9 de abril de 2012

Especial: II Festival da Música Popular Brasileira (1966)


II Festival da Música Popular Brasileira (1966)




Em 1966, a música brasileira adentraria numa nova fase de grande popularidade e criação, conhecida como a era dos festivais. Após o sucesso estrondoso do I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior no ano anterior, vencido por Elis Regina com a inesquecível apresentação de “Arrastão” (Vinicius de Moraes/Edu Lobo), todas as emissoras queriam organizar seus próprios festivais e desfrutar da grande audiência e do rebuliço que tais eventos passaram a causar. Após o desentendimento dos patrocinadores com a TV Excelsior, em 1966, o seu diretor Solano Ribeiro migrou para a TV Record levando consigo na bagagem o Festival. Para dar a ideia de continuidade, o Festival daquele ano manteve o nome de II Festival da Música Popular Brasileira, realizado no Teatro Record.

 O casting de artistas da Record incluía cantores do porte de Elis Regina, Jair Rodrigues, Roberto Carlos, Elizeth Cardoso, Chico Buarque e até Maysa, recém-contratada da emissora paulista. A Record iniciava uma grande fase e despontava como líder de audiência. E como já era de se esperar, rumores de possíveis favorecimentos a artistas da casa já circulavam com frequência.
O II Festival da MPB, chama atenção pelo alto nível dos intérpretes e músicas escolhidas, entre os mais de mil inscritos estavam Elza Soares defendendo “De Amor ou Paz”; Maria Odete com “Um Dia”, de Caetano Veloso; Elis Regina com “Ensaio Geral” de Gilberto Gil e “Jogo de Roda” de Edu Lobo e Ruy Guerra.

Maysa, que acabara de retornar ao mundo artístico e estava distante da música brasileira havia um bom tempo, resolveu encarar a prova de fogo e entrar na roda, seria bom para testar a quanta andava sua popularidade mesmo após tanto tempo de ausência. Ela não era a única a se arriscar, gente com muito mais tempo de estrada, como Leny Eversong, a própria Elizeth Cardoso e Isaurinha Garcia, também entraram na onda dos festivais, disputando com cantores muito mais jovens e em início de carreira.

O II Festival da MPB, realizado nos meses de setembro e outubro, teria três eliminatórias, em dias distintos, com doze concorrentes em cada um. Pelo sorteio, Maysa participaria da segunda, defendendo a música “Renascença” de Cláudio Varella e José Pereira (infelizmente, não há nenhum registro gravado), e “Amor-Paz” composição sua em parceria com Vera Brasil, que havia se destacado no festival da Excelsior em 1965.

No dia anterior, logo na primeira eliminatória, já nascia a primeira grande favorita do festival: “Disparada” de Geraldo Vandré e Théo de Barros, interpretada por Jair Rodrigues. A antológica interpretação de Jair arrebatou todos e conquistou o público de primeira. Os versos “Boiadeiro muito tempo/Laço firme e braço forte/Pela vida segurei/Seguia como num sonho/E boiadeiro era um rei”, inscreveram Jair para sempre na historia da era dos festivais da MPB.

Maysa não conseguiu classificar “Renascença” para a final. A música passou despercebida perante o fervor que causou a apresentação da segunda favorita do festival: “A Banda” de Chico Buarque com Nara Leão. A música meio bobinha, mas contagiante, acabou por cair nas graças do público e dominou a noite. Na ocasião, Nara foi acompanhada por uma bandinha de verdade, o que causou ainda mais comoção na plateia. 
Na terceira eliminatória, Maysa cantou “Amor-Paz”. A música agradou a crítica e conseguiu se classificar para a final do festival sem maior alarde. O júri determinou que a apresentação de Nara Leão, mesmo já classificada para a final,  fora prejudicada por problemas técnicos, portanto, ela teve que se apresentar mais uma vez com “A Banda”, no mesmo dia em que Maysa apresentou “Amor-Paz”. A direção da Record, para acirrar ainda mais a disputa, também sugeriu que Nara se apresentasse junto com Chico Buarque ao violão, não teve para mais ninguém. “A Banda” acabou de conquistar os que ainda não haviam sido conquistados. E o festival finalmente se delineou entre as duas canções – “A Banda” e “Disparada”.

Poucas vezes uma disputa causou tanto frenesi na história da música brasileira. São Paulo estava dividida ao meio, o país estava dividido ao meio. A pergunta do momento era – Quem levaria o festival? “A Banda” ou “Disparada”?. Nos bares, nas repartições públicas, nas escolas, nos trens, nos ônibus...só se falava disso! E não parava por aí, formaram-se verdadeiras torcidas organizadas a favor e contra as duas músicas, o clima de tensão era imenso e foi se acirrando a cada dia que chegava mais perto do dia da final.

