11 de agosto de 2014

Imprensa: Maysa uma gatinha na galeria dos ídolos - Radiolândia, 1957


Maysa uma gatinha na galeria dos ídolos!



Havia no público do Rio incontido desejo de conhecer a jovem cantora e compositora surgida tão surpreendentemente no cenário musical do país – e Maysa Matarazzo, que conquistara S. Paulo da noite para o dia, encontrou o Rio de braços abertos, para a complementação de sua glória – beleza exótica, sua cara lembra a de uma gatinha mesmo – o sucesso enorme do primeiro “Lp” animou a RGE ao segundo, que vem por aí para novos êxitos de vendagem – a noite foi de Maysa na TV-Rio

De OSWALDO MIRANDA
Fotos de WILSON LOPES

Maysa Matarazzo agora também canta para os cariocas, depois de representar para eles, assim como que um enigma... sim – um enigma. A totalidade do público do Rio só conhecia Maysa de sua fama obtida fulminantemente, com o lançamento de um “long-playing”. Ela começava por onde os outros terminam. O LP é o ápice da carreira de todo cantor de rádio e muitos, de comprovada categoria e popularidade ou tradição artística, ainda não o conseguiram. E seria inoportuno, até, referi-los neste escrito que focaliza um valor absolutamente novo, um nome incipiente na arte da composição e do canto populares.
Eu disse que Maysa era um enigma para os cariocas. Sim. Eles a viam em fotografias, liam as reportagens, procuravam seu disco nas lojas, mas já desde há algum tempo davam mostras de um desejo incontido de conhecer, em pessoa, aquela que tão sensacionalmente surgira no mundo musical do Brasil, legendada, primeiro, pelo sobrenome famoso que logo evoca uma alta expressão na sociedade e na indústria nacionais; segundo, pelo valor incontestável que demonstrou possuir.
Um dia Maysa viera ao Rio, cantara na Mayrink Veiga, dera um giro pelas emissoras, mas tudo foi uma andança a jato, na companhia de Valter Silva. Logo voltava a São Paulo e em seguida se conhecia a notícia de que fora contratada pela rádio e televisão Record. Tal contrato, como o que assinara com a RGE, a instâncias de Roberto Côrte Real, Maysa só o fizera mediante a condição primacial de atuar, na qualidade de profissional, com o dinheiro proveniente de seu trabalho revertendo, na mor parte, em favor dos necessitados, em favor dos cancerosos.
Maysa passou a ser notícia de jornal e a cada dia crescia sua popularidade e aumentava, no Rio, a angústia de um público que ansiava por conhecer a grata revelação artística do ano de 1956.
O enigma, finalmente de desfez. Maysa aceitou contrato de Bom Bril para fazer uma temporada na TV-Rio. E veio; veio para começar no Rio a mesma brilhante carreira já consolidada em São Paulo. Sua vinda coincidiu com a instalação dos escritórios da RGE no Rio. Não será preciso dizer, portanto, que um mundo de gente da terra da garoa (ainda é?) voou do planalto para festejar com Maysa a noite de sua estreia. Primeiro, foi um “cock-tail” na Mesbla, com taças se chocando no ar e às vezes até se quebrando, tal entusiasmo que imperava no ambiente amigo, de confraternização artística, com o Ibirapuera abraçando o Maracanã e a Avenida São João se dando de braços com a Avenida Rio Branco... uma hora depois toda aquela gente alegre enchia o auditório da TV-Rio, florido para a noite de Maysa. noite memorável porque dezenas de milhares de pessoas, que tanto desejavam conhecer Maysa, com ela travaram contato, tiveram-na assim, com a cara de gata dentro de sua casa, cantando com a voz quente e ingênua, doce e insinuante, que já fizera o encanto dos paulistas.

Léo Batista foi o felizardo da apresentação, contou a história curiosa do surgimento de Maysa, tal como está escrita na contracapa do “long-playing” “Convite para ouvir Maysa”, em redação brilhante de Roberto Côrte Real, e disse o que poucos sabiam: ela é carioca!
A orquestra de Osvaldo Borba, de violinos em surdina, fez os acompanhamentos e o público foi-se embriagando com “Tarde triste”, “O que?”, “Escuta Noel” e “Ouça”, tudo de autoria da própria cantora, e “Segredo” de Fernando César. Violinos e harpas compunham o todo orquestral que amparava a voz gostosa de Maysa, no seu recital, e sua beleza exótica – repito que Maysa parece uma gatinha de estimação e vou até mais longe, sugerindo que sua beleza seja assim uma beleza felina... – a todos encantava.

A noite carioca era toda de Maysa. Para ela eram as atenções, os olhares, os comentários de um milhão de cariocas; para ela eram as palmas da plateia; para ela era o champagne que escorreria no auditório da TV-Rio, o mesmo champagne que marca sempre os grandes acontecimentos.
De vestido preto, com bordados de pedras, Maysa trazia o cabelo louro despenteado e caído por sobre a fronte. Mas o despenteado de Maysa completa o exotismo de sua beleza e compõe, com os olhos verdes, puxados para o canto, em forma de losango, o toque felino a que já me referi.

Quando cumprimentei Maysa, disse-lhe:
-         Você ficará zangada se eu disser que você tem uma carinha linda de gata?
Maysa só fez sorrir e disse:
-         Sabe que eu até gosto de ser comparada a uma gatinha?

É essa simpatia, esse valor, essa esplêndida revelação da música popular do Brasil que hoje todos festejamos. Maysa venceu porque tinha mesmo de vencer. Não fez porque. Venceu naturalmente, pela lógica das coisas. Seu disco que traz o samba “Ouça” já vendera mais de 30 mil exemplares quando escrevo estas linhas e o LP continua descendo das prateleiras, para a alegria de José Scatena e de toda a gente boa da RGE.
Agora vem outro “long-playing” por aí. Na face “A” vocês encontrarão “Ouça”, “O que?”, “Escuta Noel” e “Segredo” e na face “B”, “To the ends of the earth”, “Franqueza”, “Um jour tu verras” e “Se todos fossem iguais a você”. As orquestrações, à exceção de “Segredo”, que é de Henrique Simonetti, são do mesmo Rafael Puglieli, autor de todos os primorosos arranjos do primeiro LP. Será também sucesso.
Quando esta reportagem sair, já Maysa terá feito três ou quatro programas na TV-Rio e os cariocas já terão incorporado a gatinha à galeria de seus ídolos do canto popular. Não sou de dar palpites, mas este eu arrisco, sem receio de errar.


(Reportagem publicada originalmente na revista RADIOLÂNDIA, 1957)