5 de novembro de 2018

A cantora mais rica do mundo também tem seus problemas - New York Mirror Magazine, 1961



de Hyman Goldberg


É provável que você nunca tenha ouvido falar de uma moça chamada Maysa Figueira Monjardim, mas provavelmente ela tampouco ouviu falar de você. E embora ela esteja se esforçando enormemente para fazer seu nome tão bem conhecido nos Estados Unidos quanto o é por toda América do Sul, ela logo não ouviria nada sobre ninguém, exceto aqueles que promoverão sua carreira.
Maysa, que é como ela chama a si mesma, pulando os dois outros sobrenomes, é uma moça tão impetuosa e independente como você já viu. Ela é uma brasileira rica. Quando você diz que os Monjardim são uma família brasileira rica, é como se dissesse que os Rockfeller são uma família americana rica.
Ela também é casada, mas separada de um homem chamado André Matarazzo. A família dele é tão rica que Baby Pignatari, o extravagante playboy, com quem têm parentesco, é considerado um dos parentes pobres.
Maysa é uma cantora. E é uma brigona. Ela briga com qualquer um. Donos de boates, maestros e até com o público. Quando ela estava no Blue Angel recentemente,  costumava advertir os clientes que conversavam durante a sua apresentação.
A razão pela qual ela é separada do seu marido é uma briga que tiveram. Ele se opôs violentamente a que ela cantasse profissionalmente.
“Ele queria que eu ficasse em casa”, disse Maysa, os olhos escuros estalando furiosos com a lembrança, “porque moças de boas famílias não trabalham, e no Brasil estar no meio artístico é muito mal visto.”
Essa briga aconteceu há dois anos, quando ela e o marido estavam viajando do seu palacete carioca até a mansão de praia deles. “Um dia numa festa em minha casa”, ela disse, “Eu cantei uma música para os convidados e de brincadeira isso foi registrado num gravador. Eu gravei um disco, apenas para presentear os amigos. De alguma forma, uma rádio local conseguiu um deles e passou a tocar. Quando meu marido ouviu isso no rádio enquanto estávamos na estrada, ele ficou furioso.”
Esse foi o fim do casamento de Maysa e o início da carreira dela. Desde aquele dia a dois anos, ela se tornou a cantora mais popular do Brasil e nas TVs, rádios e boates da América do Sul. A gravadora Columbia daqui já a contratou e vai lançar vários discos dela em breve. Ela também mantém uma coluna em um jornal no Brasil chamada “Maysa à Noite”.
Na América do Sul ela ganha cerca de cinco mil dólares por semana. O que é um monte de dinheiro em qualquer lugar, mas muito mais lá. E a maioria dele, dizem seus assessores, ela doa para a caridade.
Maysa veio para os Estados Unidos com oito baús de roupas, todas de Paris e a maioria de Christian Dior. E um secretário, um empresário, um músico e um cabeleireiro. Ela canta em português, francês, espanhol, italiano e inglês, e fala, lê e escreve em todas elas também.
Cantar nos Estados Unidos, segundo o seu secretário, um jovem chamado Odilo Licetti, lhe custa cerca de mil dólares por semana, porque seus gastos são muito maiores do que o dinheiro que ela está ganhando agora, em sua primeira turnê aqui.
“Mas nós estamos acostumados com isso,” disse ele, dando de ombros. “Ela gasta dinheiro como se ele desse em árvores. Uma vez, em Las Vegas, quando eu não lhe dei mais nenhum dinheiro, ela apostou suas pérolas na roleta.”
Maysa sorriu, “elas eram minhas velhas,” ela disse.


(Matéria publicada originalmente na revista New York Mirror em 15 de janeiro de 1961)

21 de maio de 2018

"Estou querendo nascer de novo" - Intervalo nº 383, 1970



Bastante agressiva, às vezes desconfiando de um duplo sentido nas perguntas, Maysa ficou uma hora e meia às voltas com a equipe carioca de INTERVALO. Acendia um cigarro atrás do outro, mas até que estava tranquila diante dos repórteres. Parou de beber, emagreceu, vai voltar a cantar “fossa” e disse uma coisa muito importante: “Estou querendo nascer de novo”

TV – É verdade que você está fazendo psicanálise a 180 cruzeiros por dia?

