14 de agosto de 2017

Sofro porque não sou burra - Romance Moderno,1971



A minha verdade – uma entrevista corajosa com Maysa

ROMANCE MODERNO – A novela representa uma outra fase em sua vida?
MAYSA – Possivelmente se abre um campo novo para mim. Espero que seja uma experiência bastante válida para o futuro. Me interessa muito fazê-la.

Quantas vezes você se sentiu obrigada a recomeçar a sua vida?
Eu não creio que tenha recomeçado nada, principalmente no lado profissional. Eu apenas tenho acompanhado as circunstâncias.

Você se projetou como cantora milionária. Hoje você canta para viver ou vive para cantar?
Fazem sempre esta pergunta para mim. A ideia de cantora milionária foi o público quem deu. Acredito que eu seja milionária no sentido de ter boa voz, ter bons amigos. Hoje em dia faço o que gosto: vivo canto, sou atriz, sou jornalista. Estes são os meus ideais, me fazem falta até para respirar. Uma coisa em função da outra.

Você demonstrou em suas composições ser uma mulher que sofre. Sofrimento para você representa uma razão de viver?
As pessoas que hoje em dia não sofrem são muito burras ou muito insensíveis. O sofrimento a gente tem de manhã, de tarde, de noite. A vida está mais cheia de sofrimentos do que de outras coisas. A gente procura, de certa forma, dar mais valor às coisas boas do que ficar pensando em coisas tristes.

Qual a diferença entre a felicidade e o sofrimento?
É justamente a diferença entre uma coisa e a outra.

Você acredita no amor?
Eu acho que é a única coisa que existe de bom no mundo.

Você como cantora se acredita atual ou fora de moda?
Como cantora, sigo a minha linha. E me sinto sempre atualizada. A música é uma só desde que ela começou. Eu faço o que gosto.

Você, que só canta um tipo de música, como vê toda esta renovação?
Eu acho que há muita confusão. Existem grandes valores, como por exemplo, Taiguara. Alguém pode chamar este menino de superado? Inclusive, ele tem a mesma linha que eu. É moderninho, é um garoto desta geração. O próprio Ivan Lins, que é considerado o mais quente do momento, se repararmos nas suas composições, tem um profundo sentido de fossa, de amor. No fundo, é sempre a mesma coisa. O amor a gente sempre sente igual.

Você já esteve na fossa?
Estive, e muitas vezes! Para sair dela há duas formas de encará-la. Ou curti-la muito bem, sofrer por ela, ou partir para um negócio melhor, fugir de gente que não se gosta, da burrice, se ligar com gente que nos faça bem.

Você seria capaz de morrer por alguém?
Totalmente!

Então, a morte compensa como sacrifício de amor?
O amor compensa qualquer coisa.

Como você define a angústia?
Para mim, a coisa mais importante é você tentar dar do que receber. Quando você deseja dar, dizer tudo o que tem dentro de si e não é compreendida, aí , sim, é a pior coisa, a maior angústia.

Entre a angústia e o desespero, onde você vê a solução?
É começar tudo novamente.

Você já sentiu em sua vida um momento de profunda ternura?
Sempre tenho motivos de ternura em minha vida. Sobretudo quando vejo uma possibilidade de diálogo com gente que me entende. Outro dia tive um momento de grande ternura em minha casa, quando estive batendo um papo com uma mulher que considero uma das coisas mais excepcionais que já encontrei em minha vida, Marília Pêra. O de que esta mulher é capaz, com os olhos, com palavras, ou mesmo expressões, é um negócio fantástico. Marília é uma mulher inteligente, sabe o que quer, é sensacional.

Crê em alguma coisa acima de você?
É muito importante eu me considerar importante, pois, acima de mim, existe um amor mais que o meu. E será que existe um amor maior que o meu?

Você andou uma época um pouco afastada, meio sumida. Qual foi a causa real?
Aconteceu que fui para a Espanha. Meu marido é espanhol e tive que acompanha-lo. Lá, continuei inclusive cantando, embora com menos frequência que aqui. Depois estava cansada de algumas fofocas e dei uma paradinha.

Você se considera o tipo de mulher em transição pela liberdade?
Desde que me entendo por gente, luto pela liberdade.

Qual o momento artístico mais importante de sua carreira?
Eu acho que ainda está para vir. Eu quero sempre mais do que já tenho.

O que você acha mais importante na vida?
É o amor. Para carreira, para tudo na vida.

