3 de setembro de 2019

Maysa, Malé, moda, mulher - Correio da Manhã, 1972



Maysa, Malé, moda, mulher

     Ouça. Maysa voltou. Voltou não, porque ela nunca saiu. Um dia chegou à procura de amor. Encontrou. Depois largou tudo pela sua arte. E aconteceu. Marcou época na música popular brasileira pela sua suas canções de curtição e dor de cotovelo. Agora procura mais a vida, através das gentes que ela reúne no seu ponto de encontro: a Malé.
     Lojinha nova e bem diferente. Tudo lá é usado. O mais interessante é que você pode trocar as coisas guardadas no baú e levar pra Maysa que ela dá um jeito, isso é uma característica da casa.
     Em termos de moda, a malé não segue. É anti moda mesmo. Tem de tudo. Desde roupas louquíssimas até as super bem comportadas; discos fora de circulação; livros esgotados, mais cadeiras e chapéus. Por exemplo: ninguém sabe como, mas a verdade é que ele está lá, um casaco da guarda real da Inglaterra. Assim como o chapéu de astracã preto que Maysa usou no seu último show. Uma bolsa estranhíssima, toda de pelo de cabrito.
     Para Maysa, a butique foi ótima, “pois dá chance de bater-papo, sem alinhavos, com gente amiga.” A Malé fica na Rua Djalma Urich, 91/409.


 Correio da manhã – Rio, domingo 18, e 2ªfeira 19/06/1972



Fotos de Adalberto:








17 de agosto de 2019

Maysa na boate Number One, 1972



A cantora Maysa 

     Por três vezes, nos últimos dois anos, Maysa tentou ser algo mais que cantora. Ficou perto do fracasso como repórter e entrevistadora de televisão em 1970. Ficou perto do sucesso como personagem secundária de telenovela em meados do ano passado. E, no fim do ano, fracassou de vez como atriz de teatro. Nos três casos, foram tentativas desnecessárias: só provaram que ela é mesmo cantora, capaz de empolgar o público em grandes casas, como em duas cervejarias do Rio e de São Paulo, em 1969, ou no reduzido espaço de uma boate, como em seu show de agora na carioca Number One.
     Ela entra com os cabelos soltos, um vestido máxi branco e preto, e começa cantando “Tarde” com gestos e expressões que lembram a amargura, a fossa e o sofrimento que exibia no início de sua carreira. As palmas começam tímidas, aumentam no segundo número, o antigo bolero “Eclipse de Luna”, e se conservam entusiasmadas até o final, quando ela canta “Ouça” e a canção francesa “Ne Me Quitte Pas”.
Alegre e triste - Ao apresentar “Ouça”, Maysa já tem o público sob controle. Antes “botou todo mundo na fossa” cantando “Coração Ingrato”, ensaiou uns passos de dança e brincou com os acompanhantes em “Adeus, América”, homenageou sua personagem na telenovela “O Cafona” cantando o “Tema de Simone”. Pode, então, permitir-se a brincadeira e anuncia: “Quero cantar para vocês uma música que gravei há pouco e, eu sei, fará sucesso. Pois tudo o que eu gravo é sucesso”. A brincadeira, encaixada num show de boate, funciona. Mas sua interpretação nova para um de seus furores do passado é de fato surpreendente. Sua voz não é mais rouca e dolorida, como no princípio, mas aberta, forte, saída de uma garganta agora sem preocupação de estrangular sílabas ou prolongar frases.
     Torna a brincar no número seguinte, “Demais”, ao recitar os primeiros versos da música: “Todos acham que eu falo demais e que bebo demais”. E termina com o mesmo tom dramático da abertura, ao murmurar o refrão de ”Ne Me Quitte Pas” com toda a dor de uma amante suplicando para não ser abandonada. Nesse final, em “Ouça” e em “Adeus, América”, Maysa tem a parceria igualmente brilhante do conjunto de Osmar Milito, cujos componentes ela beija do início do show, com a seguinte explicação: “Ninguém vai entender o que está acontecendo. Mas é mesmo para ninguém entender. A classe artística é muito desunida”.
     Incompreensível, realmente, e dispensável num espetáculo como este de Maysa, que dura pouco mais de meia hora, com músicas bem escolhidas e melhor ainda executadas. Assim como são dispensáveis as tentativas dela nos últimos dois anos: por mais que ela procure outras formas de realização, é como cantora que ela alcança um nível superior entre as artistas brasileiras. 