MAYSA – É, mas ainda estou meio na base do medo. Agora comecei a ler Freud e isso está me confundindo mais ainda. Vou parar de ler porque se continuar acabo analisando o analista.
TV – Você está ensaiando um show no Teatro da Praia. Como vai ser?
MAYSA – Muito musical, com pouco texto, sem pernas de fora.
TV – Por que você achou ruim o show do Canecão?
MAYSA – Se eu tivesse achado ruim, não teria feito. Foi apenas um teste de uma imagem que eu estava oferecendo a um público para quem eu nunca tinha cantado. E as perninhas de fora faziam parte do teste.
TV – O teste foi pelo fato de ser cantora de gabarito numa cervejaria popular?
MAYSA – Eu sabia que era uma cervejaria enorme, mas não sabia que classe de show se fazia lá. Acontece que cheguei ao Brasil com uma carta compromisso para fazer um show na Sucata, mas quando o Canecão me fez a proposta, percebi que estava cansada de cantar em boate, para um pouquinho de gente. E eu fui feita pelo “Ouça”. “Ouça” atingiu todas as classes, Teresa de Sousa Campos cantava e o faxineiro também. Então já estava na hora de eu fazer um negócio para o povo, que realmente tinha me promovido. Vou fazer teatro agora, teatro também é mais para o povo do que boate.
TV – A gente tem a sensação de que você mudou muito de uns tempos para cá.
MAYSA – Não creio. Apenas, passaram-se dez anos, e esses dez anos serviram para amadurecer a fossa e me fazer saber qual era a hora da alegria. E outra coisa importante: hoje eu tenho coragem de só fazer o que me interessa. Antes eu fazia tudo porque não tinha outro jeito; hoje já enfrento as coisas com mais frieza. Isso que estou fazendo hoje, por exemplo, antes eu não fazia. Responder a um monte de perguntas de um monte de jornalistas. Bom, mas também a imprensa daquela época não dava mesmo pé. Era meio decadente, meio horror.
TV – Você acha que a imprensa é que foi responsável por aquela sua imagem de mulher angustiada, sofredora?
MAYSA – Não, a responsável fui eu mesma. A imprensa só aumentava um pouco as coisas. Eu realmente era uma mulher angustiada. Continuo sendo, só que hoje tenho consciência da minha angústia. Amadureci.
TV – Esse amadurecimento influiu na sua maneira de cantar?
Não creio. Tanto que, naquele show do Canecão, ataquei um pouco de covardia, me apegando às músicas antigas. Já no disco novo, aquele que estou com Jayminho na capa, enfrentei as minhas mudanças. Mas ficou parecendo que eu estava atacando de menina moderninha, e aí não dá. Não sou esse gênero, como Joyce, sei lá. No Teatro da Praia vou fazer o que gosto mesmo. Vou cantar músicas novas e também antigas, mas vestidas com roupagem nova. E sem exageros, por covardia.
TV – Bom, isso tudo quer dizer que agora você é mais profissional?
MAYSA – Puxa, mas muito mais. Sou profissional de três anos para cá. Antes, cantar era uma das maneiras de viver. Hoje, gosto muito mais do que estou fazendo. Naquela época não gostava, achava incômodo ter que ensaiar, dar entrevistas, que chato.
TV – Mas, se não gostava, por que fazia?
MAYSA – Taí, é uma boa pergunta. Fazia porque era uma forma de me afirmar. Como todo mundo disse que não devia, eu fiz. Agora, que todo mundo está de acordo, talvez eu pare...
TV – Quer dizer que você pensa em parar?
MAYSA – Evidentemente. Não sei, mas estou me achando muito obrigada a fazer as coisas. De certa forma, tenho saudade de antes. Fazia quando e como queria. Hoje estou com muita horinha marcada. Não sou capaz de dar bolo. Mas, aí, me sinto presa.
TV – Os anos que você passou fora do Brasil foram uma fuga?
MAYSA – Não. Foi querer descobrir um negócio novo. Fui e descobri Miguel. Mas não me lembro de muita coisa daquele período. Agora estou me lembrando de contratos, nos Estados Unidos e na França, que poderiam ter sido muito importantes e que eu chutei. Inconsequência mesmo.
TV – Você vai voltar a cantar na fossa porque quer ou porque estão fazendo pressão?
MAYSA – Ninguém está fazendo pressão.
TV – Mas você vai voltar a ser “aquela” Maysa?
MAYSA – “Aquela” vai ser meio difícil. Até a fossa mudou.
TV – No caso do “Ouça” por exemplo, o que foi mais forte:  o fato de ser você quem cantava ou a própria música?
MAYSA – Foi todo o conjunto. Mas, em primeiro lugar, o fato de uma Matarazzo começar a cantar. Vamos deixar isso bem claro. Uma Matarazzo cantando, o pessoal logo imaginava aquela mulher velha, gorda, de mãozinha cruzada no peito, chata de doer, imposta ao público por ter um nome poderoso. E não era nada disso, era uma menina de vinte anos cheia de problemas, de angústias, de voltas, choros e bebidas. Por isso tudo, “Ouça” funcionou. Era o conjunto de “Maysa, a fossa e a música”. Sempre a fossa no meio, o público vivia o meu problema.
TV – E como é que você se sentia quando a imprensa explorava o fato de você beber?
MAYSA – Não vamos falar nisso, a imprensa naquela época não existia. Mas foi bom porque saí daqui irritada e só por isso descobri coisas novas.
TV – Como vai o Jayminho?
MAYSA – Vai muito bem. Está há seis anos na Espanha, num colégio interno que dá uma educação moderníssima. É uma criança ótima, não pede a chave do carro, pede um sorvete. Vai fazer catorze anos agora, somos grandes amigos.
TV – Por que você o mantém na Espanha, em vez de trazê-lo para cá?
MAYSA – Porque... Bem, primeiro porque eu queria que ele desse valor a si mesmo antes de saber o valor que se dá aqui ao nome Matarazzo. Segundo, porque estávamos lá na época em que ele começou a estudar, e não acho bom mudar o estilo de formação. E terceiro, não sei, pode ser covardia minha, mas quero que ele tenha mais tempo para ser criança. Eu não tive muito. Saí do colégio interno, de freiras, praticamente para casar.
TV – Você se casou com André Matarazzo por causa de alguma pressão?
MAYSA – Eu me casei justamente porque disseram que não devia casar com um homem dezoito anos mais velho do que eu. Foi como se dissessem: “case!”
TV – Foi um período muito ruim?
MAYSA – Não preciso dizer muito: casei e me separei. Não consigo me lembrar direito do dia-a-dia. A visão que tenho hoje de André é... A de um pai, de uma pessoa completamente inconsciente  passando pela vida. Que André me perdoe, e Jayminho também, mas não consigo liga-lo a condição de pai do meu filho. André não deixou nada, não. Realmente nada. E é engraçado, eu o vejo como um pai mas ele talvez fosse mais criança do que eu, que tinha dezessete anos apenas. E com dezoito já era mãe.