Você agora está dando uma de atriz. Como está se sentindo?
Acho que atriz eu fui a vida inteira. Quem vive é ator; acho que participar da vida como eu, é uma forma de ser atriz. Às vezes, você tem de fazer coisas de que não gosta, atuar com pessoas que você detesta. A vida, toda ela, é um teatro.

O personagem que Bráulio Pedroso criou para você é mais ou menos um retrato de sua vida, mulher desquitada de industrial paulista. Como é a história?
Não tem nada que ver com a minha personalidade e, além do mais, eu não sou desquitada de um industrial paulista. Sou casada com um industrial espanhol e vivo muito feliz.

Você não tem receio de que esta nova carreira venha atrapalhar sua vida de cantora?
Não. Ao contrário, suponho que vai somar mais uma coisa à minha vida.

Se você tivesse que decidir entre ser cantora e atriz, optaria por qual?
Acho que este negócio de opção é muito tolo. Se tivesse que fazer as duas coisas ao mesmo tempo, sim. Eu não vejo porque tenha que deixar uma coisa pela outra.





(Entrevista publicada originalmente na revista Romance Moderno, nº 38, em 1971.)

18 de abril de 2017

Maysa, outra vez rica e caprichosa - Intervalo 2000, 31/07/1972



Pela segunda vez, Maysa interpreta mulher rica e caprichosa na televisão

São Paulo, Maysa (35 anos) atualmente está interpretando o papel de Márica, uma mulher rica e caprichosa, na novela "Bel-Ami", da Rede Tupi de Televisão, esta é sua segunda experiência como atriz de TV. Antes, fez Simone em "O Cafona" e, como desta vez, era rica. No tempo em que as músicas de "fossa" faziam grande sucesso, Maysa apareceu como cantora e compositora. "Ouça" foi uma de suas composições famosas. Depois, mudou-se para a Espanha, afastando-se um pouco da vida artística .
Depois de "O Cafona", Maysa foi para o teatro, onde interpretou a peça "Woyzeck" de Büchner. Embora fosse uma estreante, a crítica foi implacável quanto a seu desempenho como a camponesa Maria.
Enquanto faz novela, Maysa se apresenta no Bierklause do Rio, cantando, e prepara um show para os paulistas: "Tem que ser um grande show para marcar minha volta a São Paulo, depois de tanto tempo longe dos paulistas".





(Reportagem publicada originalmente na revista Intervalo 2000 de 31 de julho de 1972. Agradecimentos ao blog Astros em Revista)