Revista Veja, janeiro de 1972






    "A uisqueria Number One continua com casa cheia todas as noites, onde Maysa é a grande atração com os acompanhamentos do trio de Osmar Milito e o Quarteto Forma. Maysa, nesta temporada na house de Mauro Furtado está provando mais uma vez ser uma das melhores intérpretes brasileiras. A sua interpretação em Ne Me Quitte Pas é sensacional."

Correio da Manhã - Rio, terça-feira, 25 de janeiro de 1972





[...] "Vestida de preto, cabelos revoltosos, Maysa estreia nervosa. Limitada a pouco espaço por uma casa repleta (com muita gente do lado de fora sem poder entrar), ela começa com Tarde, de Milton Nascimento, e, aos poucos, vai ficando mais à vontade com o público. Tom Jobim, Caetano Veloso, Aloysio de Oliveira são os compositores que se seguem. É só música, nada de conversa. 'Decorei umas coisas aí, mas prefiro deixar o recado só na música.'
     E o recado musical tem a ajuda de Osmar Milito e seu conjunto, Quarteto Forma, e ainda uma percussionista que captava a atenção do público - Naíla Graça Melo, mulher do maestro. É um público exigente e crítico - se não a partir de padrões estéticos bem fundamentados, pelo menos em relação a seu gosto musical particular. É um teste rigoroso para uma artista que se considera tímida, mas que tem procurado enfrentar essa limitação." [...]

Maysa, o valor da interpretação. Jornal do Brasil - janeiro de 1972



LAN viu Maysa no Number One - Jornal do Brasil, janeiro de 1972








26 de julho de 2019

A última turnê: Maysa na boate Igrejinha





Continuam juntos

     Gosto não se discute. Graças à regra, numerosos artistas se apresentam aos diversos públicos que existem. Cada um dá o que tem, sabe ou pode. Cada espectador acolhe quem lhe faz bem. Maysa é uma cantora do amor. Como todos os homens e mulheres amam, em pensamentos, palavras ou atos, a plateia potencial de Maysa seria a humanidade. Contudo, faltam-lhe características de, digamos vedete internacional, tipo Liza Minnelli. Esta domina todos os agudos. Já Maysa é uma cantora de pé de ouvido, de quatro paredes, a voz rouca avessa a estridências. O amor inclui o êxtase e a dor. Maysa prefere cantar a dor. E sabe. Como demonstra no show que apresenta na madrugada de São Paulo, na boate Igrejinha.
A marca – Ela entra em cena com toda a altivez. Vestida de negro, longos e fartos cabelos loiros. E dois olhos azuis. “Dois oceanos não pacíficos”, no dizer do poeta Manuel Bandeira. A cerca-la, três ótimos músicos: o pianista Gogô, o contrabaixista Renato e o baterista Beto. A ordem do diretor Roberto Freire a todos eles: fiquem à vontade. Excelente direção.
Esta liberdade permite a Maysa cantar a solidão, a saudade, o porre, a despedida e a loucura. E ela o faz com indesmentível conhecimento de causa. De cada uma das situações. Nota-se em seu rosto a marca dessas experiências. As insônias, as esperas, os excessos, as ressacas – está tudo lá. Inteira, a mulher de 39 anos e a mãe de Jaime, de 19. Poucas pessoas sabem exibir sua maturidade com beleza. Maysa é uma delas.
     No repertório, versos de bons poetas da fossa, Antônio Maria e Dolores Duran, Orestes Barbosa e Jacques Brel, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Maysa canta emendando as canções, uma a uma. Às vezes se interrompe, comenta uma coisa qualquer – depende do dia que ela teve ou então de como a noite caiu.
     Mais, portanto, que um show imutável, de roteiro rígido, este parece, com justeza, flexível, mutante, imprevisível. A sensibilidade da cantora é sabidamente irrefreável. Manifesta-se docemente ou com agressividade. Frente a frente com o público de cada noite, Maysa é quem decide.
     O recital inclui composições dela própria como “Tema de Simone” e a recém-concluída “Nós”, letra dela e música do maestro Júlio Medaglia. Compor, no caso de Maysa, era mesmo inevitável. Nos últimos anos, sua versatilidade a empurrou para o teatro e para a televisão. Queria ser atriz. No palco, trabalhou em “Woyzeck”, peça de Georg Büchner. Na TV, num papel muito parecido com ela mesma, foi a Simone de “O Cafona”. Em ambas as tentativas não se deu tão bem assim. Adiou ou desistiu do sonho, não importa. A cantora permanece. Maysa e o amor continuam juntos. Já basta.