TV – Como é que você vê o mercado artístico atualmente?
MAYSA – O que há é um negócio muito estranho, todo mundo pisando no mesmo palco, sabe como é? Deveria haver vários palcos. Os artistas de categoria estão precisando se afastar, porque os falsos valores estão atrapalhando. Hoje em dia a máquina funciona mais do que o valor.
TV – Vamos dar nome aos bois?
Nomes aos bois? Poderia... Mas não deveria. Não é por covardia, não. É que acho que determinadas pessoas tem muito peso – e eu sou uma delas. A gente não tem o direito de fazer mal aos outros. Eu ataco as pessoas que são da minha altura e que podem responder com segurança. Os mais fracos, não.
TV – E quem é que está à sua altura, então?
MAYSA – Bom, quando eu digo à minha altura, quero dizer, com valor, quero me referir àqueles que estão desempregados. Desempregados no sentido total da palavra.
TV – Mas quem são?
MAYSA – Eu diria Bethânia, eu diria... Elis – todos os que largaram a televisão. Todos os que deveriam ser donos da televisão não estão lá, porque tem outra gente imposta pela máquina que está ganhando dinheiro com isso.
TV – Quer dizer que você acha a televisão o mais importante para o artista?
MAYSA – Claro. É o que mostra mais. Canecão também é importante, mas a televisão é o meio de levar o artista ao Canecão.
TV – E o Ibope, importa ou não?
MAYSA – Ibope? O que é isso? Palavrão?
TV – Você tem planos de voltar a ter um programa?
MAYSA – Não estou pensando nisso. Se pensar, chamo o Carlos Alberto, que, para mim, continua sendo o melhor produtor de TV.
TV- Como é que você vê a volta de Chico Buarque de Hollanda?
MAYSA – Eu... acho o Chico um bom poeta. Um lindo garoto de olhos verdes. Gostaria que meu filho fosse bonito como ele.
TV – E essa partida dos compositores para o exterior?
MAYSA – Um sonho. Me diz quem é que está funcionando lá fora? Saem de uma máquina mal feita para outra melhorada, mas não adianta. Caetano Veloso ter ido embora considero uma perda enorme. Edu Lobo também. Acho que é só.
TV – E Gil?
MAYSA – Gil, eu tenho impressão de que tem muita vontade de se mostrar. Caetano é mais minha pele, sabe como é?
TV – Você foi a primeira fora da Jovem Guarda a cantar “Se Você Pensa”, não é? O que a levou a isso?
MAYSA – Fui sim, fui a primeira. O que me levou a cantá-la? É a tal história: aquela vontade de atacar, de agredir, e a música realmente é uma graça. Mas não consegui dar uma interpretação diferente da de Roberto Carlos. Ele marcou muito. Ninguém deu o recado melhor do que ele. Isso é um negócio muito sério – por exemplo, se eu quisesse cantar uma música do Caetano, das que já foram feitas, não poderia nunca, porque já estão bem dados os recados. Agora, se ele mandasse uma música para mim, aí talvez eu pudesse criar a minha interpretação.
TV – Você gostaria, então, que Caetano lhe mandasse uma música?



