31 de março de 2014

Imprensa: Maysa trocou o copo pelo Canecão - O Cruzeiro, 1969


Maysa trocou o copo pelo Canecão



Reportagem de Rosinha Sarda

“Ela trocou o copo pelo Canecão.” Um jogo de palavra de Leon Eliachar para falar da volta. Na hora em que se procura o novo, eis Maysa voltando: na voz, as mesmas canções, o mesmo mormaço de antes. Uma cartada de risco, no décimo ano de carreira: a cantora intimista, da solidão e do sussurro, vai ao Canecão, onde duas mil pessoas vão amá-la. Maysa de volta. Ela conta idas e vindas.

-         Maysa, porque você canta?
-         Eu acho que as pessoas devem fazer as coisas que mais gostam e melhor sabem. Eu gosto e especialmente: sei cantar.
-         Cantar é um meio de vida, para você, ou tem outro significado?
-         Eu dei metade da minha vida para cantar. Portanto, cantar, para mim, não é um meio de vida; cantar, para mim, é a própria vida.
-         Quem é o público?
-         Aquele que aplaude ou silencia. O outro não me interessa.
-         Que valor tem o público?
-         Não meço o público. Estou ali para eles. Eles é quem devem ser perguntados.
-         Você gosta mais do público selecionado?
-         O que é que você chama de público selecionado? A minha voz é igual para todos os que me ouvem. Se eles entre si se sentem diferentes, não é meu o problema.
-         Você é uma cantora de elite?
-         Eu sou cantora de músicas.
-         Houve época em que você bebia muito antes de se apresentar, porque?
-         Eu não bebia só antes de me apresentar. Eu bebia sempre. Porque? Porque queria, ora essa!
-         Você tem ódio?
-         É o sentimento mais pobre e mais chato que existe. Deve dar um trabalho danado odiar os outros.
-         Qual o sentimento mais constante em você: ódio, amor, alegria ou tristeza?
-         Eu busco amor em tudo.
-         Porque você só canta músicas tristes?
-         Talvez seja com elas, com as quais mais me identifico. Mas não é verdade que eu só cante músicas tristes. Canto o que gosto e o que sinto no momento. e não faço da tristeza profissão.
-         Que é que sente quando a chamam de cantora bêbada?
-         Uma tremenda vontade de tomar um pileque para dar-lhes razão, para não deixá-los no papel de mentirosos. E também uma profunda pena pela falta de assunto dessa gente.
-         Você tem, no olhar e no falar, uma agressividade profunda. Contra o que?
-         Isso é uma opinião sua. Eu não agrido ninguém. Eu me defendo. Eu fujo. Me defendo de pilantras. Fujo da burrice.
-         Gosta da vida, ou gostaria de estar morta?
-         Amo a vida com todos os seus problemas e todas as simples coisas do dia a dia.
-         Houve época em que preferia estar morta?
-         Sim, houve essa época. graças a Deus já não é assim.
-         Como interpreta o sentimento de amizade?
-         Para mim é a coisa mais importante que há. Desde que seja verdadeiro. Sou muito desconfiada, sabe?
-         Você tem amigos?
-         Poucos, mas muito verdadeiros. Um deles, talvez o maior: Ítalo Rossi.
-         Porque saiu do Brasil? Estava fugindo?
-         Porque tive vontade de ver outros problemas, amar em outros idiomas, cantar para outras plateias. Eu fugi sim. Me enchi de ser pão-de-ló de festa de determinada imprensa que estava muito em moda naquela época. Me cansei de ser importante só no meu país. Fui ser importante em outros lugares, não só pelo meu canto, mas também como ser humano.
-         Porque voltou?
-         Porque enfim, meu povo, minha gente, minha terra e minha saudade me trouxeram de volta.
-         Qual a sua maior decepção?
-         Não digo porque vocês não poderiam publicar.
-         Você ainda bebe?
-         E você, não?
-         Poderá um dia voltar a beber?
-         Nesse dia, mandarei um convite a todos os que possam interessar-se para a glória geral dos fofoqueiros profissionais.