21 de março de 2017

Fossa x Alegria = Maysa - Diário de Notícias, 17/06/1970



Texto de Vera de Almeida
Fotos de Maria José Barbosa

A Maysa, que diz que a fossa faz parte de sua vida, como faz da minha e das pessoas que se prezam, quando em família e,  principalmente, perto de sua avó, não parece senti-la, vira outra pessoa, onde o sorriso, a despreocupação está presente. É da Maysa fossenta e da Maysa alegre que hoje queremos falar um pouco. É do “Chão de Estrelas” que ela canta como ninguém. É da mulher e da cantora, ambas muito gente, que respeitam a quem as respeita, mas que se defendem como um leão ferido sempre que procuram atingi-las, jamais partindo para o ataque, sempre na defensiva. É da Maysa que só faz o que gosta, só diz o que pensa e aquilo que crê, que nos ocuparemos, mostrando que a sua agressão sempre tem razão de ser, não é gratuita.
Era um sábado cheio de sol. Em Copacabana, uma família reunia-se para feliz comemorar um aniversário. Era a família Monjardim que nesse dia cantava a tradicional musiquinha e acendia as velas de um bolo, quem as apagou foi uma pessoa famosa, conhecida em todo território nacional e fora dele. Mas naquele momento, Maysa esqueceu-se que era a cantora da fossa, da dor de cotovelo, para ser somente a neta, filha, a irmã, a cunhada, a esposa e a amiga. E como cantora da fossa é grande, não tem rival, também nas relações com sua família e com seus amigos, deixava transparecer toda a sua grandiosidade. Nesse dia não quis falar do show que está fazendo no Canecão, onde todas as noites é aplaudida de pé, especialmente ao fim de “Chão de Estrelas”, nem no programa “Dia D”, que deverá lhe dar este ano o prêmio de melhor entrevistadora da televisão, pois com muita inteligência vai conseguindo arrancar tudo de seus entrevistados, só desejava falar de saudade que sente de Jaiminho, que em julho deverá chegar para passar as férias, de sua sobrinha que leva o seu nome, de sua avó, a quem serviu o tempo todo, não permitindo que ninguém cuidasse dela, de seus pais, de seu marido e de seu irmão com quem relembrava momentos felizes e despreocupados de sua meninice e de sua adolescência. Nesse dia Maysa esqueceu a fama, as luzes, os aplausos, para ser só e simplesmente a dona de casa que estava recebendo e que fazia questão não só de receber como manda o figurino, mas acima de tudo, com muita ternura, carinho e amor, aqueles que lhe querem bem e aceitam como a mesma é sem exigir-lhe nada e de quem ela nada exige também.
Mas não é somente com seus familiares que vamos descobrir a Maysa ternura, a Maysa carinho, a Maysa amor, é, também, em seu ambiente de trabalho. É no Canecão, onde as garçonetes não lhe poupam demonstrações de apreço e carinho. É Luizinho Eça, diretor musical do show e responsável pelos arranjos, que diz:
- Eu quero levar Maysa ao encontro de um ambiente formado por garotos novos que tem coisas românticas e líricas que se prestam demais ao seu estilo de interpretação, para que ela renove o seu repertório. Quero propiciar esse encontro, porque acho que em matéria de lirismo, no Brasil, não existe nenhuma intérprete como Maysa. Disso não tenho dúvidas. Somente ela me faz abrir o berreiro, chorar como criança.
Maysa ouve isso tudo com um sorriso feliz em seus olhos, nos lábios, enfim, no rosto e, não se contendo, o interrompe para dizer que tudo isso acontece porque, embora já tenha trabalhado com muitos músicos, maestros, Luizinho Eça é o único que ela já viu durante um ensaio, ao piano, se arrepiar todo. E isso é sensacional. A gente vê a pele dele se arrepiar inteirinha e os pelos dos braços crescerem. Luizinho acredita tanto naquilo que está fazendo que nos transmite essa confiança, que nos dá confiança também. Desse modo Maysa reage aos amigos, àqueles que a respeitam como gente e como profissional. Em compensação, porém, é implacável quando encontra um mau caráter, aquele que se quer promover à sua custa ou a custa de qualquer outra pessoa, mesmo que essa não seja um amigo. Por isso, recentemente ao ser agredida, no que, como profissional, tinha de mais importante – sua criação musical – reagiu, e de maneira violenta. E desta vez, como de outras, os menos avisados não perceberam e alguns fingiram não perceber o porquê de seu ataque, que não era um ataque, mas uma defesa.
Assim, é Maysa: meiga, terna, carinhosa, mas que também sabe usar palavras e atitudes duras quando a provocam. E que não faz concessões baratas, como profissional, pois seu respeito ao público a leva aos maiores sacrifícios, porque, segundo ela mesma, não se pode brincar com aqueles que, apesar de tudo, das campanhas, do que disseram e fizeram com ela, lhe permaneceram fiéis e souberam responder ao seu apelo em “Ouça”: ouvindo-a ontem e hoje. 


(Reportagem publicada originalmente no jornal Diário de Notícias em 17 de junho de 1970)