MAYSA – Puxa, adoraria!
TV – Mas no seu contrato com a Philips há uma cláusula que obriga você a compor, não é?
MAYSA – Não me obriga, me incentiva. E já recomecei. Só estou fazendo letras, porque ainda me acho sem base para fazer melodias. Naquela minha fase de compor muito, eu enganava. Agora não dá mais para enganar. Tem-se que estudar muito para ser compositor. Hoje já vejo isso claro. Estou querendo nascer de novo.
TV – Devido a que?
MAYSA – Não sei, prefiro não saber. Se de repente eu descobrir e não gostar, vai ser horrível.
TV – Ronaldo Bôscoli foi muito importante na sua vida sentimental e profissional. Agora você está voltando a trabalhar com ele. Por quê?
MAYSA – Miéle também é meu produtor, sabiam? Por que perguntar só de Ronaldo?
TV – Porque Ronaldo sempre foi mais ligado a você. Bossa nova, “Barquinho”, Miéle naquela época não estava muito nessa.
MAYSA – Olha, não vamos tirar assunto de onde não tem. Acho a dupla Miéle-Bôscoli a mais importante do Brasil e de muitos outros lugares. Ronaldo realmente ajudou a calçar minha carreira. Ele e Miéle são do maior bom gosto, são os pais do show no Brasil. Além disso tenho amizade de muitos anos com Ronaldo, estou ligada a ele e a tudo o que o cerca – sua família, sua irmã Lila que é como minha irmã.
TV – E Elis?
MAYSA – O que tem? Elis é uma ótima cantora.
TV – Houve uma época em que você a chamava de “coitada”.
MAYSA – Acontece o seguinte – quando eu disse que Elis era uma coitada, é porque eu conhecia Ronaldo Bôscoli. Sei que tenho preparo físico para aguentar muita agressão de Ronaldo, porque agrido também. Mas eu não conhecia Elis, não sabia se ela tinha esse preparo físico. Já vi que tem. Não estou dizendo isso para limpar a barra, não.
TV – Você foi ver o show dela no Canecão?
MAYSA – Fui. Eu acho de uma tremenda coragem o que ela está fazendo. Eu teria um certo medo de fazê-lo. Por causa dos arranjos, inclusive, que estão muito altos. Mas o show é muito bem feito.
TV – Há tempos correu o boato de que você estava esperando bebê.
MAYSA – Estava mesmo. De três meses. Mas perdi. Não foi a primeira vez. Estou doidinha pra ter outro filho. Essa é uma das razões porque pretendo parar de cantar. Quero me organizar para ter meu filho.
TV – Como é que você parou de beber?
MAYSA – Estive internada seis meses numa clínica. Se não parasse, morria dali a três meses. E a bebida não estava me dando nada. Então parei. Mas hoje, gostaria de ter o direito de beber de vez em quando. Direito que não me dou, porque para beber um uísque quero beber três, e se beber três tenho que beber todos.
TV – Por que você sumiu do programa do Flávio Cavalcanti?
MAYSA – É uma longa história. Eu estava no exterior e tinha dito que só voltava se fosse convidada para trabalhar. Encontrei o Flávio em Lisboa e ele me convidou. Eu não sabia o que era o programa. Me arrependo de muito poucas coisas na minha vida: uma delas é ter participado do júri do Flávio. Julgar os outros é furado, não dá pé. Destrói muito mais do que constrói. Bernadete, uma moça que trabalhou comigo, saiu lá, da “A Grande Chance”. Os podres que ela contou, a maneira como se sentiu arrasada por não ter podido chegar a final, são coisas assim de meter medo.
TV – O que você vê na televisão?
MAYSA – Chacrinha. Ele é mesmo genial. E um outro programa além do dele.
TV – Maior cantor ou cantora do Brasil?
MAYSA – Milton Nascimento. É demais.
TV – De que é que você mais está precisando agora?
MAYSA – De raízes. Criar raízes, ter a minha casa, a minha corriola. Sentir que as pessoas precisam de mim, que sou querida, mesmo na forma de agressão. De fazer um tremendo show no Teatro da Praia. E de Miguel junto de mim, naturalmente, que Miguel me faz um bem danado.  