(Entrevista publicada originalmente na revista O CRUZEIRO, em 1969)

17 de março de 2014

Imprensa: Maysa ganha 50 mil cruzeiros por dia - Revista do Rádio, 1958


Maysa ganha 50 mil cruzeiros por dia


Texto de MAX GOLD – Fotos de HÉLIO BRITO

Há poucos dias os jornais noticiaram que Maysa iria ganhar uma fortuna por uma série de exibições no norte. A cantora, em entrevista à REVISTA DO RÁDIO, tudo confirma.
-         Fui contratada pelos empresários Carlos Silva e Ribamar e Ribamar Rosa para uma excursão de 14 dias, que começará em Manaus, e terminará em Salvador. Receberei, livre de qualquer despesa de passagens e hospedagens em hotel de primeira classe, a importância de meio milhão de cruzeiros.
-         Quantas atuações diárias?
-         Duas por dia e há uma cláusula, que obrigo em todos os meus contratos: não me apresento em praça pública nem em cinema. Estou atualmente cobrando por minhas apresentações fora do Rio, 50 mil cruzeiros diários e posso dizer com satisfação que os empresários tem pago e tido lucro.
-         Vai se apresentar fora do Brasil?
-         Tenho duas propostas da Argentina, para fazer teatro, rádio, boate, televisão, durante um mês. Respondi pedindo um milhão de cruzeiros e estou aguardando a resposta de quem se manifestar primeiro para assinar o contrato. Reservei o mês de maio para os meus programas na Rádio e TV-Record e a gravação de um LP na RGE, que se chamará “Maysa ao redor do mundo”, em que cantarei em várias línguas. Em junho farei televisão em Belo Horizonte. Em julho viajarei pelo interior de São Paulo e possivelmente em agosto ou setembro irei à Europa, para atuar em Portugal ou na França.
A conversa tem lugar no aeroporto Santos Dumont, enquanto Maysa espera a chamada para tomar o avião para São Paulo. Ela aproveita, compra um brinquedo para o filho e uma flâmula do Botafogo, seu clube do coração. Aproveitamos e indagamos quanto ela está recebendo da Record.
-         Cem mil cruzeiros por quatro audições por mês, conjugadas de rádio e televisão. Meu programa que era realizado no auditório “pullman” da Record passou agora a ser feito no estúdio da televisão junto do aeroporto de Congonhas, sem a presença do público.
-         Quem cuida de seus contratos?
-         Meu secretário, Hélio Capalbo, e meu advogado, dr. Orlando Bulcão Viana.
-         Como foi sua temporada em boate?
-         Muito boa. A última, na boate “La Boheme”, durou mais de um mês e eu recebia 15 mil cruzeiros diários. Vou muito bem, igualmente, de direitos autorais: o último trimestre rendeu 200 mil cruzeiros.
-         E o que tem feito com o dinheiro que ganha?
-         Parte é dedicada às obras de caridade e outra parte eu utilizo nos meus gastos. Sou dona de um apartamento em Botafogo e estou comprando um outro bem grande em Copacabana, para morar, pois resido em apartamento alugado.




(Matéria publicada originalmente na REVISTA DO RÁDIO, em 1958)

13 de março de 2014

Imprensa: Os "trinta litros" a menos de Maysa - Diário da Noite, 15/09/1969


Os "trinta litros" a menos de Maysa


Texto: Suad Hadha – Foto: João Peixe

Maysa, um dos únicos “fenômenos artísticos”, concedeu ontem entrevista coletiva à imprensa no Urso Branco, local onde irá estrear seu novo show. A grande intérprete e cantora pode ser considerada um dos acontecimentos mais importantes do nosso meio musical.
Enquanto muitos de nomeada lutam pela permanência na parada de sucesso, a cantora brasileira deixa o Brasil, não vai à televisão, grava poucas melodias e quando retorna, depois de longo tempo, é sempre bem recebida, lotando todos os locais onde se apresenta.
Maysa é a mensagem mais autêntica de singeleza. Responde a qualquer pergunta e dá o máximo de atenção a quem a interroga. Com seus trinta quilos a menos, a compositora e cantora de “Ouça”, “Meu mundo caiu” e outros tantos sucessos que iniciaram a verdadeira fase intimista da música brasileira, está como aquilo que o brasileiro da gema rotula de “enxuta”. Linda, autêntica como sempre se apresentou, diz que “nunca deixei de beber”. Só não tomo aqueles pileques famosos, mas deixar da bebida, jamais. Emagreci, uns trinta litros”.
Maysa confessa que cantaria, como Ângela Maria, em qualquer boate e não vê nisso nenhum problema. E com suas novas gravações, onde se incluem músicas de Roberto Carlos, Johnny Alf e outros compositores, totalizando vinte interpretações, inclusive da sua própria autoria, Maysa, após longa ausência de nossos palcos, voltará no Urso Branco.