Por José Márcio Penido

Revista Veja – 26 de novembro de 1975



"[...] A casa é pequena, não mais que uma centena de lugares, embora nos fins de semana seja possível contar 130 cabeças, cada uma obrigada a uma consumação mínima de 200 cruzeiros. 'A Igrejinha nunca foi um lugar barato' concorda Luís Carlos. 'Mas veja as atrações desta noite de janeiro: Maysa, Maria Creuza e Tia Amélia. Quem oferece tanto?' Três estilos, três gerações da música brasileira, a consumir 10,000 cruzeiros diários de cachê. 'E pagos adiantadamente, antes de elas entrarem em cena', jura o lado árabe de Suad. Para 1976 também não faltam planos. Ultimam-se os preparativos de 'Júlio Medaglia: Concertos', um show com a participação do maestro, de Maysa e oito músicos de orquestra. 'Aí é que entra a piração', diz Suad. 'Vamos provar que boate também é cultura: Maysa cantando Villa-Lobos, como pretendemos, o que é? Tudo com muito humor, é lógico, para que ninguém se levante e vá embora. Vai ser uma coisa bastante divertida.'"

Veja - 28 de janeiro de 1976



Com Júlio Medaglia. 

Com Filomena Matarazzo Suplicy e Milton Franco.



26 de março de 2019

O último amor de Maysa - Radiolândia, 12/1961



     Cantar descalça ante as câmeras da tevê, sentada contra o encosto da cadeira, o microfone em uma das mãos e o cachorrinho americano na outra – e cantar bem como sempre – convenhamos que isso não é para qualquer um. Mas o é para Maysa, que nesse estilo surpreendeu ao público da TV Record, em São Paulo, na atual temporada de audições exclusivas às 20 horas de segunda-feira. Uma bossa novíssima, como se vê.
     Igualmente, iniciar temporada com os programas coproduzidos por seu amor de então, Ronaldo Bôscoli, que também funcionava como empresário da estrela, e com acompanhamento a cargo de um conjunto exclusivo, o do pianista Roberto Menescal, que viajava do Rio especialmente para tal fim, concordemos que à primeira vista era novidade. Mas não o era em verdade... Pois se tratava de Maysa.
     E o quadro de surpresas se completa após saber-se que poucas semanas após Maysa rompeu com o noivo empresário, desistiu do anunciado casamento em Paris em março do próximo ano, dispensou o pianista e tornou a calçar os sapatos para defrontar o público. Conforme se verifica, o destino continua a sacar na caixinha de surpresas portada a tiracolo por Maysa.
Mas esses incidentes, como no passado, passam sem deixar marca visível na fisionomia, no temperamento e na própria carreira de Maysa. Ela mesma confessa à reportagem:
- Nada de extraordinário entre mim e o Ronaldo. Amamo-nos alguns meses, que não repudio em minhas recordações sentimentais, mas – como dizem atualmente os cronistas políticos – um dia o amor esvaziou-se de conteúdo, daí a separação consequente. Coisas normais à vida de quem vive intensamente e com sentido aos minutos desperdiçados. Sem mágoa a separação, creia. Quanto a cantar descalça, começou durante minha última temporada em Buenos Aires. Cantando numa boate, sentia certa noite os pés em fogo, afetando-me naturalmente os nervos. A certa altura não aguentei mais: perdi o acanhamento e tirei os sapatos. Que alívio para a matéria e o espírito! Pois a turma presente gostou, no dia seguinte os cronistas me designavam como “a princesa descalça” e vi-me impelida, também por gosto, a exibir-me desse jeito. Não se tratava, porém, de um estilo que eu forçava por impor. Apenas com os pés descalços me sentia muito mais à vontade – só isso. Nos meus últimos programas na Record, entretanto, tornei a calçar-me devido a inúmeros pedidos para que eu voltasse a apresentar, ao invés de apenas músicas da bossa nova, como vinha fazenda, também as minhas criações do início da carreira. E como respeito o público, embora pareça o contrário, não vacilei em atender a essas solicitações, naturalmente sem os pés descalços  para não descolorir o ambiente com relação às minhas primeiras músicas. No entanto o “barquinho” da minha vida navega conforme eu quero: a velas soltas.
     E o que Maysa não comenta, talvez por considerar desnecessário, é que, não obstante as tropelias impostas pela vida artística e a circunstância de sua pessoa constituir sempre uma notícia em potencial – com espaço permanente aberto nas colunas da imprensa – é que não lhe faltam contratos em parte alguma, no Brasil ou no exterior, em rádio, televisão, boate e shows avulsos. Por exemplo: o atual patrocinador de sua temporada no Canal 7, em São Paulo (Cestas de Natal Amaral), não apenas não levanta objeções às “esquisitices” da artista frente às câmeras, como pretende mesmo ampliar a promoção publicitária deste ano mediante a apresentação de Maysa – ao vivo e em vídeo tape – em diversas outras capitais do país. Se isso não representa prestígio, apesar de todas as outras “ondas” em contrário, difícil dizer o que o seja.
Por isso, pode-se dizer sem receio de erro que, não obstante as “surpresas” que com frequência oferece ao público – ou talvez por isso mesmo – Maysa continua Maysa...