(Reportagem publicada originalmente no número 383 da revista Intervalo em 1970.)


24 de abril de 2018

O último álbum de Maysa




Encarte do álbum.

Notas do diretor – responsável

Aproveitamos a presença de Oscar Castro Neves por algumas semanas no Rio. Juntamos Oscar e Maysa para preparar as “bases” do disco. As “bases” consistem nas gravações do canto acompanhado somente por violão, piano, baixo e bateria. As gravações foram feitas à noite pelo técnico Toninho. Depois das “bases” prontas vem a vestimenta. Aí, entrou o Gaya com suas cordas, metais, percussão, etc. o responsável técnico dessa fase foi o Nivaldo Duarte. E aí estão 8 canais prontos para serem mixados, isto é, colocar tudo em seus devidos lugares, no seu devido balanço. Isso também foi feito por Nivaldo com a supervisão de Jorge Teixeira. Nesta altura Milton Miranda achou tudo uma joia.

TUDO POR CULPA DE UM SUJEITO

Da sua cobertura em Copacabana ela espia o mar, lá longe. Aquele par de olhos de gata – gata arisca – levam suas vontades no lá longe do infinito. Daquele mar, seus pensamentos antigos. Suas viagens pelo mundo, suas cantigas espalhadas, seu nome escrito em idiomas diferentes, seu trilhar na base do “Oropa, França e Bahia”. Quem mandou? Quis ser cigana, que seja, e deixe de lado a coisa doméstica do dia a dia, da conta da luz, do gás, do telefone, a luta de não ter soja hoje como banha Rosa amanhã. Sabe, isso sim, o que é de sabor de estrela, de lua, de céu sem bruma e sabe mais nos versos que canta sua imensa solidão. É ela só e seus olhos de gata, companheiros constantes. Agora ela se encolhe, depois de debruça sobre o papel e faz um verso ou se alonga no braço pelo pincel e traça na tela a face branca e triste de um palhaço. Estranha mulher, essa Maysa, que tem um mundo de amor pra dar, e se esconde numa incerteza que é medo puro. Seu disco?
“Em 57 gravei o meu primeiro. Ele se chamou ‘Convite para ouvir Maysa’. E faturei com o mesmo título o Nº 2, Nº 3, Nº 4 e lá se foi a numeração. Cantei meu primeiro disco em 1974. Aí passei a ser para mim mesma um convite para ouvir-me. Tudo por culpa de um sujeito chamado Aloysio de Oliveira que por saber o quer, faz a gente descobrir coisas dentro de nós.
Discordamos de muita coisa, como por exemplo, o tratamento da música “Rasguei a Minha Fantasia”, mas ele é tão tinhoso que eu acabei concordando e gostando de tudo. A alegria que existe em determinadas faixas como “Agora é Cinza” não é bem como se sente pela primeira vez. É preciso ouvir de novo e descobrir quanta sutileza ela contém. Nesse disco ficou revelado publicamente o meu amor a Oscar Castro Neves. E quanto ao Gaya... Bem esse é um monstro!”