GRAVAÇÕES

Embora seja profundamente saudosista, a cantora que encantou muitos países da Europa, gosta muito de Caetano Veloso e o considera um “cantor que quem interpretar suas músicas, estará dando o recado. Caetano é ‘sideral’, mas eu não gostaria de gravar nada dele, porque acredito em uma gravação que exija criação pessoal. Enquanto outros podem interpretar Caetano, eu gostaria que ele compusesse para mim, só para mim. Aí então eu gravaria, caso contrário, não”.
Teatro também é tema para Maysa. se por um lado não lhe sobra espaço para faze-lo, em seus planos consta uma peça com roteiro baseado em crônicas do imortal compositor Antônio Maria e músicas de Dolores Duran. Essa peça, Maysa pretende leva-la no próximo ano, com estreia marcada em teatros do Rio de Janeiro.
Outra pergunta que se fez nessa entrevista, foi sobre seu ponto de vista a respeito de Cauby. Maysa disse gostar muito dele como pessoa. E como cantor, embasbacou-se, pois nunca houvera pensado antes. Disse aos repórteres que prometia “parar e pensar”.
Gosta do seu futebolzinho, embora “pó-de-arroz” em torce em S. Paulo pelo Palmeiras; no Rio é Botafogo.
Adiantou que está confiante na música que defenderá no Festival Internacional da Canção, e, a instituição do “Troféu Maysa” à melhor intérprete desse mesmo festival, a fez muito feliz.
Nem por essa docilidade toda, Maysa deixa de responder que “em verdade Elis Regina é o pior caráter que conhece no ambiente que vive. Elis é falsa, intrigueira, sem desmerecer seu grande valor como cantora. Intérprete ela não é. Maria Bethânia sim é uma grande intérprete da nossa música. Enquanto isso, Nara Leão é puramente autêntica”.

BRUXARIAS

Maysa não crê nisso, e sorriu quando lhe perguntaram se “Polanski não era um bruxo”. E vai além em todas suas considerações sobre o que há de acontecer. Para ela “felicidade é privilégio dos burros”.
Isso, segundo a cantora, é o mesmo que dizer que “não se vive com os pés fincados no passado e ser feliz é coisa de momento. Quem acreditar que se planta a felicidade em tempos, é burro mesmo. A gente terá sempre, no momento em que vive, sorrisos e tristezas. Terá a mesma coisa nos tempos idos. E será sempre assim”.
Maysa lê pouco, pela falta de tempo, mas confessou estar profundamente impressionada com o último livro que leu: “O Compromisso” de Elia Kazan.
Isso não impede de dizer que atualmente não componha mais. Faz, às vezes, poesia, mas “somente para consumo pessoal”.
Maysa é realmente a *palavra ilegível* mais autêntica mesmo. É capaz de dizer com convicção que “gosto muito mais de cachorro vira-lata do que desses atrevidos à bacanas. O vira-latas não tem trejeitos”.
De todos os convidados não faltou Werner, o cabeleireiro de Maysa, *palavra ilegível*. Foram muitos abraços *palavra ilegível* se viram e não faltou o clássico beijo de saudades quando se encontraram mais perto.
Realmente muita coisa *palavra ilegível* se diria de Maysa. No entanto, o mais importante é esse extravasamento e a alegria que essa excepcional compositora e cantora demonstrou.  Rejuvenescida, com seu filho a tira colo, *palavra ilegível* dos poucos sucessos permanentes de nosso meio romântico, falou à imprensa e dialogou com todos numa noite de muita música.


(Reportagem publicada originalmente no jornal DIÁRIO DA NOITE, na 5ª feira, 15 de setembro de 1969)