assinar contrato com ninguém, quero ser freelancer". "Atualmente estou compondo apenas para uso próprio".
E voltou a falar sobre Elis Regina: "O sucesso que Elis Regina fez no Olympia, eu também fiz. Acontece que nós duas não fizemos outra coisa senão encher buraco, enquanto os astros principais do show não vinham".
A temporada de Maysa no Urso Branco começa amanhã, ás 23 horas. É o mesmo show que apresentou no Canecão do Rio durante 2 meses e meio, com afluência de público considerada excepcional: 3 mil pessoas por dia. Esse show foi gravado ao vivo pela Copacabana. O long-play já se encontra na praça, com Maysa interpretando novos e velhos sucessos seus. Quem, todavia, preferir ver Maysa em pessoa, num show de muita gente, vai ter que pagar 15 cruzeiros novos: NCr$ 6,00 de couvert  e NCr$ 9,00 de consumação mínima. O resto fica com ela: "Eu dou o recado".


(publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 11 de setembro de 1969)


6 de junho de 2012

Especial: 76 anos de Maysa


Feliz aniversário, Maysa.




O nome da mulher é Maysa. E que mulher! Ah, falando nisso, saudades dela...hoje é seu aniversário e me sinto tão contente. Sabe, eu gosto de aniversários, gosto de Maysa. Não sei porque, mas o aniversário de Maysa me lembra vida, renascimento, me deixa feliz. Tento imaginar como estaria Maysa velinha hoje em dia. Estaria cantando? Vivendo? Amando? Sendo feliz? Olha, pra ser sincero eu não consigo imaginar a Maysa velinha, pelo menos não velinha dessa forma que a gente enxerga os idosos...Ela era tão ativa, expansiva, atuante, enérgica, inquieta. É, não dá pra imaginar Maysa velinha. 
Mas, dá pra imaginar Maysa vive (e é bem diferente). Eu gosto de imaginar Maysa viva, como a minha imaginação voa...Maysa era absolutamente demais. Viveu poucos anos, mas demais. Viveu alegrias, desgostos, amores, desamores, glórias e fracassos. No seu caso, a idade cronológica é apenas um detalhe, um detalhe que se torna pequeno demais e descartável se formos parar pra ver o quanto Maysa viveu e fez, muito mais do que não viveu e deixou de fazer.
Acho que a máxima de um aniversário é isso. Celebrar a vida, as conquistas, olhar o passado, imaginar o futuro, o quanto fizemos e ainda vamos fazer. E neste aniversário de Maysa, todos estes requisitos são detalhadamente cumpridos. Como se não bastasse ser uma mulher fenomenal, dessas que a gente só costuma ver no cinema e ler nos livros, Maysa ainda conseguiu de quebra ser uma das maiores cantoras da história da música brasileira. Que mulher!
O nome de Maysa nunca vai morrer. Imaginando o futuro, tenho certeza de que pelos próximos anos (e muitos e muitos) ela vai continuar encantando gerações, embalando corações, apaixonando uns e outros por aí ao redor do mundo. Como era sua especialidade. E olha, disso eu entendo muito bem.
O nome de Maysa vai estar pra sempre inscrito no panteão da música nacional, nem melhor ou pior que ninguém. Apenas Maysa. Por mais que digam o contrário, uma vez Maysa, sempre Maysa! Não tem jeito, ela foi demais mesmo, ninguém pode com Maysa.
É, acho que acabou. Sinceramente, espero que tenha conseguido dizer tudo o que eu queria nesta data tão querida. Pra finalmente poder dizer, parabéns, Maysa.

Vitor Dirami



"Não foi apenas uma grande cantora, uma compositora de talento; foi uma poeta de alta qualidade. Desafio quem quer que seja a permanecer indiferente diante desses versos que são o retrato e o roteiro de um ser humano excepcional: "Entrei pela noite com meu peito aberto". [...] Maysa fará com que todos por fim a entendam, respeitem e amem essa que foi "uma flor silvestre", única e sem igual. [...] Foi um clarão de beleza, sua luz permanece."

Jorge Amado




A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do caminho.


Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era pra vocês,
eu continuarei sendo.

Me deem o nome 
que vocês sempre me deram, 
falem comigo 
como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo 
no mundo das criaturas, 
eu estou vivendo 
no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene 
ou triste, continuem a rir 
daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.

Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi, 
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.

A vida significa tudo 
o que ela sempre significou, 
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora 
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora 
de suas vistas?

Eu não estou longe, 
apenas estou 
do outro lado do Caminho...

Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi."


Santo Agostinho




"Que longa caminhada a minha!
Fui em busca, de beijo em beijo
que enganassem
o tempo das cansadas idas,
que me dessem forças pra seguir na vida
e conhecer a hora e saber ficar!
Pena que essa estrada
me assustasse tanto
que ainda hoje com um
imenso espanto."




Maysa Figueira Monjardim
(06/06/1936 + 22/01/1977)