MAYSA – UMA CAMINHADA SEGURA

O artista aquele, desses dias de hoje, enche a boca quando diz que vai se apresentar no Olympia, de Paris. Isso, nessa hora de agora, nesse vale tudo da vida – pisar naquele palco já não é mais uma grande jogada. As portas do Olympia estão ultimamente muito francas, e seu dono, não está fazendo muita questão de escolha e, tanto faz uma trupe de cachorros amestrados, como um louco cantor de qualquer canto, que tenha cabelos verdes, se pinte de forma andrógina, e faça faturamento na bilheteria e estamos conversados em francês. Mas, no calendário de dez anos atrás a coisa era diferente. Era precisa o aval de uma Piaf, a garantia de um Sacha Distel, um oui de Jacques Brel, para que uma audiência experimental fosse conseguida.
Estamos em 1963 e Maysa está em Paris. Os jornais escrevem seu nome certo, com “y” no meio, e os fotógrafos tem diante de seus olhos uma moça de 26 anos, gorda de rosto, de corpo e de alegria. Na véspera da sua estreia o “France Soir” escreve assim, no escuro: “elle ést trés brune, du genre ‘opulent’ e brésilienne. Dans son pays, on la considère comme l’une de plus grandes vedettes de la chanson. Elle s’appelle Maysa, tout simplement; e la bossa nova – oui, vous savez, cette samba, ‘nouvelle manière’ importé par Sacha Distel est son royaume! Parmi les neuf chansons qu’elle va, pour ‘son publique parisien’ interpreter en français, en espagnol et en portugais. Maysa a inscrit deux de ses compositions (brésiliennes): ‘Ou çá?’ déjà enregistrée par Jean Sablon, et ‘Souvenir’. Il y aura aussi ‘Je voudrais rencontrer un grand amour’ et ‘Ne me quitte pas’, de son ami e idole Jacques Brel, qu’elle déjà allée entendre trois soirs sucessifs depuis son arrivée.”


A partir do minuto 3:48 Aloysio de Oliveira e Maysa comentam sobre o disco. Especial da TVE gravado em Maricá, 1974.


Eu não gosto de vender minha arteO Globo, 2/12/1974

Maysa não gosta que se fale em volta, pois para ela, não houve partida. Parou porque queria descansar em sua casa na praia de Maricá, longe da máquina, da pressa, que não lhe agrada. Para ter-se uma ideia de seu atual ritmo de vida, basta lembrar o tempo de produção de seu novo disco: um ano.
- Quando Aloysio de Oliveira – que é o produtor do LP – sugeriu que fizéssemos um disco, aceitei de imediato, pois sabia que tudo seria feito do meu jeito. Em dezembro do ano passado, começamos a trabalhar no disco, com muita calma, pois não gosto da pressa que caracteriza as gravações, hoje. Todo mundo só pensa em acabar logo e colocar o disco à venda. E eu não gosto de vender minha arte.
Por isso, Maysa nunca pensou em crise na indústria fonográfica e não está preocupada em saber se o seu disco vai vender ou não. Diz que o importante é o disco mostrar o que vai dentro dela. No repertório, só músicas antigas, que ela queria gravar a muito tempo: “Castigo”, “Fim de Caso”, “Agora é Cinza”. De novidade, um tema da novela “Eu Compro essa Mulher”, com letra da cantora, que gravou a música para “fazer um carinho” no ator Carlos Alberto.
- O resto das músicas é de gente que estava comigo, quando comecei. Há pedaços de Silvinha Teles, de Dolores, de Aloysio, de Marisa. Não se trata de um saudosismo burro, de fossa, mas de um estado de espírito.

O lançamento

Para a cantora, esse disco é uma continuação do que gravou em 1962, antes de deixar o Brasil, também com produção de Aloysio de Oliveira. O Lp de 1970 – gravado durante seu show, no Canecão – não é de seu agrado, embora não o renegue.
- Na verdade, não gostei de nada que fiz depois que voltei ao Brasil. A exceção é o disco que vai ser lançado agora. Sei que alguns críticos vão dizer que não acrescenta nada à minha carreira porque gravei músicas antigas, sem a preocupação de agrada a ninguém. Mas o disco soma muita coisa para mim.
O lançamento do Lp de Maysa vai ser no seu apartamento, na próxima semana. A festa reunirá amigos e uns poucos jornalistas, porque o que a cantora quer, agora, é muita paz. Não há shows nem apresentações em rádio ou televisão programados.
- Meu único programa, atualmente, é passar o maior tempo possível na minha casa em Maricá. Só voltarei a ter uma vida artística mais ativa se puder fazer tudo com muita calma. Senão, fico apenas no disco, que está aí para quem quiser ouvir. É o que tenho para dar. 