No dia da final, o público só tinha atenção para as apresentações de “A Banda” e “Disparada”, todas as outras músicas, mesmo que por melhor que fossem, foram completamente eclipsadas. Naquele ano, pode-se dizer que nascia definitivamente após vários ensaios, o que comumente chamamos de MPB – a música brasileira moderna, tal como conhecemos. Fruto de vários estilos musicais nacionais, como o Samba-Canção e a Bossa Nova. Uma nova geração trazida pelos festivais, também personificava isso. Elis Regina, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, eram apontados como representantes da novíssima música brasileira.

Elis e sua trupe, também se tornariam os maiores expoentes da música de protesto, que driblava a forte censura dos anos de chumbo da ditadura militar, em canções que marcaram época na história da MPB, e muitas delas, também tiveram seus momentos marcantes durante a era dos festivais. No lado oposto a tudo isso, estava Roberto Carlos, já intitulado o Rei do Iê-iê-iê. Roberto e sua trupe representavam a música jovem, descompromissada e desinteressada, sem nenhum propósito, com nítida inspiração nos Beatles.

Como se pode observar, Maysa não estava em nenhum dos dois lados. Pairava acima de todos, mas não inquieta. Não fazia a mínima questão de glorificar a música de protesto (“A canção brasileira está povoada de imbecis que querem fazer protesto e nem sabem por qual motivo estão protestando”). Mas, também, não poupava crítica a Jovem Guarda (“Isso é um modismo idiota, que quanto mais depressa passar, melhor”). Maysa não integrava nenhuma das duas facções reinantes na música brasileira daquela época, mas muito menos representava a Velha Guarda, da qual nunca pertenceu. No II Festival da Record, esse panorama da MPB começava a se delinear com força. De um lado, o engajamento quase social da “Disparada” defendida com força e garra por Jair Rodrigues. Do outro, o estilo escapista e bobo de “A Banda” de Chico Buarque e Nara Leão, mesmo que no futuro, seu autor tenha sido um dos maiores artistas contestadores do regime militar na MPB.

No dia da grande final, na sequência definida por sorteio, Maysa teve o azar de cantar logo depois das duas grandes favoritas, especificamente, depois da apresentação de Chico Buarque e Nara Leão. Ninguém mais naquela noite queria ouvir nenhuma música, a plateia ansiava loucamente pelo resultado da final, por isso, Maysa obteve uma amarga vaia quando entrou no palco para cantar “Amor-Paz”. Mas, uma vez Maysa, sempre Maysa! Com seu jeitão imperativo de costume, ela logo domou o público em questão de segundos. Abafando qualquer vaia.

A direção da Record, temendo que a turba enfurecida, em que se tornaria à torcida derrotada, destruísse o Teatro Record, optou por uma decisão inédita: empate entre “A Banda” e “Disparada”. Evitando assim, o vexame de que Chico Buarque, caso ganhasse, recusasse  o troféu Viola de Ouro, já que o próprio autor de “A Banda” reconhecia a superioridade da rival “Disparada”. Inclusive, a decisão original do júri do festival era que a música de Geraldo Vandré e Théo de Barros fosse a grande vencedora.

Entre mortos e feridos, Maysa escapou ilesa. Na classificação geral da final, “Amor-Paz” acabou em 6º lugar, atrás de “Ensaio Geral” de Gilberto Gil, cantada por Elis Regina, que obteve o 5º lugar. Em 2º lugar ficou Elza Soares, com “De Amor ou Paz” de Luiz Carlos Paraná e Adauto Santos.

 No fim das contas, o II Festival da Record e o I FIC (realizado pouco tempo depois), marcaram a chegada de uma nova era a MPB, mesmo que ainda fossem somente um prenúncio das disputas e momentos inesquecíveis que viriam acontecer na era dos festivais. E teriam seu auge nos dois anos seguintes, mais especificamente no III Festival da Record (1967) e III FIC (1968), considerados pela maioria absoluta como os melhores da era dos festivais, antes do esgotamento do modelo, nos anos 70.

 A apresentação de Maysa no II Festival da Record agradou bastante a imprensa, e apesar do domínio total que a “A Banda” e “Disparada” exerceram, a canção de Maysa e Vera Brasil também agradou muito e fez sucesso, sendo fortemente cogitada como uma das vencedoras. “Amor-Paz”, infelizmente, não teve o reconhecimento merecido, porque foi uma das melhores letras escritas por Maysa em sua carreira.  Até o vestido dela chamou atenção, como disse o jornal O Estado de São Paulo, pondo-a no 1º lugar das mais bem vestidas, ao lado de Elza Soares. No mais, Maysa fez bonito e provou que estava a par das renovações musicais, como observou a revista Fatos & Fotos, acrescentando:
“A nova onda – que manteve na crista o compositor Geraldo Vandré e os intérpretes Jair Rodrigues e Elis Regina, assim como o Quarteto em Cy e o MPB-4 – revalorizou Maysa. [...] Maysa retornou em plena forma, demonstrando capacidade de adaptação às novas formas surgidas.”