8 de fevereiro de 2017

Maysa, o medo e a falta de sol - Diário de Notícias, 1963




Texto de Fernando Lobo

A vida é um quarto escuro mesmo e Maysa é uma criança ainda. As águas do tempo passam, mas ela será sempre criança, pois sendo só e sendo o bem das horas, minutos e segundos, não ganhará jamais o ritmo de ser só, de ficar só. Então se sabendo grande, esconde o medo empurrando a coragem do álcool, a presença do amor que não é amor, mas é presença, é segurança, é fala, é voz; não é amor, mas é alguém ao seu lado.
Que procura essa estranha mulher? Que quer ela? Para onde quer ir e onde está?
O silêncio de resposta é grande. Ontem ela ria, porque em volta havia um bando de meninos da “bossa nova” que cantaram sambas, que imploraram gravações para seus sambas “geniais”. Depois o bando voou, ao encontro das bem-amadas. Maysa ficou só, com acordes de colcheias e semitons nos seus ouvidos. O bando não a levou. Cumpriu missão de colocar música e depois se foi. A estrela ficou só, com seu Deus e sua estrela.
Agora ela diz que há um verdadeiro amor em sua vida e que ficou lá na Espanha. Não! Não é este ainda. O seu homem está num continente que pode ser a um mundo de milhas de distância ou a um palmo da sua mão. Ele não veste a farda nova dos novos de agora, nem tem nas mãos a arma moderna de um violão em dissonância. Deve ser homem, alegre, musical, bom, mas de passadas firmes, olhar firme e amor seguro por você. Mãos longas que segurarão suas mãos de menina. Passos firmes a mostrar como se caminha na estrada longa você que engatinha ainda. Ele será o homem procurado e que não está dentro da cortina de fumaça da noite, nem debruçado no balcão meloso do bar, muito menos com o rosto maquilado a pedido da noite. Será um homem de sol, de dentro para fora, homem dos peixes, amigo do mar, cheirando a sargaço, a seiva, a vida e transbordando amor para quem está oca, assim como você. E ele será inteiro seu. Então você saberá do sol, junto ao sol, provando e bebendo sol, que é o que falta às suas entranhas como remédio único para afastar o medo e a coragem de só não ter medo se afogando em lua...
Que estranha mulher é esta, que procura no vazio um alento, que encontra o alento procurado e o atira para o ar em troca de lágrimas e sofrimentos? Que estranha mulher é esta, que não se escondeu nos quatro cantos de um lugar comum, para que pudesse ter nos lábios sempre pragas. Que estranha mulher é esta, que tem em sua volta o ouro da fama, do metal, da glória, do êxito, ao ritmo das palmas e das flores? Estranha mulher, Maysa estranha que, quer um mundo maior que seu mundo, um Deus maior que seu Deus, uma estrela mais clara que a mais clara estrela que é sua. Ela vê as horas, escuta as águas do tempo correndo, correndo, seguindo sem passar e teme que seus cabelos sigam com elas e voltem brancos de neve. Maysa medrosa, Maysa covarde, Maysa fingindo ganância, com a soberba enfiada no peito como um punhal a não deixar que saia dos seus lábios a confissão mais certa, aquela que começa dizendo “eu quero mamãe, eu tenho medo...”


(Matéria publicada originalmente no jornal carioca Diário de Notícias em 1963)


22 de janeiro de 2017

Especial: 40 anos sem Maysa




O tempo parece voar cada vez mais rápido, hoje são quarenta anos sem Maysa... Quanto tempo se passou. Dizem que o tempo é o remédio para cicatrizes profundas, como a morte, mas mesmo que o tempo seja capaz de estancar uma ferida na pele, a memória conserva uma cicatriz interior; estas são mais profundas. Como a ausência de Maysa. 




[...] "Ao ler que não foi só cantora, compositora e atriz, mas também pintora, escultora e poeta, e sem entrar na avaliação de seu mérito em cada uma dessas formas de expressão, não tenho impressão de insegurança, superficialidade ou vaidade em busca de sucesso. Imagino antes que em cada tentativa de Maysa para se afirmar num setor de criação, havia a procura lancinante de forma de doação ao mundo – a forma definitiva. E essa doação seria de amor, no sentido mais perfeito da palavra, que é antes estético do que sentimental, ou seja, o ajuste completo das potencialidades do ser às potencialidades do mundo, em harmoniosa composição.
Por tudo isso, teria de sacrificar-se. Uma bela mulher talentosa que não se satisfaz com sua beleza nem com seu talento e procura alguma coisa mais do que isto, sem encontra-la, não por serem limitados os seus dons, mas porque a vida se encarrega de gerar situações críticas. Sobrevém o choque, o desejo subterrâneo de auto-imolação, que vai cortando as possibilidades da artista. O amor-criação não encontra correspondência adequada no grupo social, que deseja apenas aplaudir a cantora da dor-de-cotovelo e da solidão, sem perceber que atrás dessa música dolente há um enorme coração ligado a uma irrecusável ansiedade artística. E esse coração destrói-se aos poucos.

Seu fim, mesmo inesperado, é compreensível. Uma vida cheia de tensões, de insubmissão às regrinhas miúdas do jogo, teve o desfecho dramático que coroa sua tragicidade espiritual" [...]

Carlos Drummond de Andrade - Maysa na pintura e na lembrança, Folha de S. Paulo, 22/06/1978



[...] "Quando alguém me pergunta o que é amor eu sinceramente não sei o que responder. Está certo: amor é uma palavra muito bonita, mas não define coisa alguma. Hoje em dia, acho que o meu maior ato de amor é cantar. A pena é que cantar, para mim, ainda não se transformou – apesar de tudo – numa forma de expressão, no sentido realmente completo do termo. Pelo contrário, é apenas uma maneira de ganhar dinheiro. Mas acredito que chegará o dia em que conseguirei cantar como se fosse a coisa mais natural do mundo, assim como comer ou escovar os dentes; um ato absolutamente natural. Então, cantar vai deixar de ser apenas profissão. Porque quando me perguntam qual é a minha profissão, faço questão de dizer que minha profissão é ser."





Maysa
6 de junho de 1936 - ad infinitum