Revista Veja, 1974.

"Maysa vai cantar as músicas de seu próximo disco" - Diário de Notícias, 6/10/1974.





20 de fevereiro de 2018

Maysa entre nós - Diário de Notícias, 1969



Reportagem de Anna Maria Funke
Fotos de Athayde dos Santos

MAYSA está de volta. Com sua beleza agressiva e aqueles seus olhos imensos e muito verdes, iluminando o rosto de uma mulher feliz e tranquila. Uma Maysa diferente daquela que o público conheceu em certa época. Mas isso é detalhe, pois Maysa, em nenhum momento, deixou de ser a cantora de voz personalíssima, cantando bonito e muito fazendo pela nossa música. Como compositora e cantora.

Maysa acha que o brasileira está cansado de música confusa, barulhenta, de letra longa. O que ele quer é coisa simples, bonita, humana, na qual cada um possa se identificar.
Música ela não tem feito há muito tempo. Está agora fazendo poesia, dentro da mesma linha de suas composições. Mas poesia, ela faz para ela só.
A primeira música, ela fez quando tinha doze anos, época em que já saia de casa, dizendo que ia estudar, para visitar gravadoras e estúdios... “Olha, levei muita surra e castigo por causa disso...” Chamava-se “Adeus” e foi por ela gravada, anos depois, quando surgiu para o grande público em 1957. Mas de suas músicas a que mais gosta é “Tarde Triste”, que juntamente com “Ouça” são talvez seus dois maiores triunfos.
Para fazer cinema ela teve um convite em Portugal, que não foi aceito. Não conhece muito o nosso atual cinema, mas gostaria muito de um dia poder interpretar na tela, a protagonista do romance de Mário de Andrade, “Amar, verbo intransitivo”. Aqui fica, portanto a sugestão para alguns de nossos cineastas...
A verdade é que hoje ela é um nome internacional. Já cantou em toda América do Sul, no Japão, nos Estados Unidos (onde morou dois anos e fez temporada no famoso “Blue Angel” de Nova York, ao lado de grandes cartazes), na Europa toda. Em Milão, fez programa de TV, “Em tempo de Samba”, mostrando as coisas bonitas desse nosso ritmo.
Mas o que pouca gente sabe é que no dia 16 de janeiro de 1963, uma brasileira fazia sucesso no Olympia de Paris. Era Maysa, que nesse dia estreava temporada, em programa no qual a vedete era o famoso Tino Rossi. Maysa cantou acompanhada pelo conjunto de Jacques Brel e o sucesso foi enorme. Nesse mesmo ano fez também programa de TV no único canal de TV de Paris cantando 12 músicas, com cenários sobre o Brasil, etc... chamou-se “Rendez-vous avec Maysa”. Também cantou em outro programa sucesso na TV francesa, o “Discorama” ao lado de Sacha Distel. Seu último disco, foi gravado na Espanha. Um compacto, com “Reza” (Edu Lobo) em versão espanhola, feita por ela mesma e “Pálida Ausência”, canção de protesto, de autor espanhol, com música, segundo ela, de grande beleza.
Mas em sua primeira ida a Europa, em 1959, quando resolveu deixar tudo aqui e viver uns tempos em Paris, ela já havia gravado no Olympia, com Ray Ventura e cantado em uma festa em San Remo.
Nessa época, ela descobriu Paris, com todo o seu encanto, inclusive o de viver nessa cidade, sem dinheiro, pois a família aqui, já não queria mandar mais, para ver se ela voltava. Junto com Vera Barreto Leite, que também lá estava, chegou a fazer desenhos e pinturinhas que vendiam aos turistas (pouco exigentes), para conseguir, quando muito almoçar e jantar.
Na continuação do papo, ficamos sabendo que temos uma admiração em comum por Judy Garland, cantora que ela considera extraordinária acima de qualquer outra. Gostava muito de Piaf que chegou a ouvir mais de uma vez.
