“Eu estava bebendo demais e viver não tinha mais nenhum
sentido”
“O amor deu nova força a minha vida”
depoimento à Gardênia Garcia
Quando eu estava bebendo demais, quando minha vida não tinha
mais sentido, não via horizonte nenhum, fui a Portugal, em 62. Fui por ir,
tanto fazia. E conheci Miguel. Ele e a mulher foram ver meu show, e Gabriela
levou meu disco para autografar, no camarim. Eu e Miguel nos amamos à primeira
vista. Quinze dias depois morávamos juntos. E Gabriela ficou minha amiga.
Quando ela se divorciou de Miguel, no México, ficou hospedada em nossa casa.
Vale lembrar que quando eu e Miguel nos conhecemos, em 62, Gabriela era linda e
eu pesava 96 quilos. Foi amor mesmo!
CONHECI Miguel e minha vida mudou. Foi com a ajuda dele que
saí do pileque de anos, que emagreci, que ganhei tranqüilidade. Precisamos
muito um do outro. Ele deixou suas fábricas na Espanha e passou a me
empresariar. Agora está produzindo a peça que ensaio.
Depois que emagreci, dou um valor imenso ao corpo, não por
vaidade. A bebida e a gordura estavam interligadas, eram autodestruição. Quando
engordo meio quilo fico muito deprimida, trato de perde-lo rápido.
Nós vivemos na Espanha, um tempo, transferi Jaiminho para um
colégio lá, depois viajamos muito. Parei de cantar muitas vezes, de vez em
quando volto. A última música que gravei é o Tema de Simone, do O Cafona,
aliás, é das poucas composições minhas que gosto.
Vivemos um ano nos EUA, Miguel lecionando línguas, eu de doméstica.
Porque adoro cuidar de casa, cozinhar.
Tenho premonição das coisas, sou meio bruxa. Por isso topei
aquela temporada no Canecão. Estive magoada muito tempo, porque cantava no
mundo inteiro e não recebia convite para o Brasil. Até que Flávio Cavalcanti se
hospedou no mesmo hotel que nós, em Portugal, e me chamou para seu programa. E
viemos para ficar. A temporada no Canecão foi maravilhosa para mim. Apesar de
ter sido eu a primeira cantora que teve coragem de topar uma coisa destas,
acabei me decepcionando com os donos do Canecão, que foram mal agradecidos, no
final. Não entro em detalhes, ganhei a causa.
E então, no ano passado, aconteceu um novo marco na minha
vida: o programa Dia D. Trabalhar como jornalista. Laerte Garcia, o
cinegrafista do programa, foi pessoa da maior importância para mim. Foi ele
quem acreditou que eu pudesse fazer o programa, acreditou em mim mais do que eu
mesma. ele era o programa. Conseguimos fazer coisas maravilhosas. A cobertura
da morte do Salazar, por exemplo, quando vimos o programa pronto nos
espantamos: não era morte que estava ali, era uma mensagem de vida.
Um homem extremamente sensível, maravilhoso, nos entrosamos
tanto que quando ele morreu não tinha mais sentido continuar com o Dia D. Como
disse, ele era o programa, me ensinou muito de trabalho, de vida.
Fazer jornalismo foi ótimo, ser prato dos jornalistas é
péssimo. Enquanto eu jogava microfone no público, aumentava tudo que acontecia.
Depois, recentemente, criaram minha desavença com Elis Regina.
A imprensa não perdoa. Vive ressuscitando o que está tão
longe: Ronaldo Bôscoli e eu. Daquela época da bossa nova, ainda. O que acontece
é que hoje em dia somos amigos, acho Ronaldo um homem inteligentíssimo, o papo
com ele é das coisas mais divertidas do mundo. Elis, considero das maiores
cantoras que conheço. Acho-a, inclusive, muito segura, muito madura para a
idade que tem. Ela sabe agir, sabe reagir.
Eu vou ver Elis cantar sempre, porque gosto. Quando ela
esteve no Canecão, Miguel e eu fomos. Mandamos flores, antes. Depois saímos
para jantar, os dois casais. E o que a imprensa inventou! Depois o casal nos
ofereceu um almoço genial em sua casa há mais de um ano. O filho deles ainda
não tinha nascido. Não nos vimos mais. A culpa, em grande parte é da imprensa,
que cria casos entre Elis e eu. Nós poderíamos ser amigas, acredito, não fosse
a onda da imprensa.
Felizmente meu filho não foi prejudicado pelo que escreveram
a meu respeito. Ele é inteligente demais, o Jaiminho. Lembro que quando era
pequeno, num colégio aqui no Rio, falaram mal de mim pra ele, a reação dele foi
ótima: não bateu, não se chateou. Disse apenas – você é uma besta, garoto, não
entende nada de nada. Jaiminho está no Rio, passando as férias comigo. Está
interno na Espanha mas vive com toda liberdade. Confia inteiramente em mim.
Da época em que comecei a cantar, gostaria de dizer uma
coisa que pouca gente sabe: gravei bossa nova primeiro que todo mundo. Só que
me antecipei demais. Lancei O Barquinho dois meses antes do movimento todo. Mas
ele pertence sem dúvidas a João Gilberto. Através de João foi que a música
pegou e na minha gravação não havia a batida dele, que mais marcou a bossa
nova.
(Matéria publicada originalmente na revista AMIGA, nº 70, 21 de setembro de 1971)