De sua vida, feita de muita vivência e experiência, ela tem agora um sentido certo. De todos os anos que morou no exterior ela tem a certeza que ainda quer morar lá fora, pelo menos durante algum tempo ainda. Agora é viver intensamente essa atual temporada no Brasil. Trabalhando muito, cantando sempre bonito, com aquele jeito, muito seu, de cantar e dizer, ao mesmo tempo, transmitindo espontaneamente coisas de amor, saudade, tristeza, solidão, encontro e desencontro... Ou então a simplicidade da história de um barquinho em dia de sol, tema da canção que começou a leva-la para bem longe em sua carreira, que teve marés fortes e tempestuosas, mas hoje é calma e tranquila.
Dias atrás, Flávio Cavalcanti em seu programa, “A Grande Chance”, perguntou a Maysa, qual havia sido a sua grande chance. Maysa, não pensou muito para responder, que havia sido o fato de ter se chamado Matarazzo no início de sua carreira. Ali estava a resposta de uma mulher simples e autêntica.
Maysa não pensava em vir ao Brasil agora. Estava em Lisboa fazendo uma temporada numa das maiores boates da cidade (e fazendo um grande sucesso que pudemos comprovar quando lá fomos assistir a seu show em dezembro passado), quando foi convidada por Flávio Cavalcanti e Artur Farias para assinar um contrato com a TV Tupi.
Resolveu então vir. Agora faz parte do júri de “A Grande Chance”, e prepara a estreia de um programa seu na televisão. Deverá durar 1 hora e meia e vai mostrar vários aspectos da história de sua carreira. O programa estreia no começo de abril e terá nome simples que diz muita coisa: “Maysa”.
Em seu apartamento de Copacabana, onde pretende ficar até o fim do ano, quando então voltará para a Europa, conversamos durante muito tempo sobre música, gente e coisas. Ao seu lado, o marido Miguel Azanza, belga naturalizado espanhol, lembrava-lhe detalhes e datas participando, simpaticamente do nosso papo.
Faz 7 anos que ela não mora no Brasil, onde tem vindo relativamente pouco. O público a viu pela última vez no penúltimo Festival da Canção. Mas o ano passado ela deu uma “fugidinha” e passou 8 dias em São Paulo, com a família, fato que só agora ela nos conta. Era em Madri que estava morando atualmente, mas quando voltar irá morar em Portugal, numa casa gostosa, lá em Cascais, aquela cidadezinha-porto, de casas brancas e ruelas pitorescas, situada a alguns quilômetros de Lisboa. A casa já está comprada e os planos do casal são muitos no que diz respeito à decoração.
Antes de embarcar para o Rio, Maysa esteve cantando, durante um mês em Angola, acompanhada pelo conjunto Thilo’s Combo, o melhor de Portugal. Seus maiores sucessos nessa temporada: “O dia da vitória” de Marcos Valle e o nosso muito lindo “Chão de Estrelas”, que na sua interpretação ganha um tratamento muito especial.
No momento, Maysa prepara com todo carinho, o lançamento de um LP e um repertório novo. Para isso, tem recebido todas as noites, muitos compositores que vão lhe mostrar canções novas. No repertório que vai cantar aqui no Brasil (inclusive na boate Sucata, em temporada que começa dia 29 de abril) ela incluirá alguns números antigos, mas 80% será de música inédita. Mariozinho Rocha, Lúcio Alves, Flávia, Marcos Valle, Durval Ferreira, Francis Hime, Tom, Edu Lobo são alguns dos compositores que ela via em Egberto Gismonti, um jovem do estado do Rio, que segundo ela faz música para agora e daqui a muito tempo. Dele, ela irá gravar pelo menos três músicas, já escolhidas. De johnny Alf de quem ela canta “Eu e a Brisa”, na Europa, com o maior sucesso, também gostaria de cantar alguma coisa nova. Enfim, Maysa quer entrar em contato com a gente boa e nova que está fazendo o lado positivo da nossa música.
“E da pilantragem, o que você acha?” “Olha, acho válido como experiência, mas será uma fase apenas passageira. A meu ver é um misto de chá-chá-chá com xaxado... mas sobretudo o que eu não admito é que essa turma critique o outro lado da nossa música, que é o autêntico.”


(Reportagem publicada originalmente no jornal Diário de Notícias em 1969.)