(Matéria publicada originalmente na revista Radiolândia em dezembro de 1961.)


11 de fevereiro de 2019

Diálogos possíveis com Clarice Lispector - revista Manchete, 1969




“Sofro uma barbaridade antes de entrar em cena”

Maysa – eis o nome de uma mulher-gata muito bela, dona de uma voz rara e de dons artísticos também raros. É menos felina do que parece nos retratos e muito mais dada e simpática. Mas sobretudo Maysa – mulher sofrida e corajosa que encara os próprios erros – é um símbolo de ressureição. Fortemente deprimida quando deixou de cantar, não se esperava mais que tivesse força suficiente para refazer sua vida. E eis que surge uma mulher mais do que bonita, e mais forte do que antes. Reconstruir-se torna-se a mais importante palavra entre todas. Quem já se ergueu várias vezes das cinzas, sabe como é, ao mesmo tempo difícil e possível a própria reconstrução. Este é um diálogo antideclínio: é cheio de perspectivas.


- Maysa, nesse seu novo apogeu artístico você mudou em quê?
- Não acredito que tenha mudado, tanto é assim que meu repertório é mais ou menos o mesmo, apenas mais moderno. Isso de mudar a fase inicial talvez seja uma traição, uma ingratidão com aquilo que nos lançou, e mesmo quanto ao público daquela época. O que absolutamente não proíbe que eu mude, que eu vá adiante.
- Seu apogeu também é de vida: o que fez você para sair da profunda depressão em que havia caído?
- Olhe, eu acredito que isso tenha sido em parte por eu ter me afastado desse ambiente daqui, ter-me encontrado um pouco comigo mesma, ter achado o diálogo, entende? Eu acho que a solidão que procurei foi muito importante para esse encontro com a vida.
- Você é uma criatura profunda, e isso lhe deve trazer muitos dissabores. Como é que você se liberta deles?
- Clarice, eu não me liberto. Cada vez procuro me aprofundar mais, e especialmente, no problema alheio, olhando para baixo para dar mais valor às coisas boas da vida.
- Você tem muitos inimigos?
- Que eu saiba, não. Embora tenha aprendido na minha fase de solidão a dizer “não” às coisas que não me interessam.
Você já foi analisada?
- Comecei por três vezes, mas descobri que estava em mim mesma a resposta.
- Como é que você define Maysa?
- Uma pessoa essencialmente boa de coração, bastante insegura, mas já a caminho do encontro. Nunca fiz meu autorretrato.
- De onde vem essa insegurança?
- Virá talvez da brusca mudança no tempo, desde que eu nasci até hoje. Houve tantos tabus que hoje não existem mais, e isso me criou essa insegurança. Quanto a tudo. Como, por exemplo, conviver com as demais pessoas fora do meu círculo de família. Mas não tenho nenhuma insegurança artística. Inclusive acredito que eu esteja numa fase muito boa de busca.
- Você conseguirá, Maysa, o que busca. Qual é o ritmo de sua vida diária?
- Meus horários são muito desencontrados. Trabalho até às três horas da manhã e não consigo dormir sem ler. Portanto só durmo mesmo lá pelas seis horas. Preciso de nove horas de sono para ter a voz clara. Acordo às três ou quatro horas da tarde, que é a hora melhor para eu ouvir música, para memoriza-la. Meu almoço é às seis horas da tarde, portanto, o ritmo está todo trocado. Sempre ligo a televisão – para ver se melhorou um pouco – até a hora em que me visto para começar o trabalho. Isto quando trabalho, o que acontece quase sempre. Nos intervalos, vou à praia, levo livros e papel para escrever. Tenho feito alguma poesia sem intenção de musicar.
- Qual é o tipo de leitura que interessa a você?
- Toda e qualquer leitura que me prenda, como é o caso do último livro que li, sobre a vida de Milena, a amiga de Kafka. Não me lembro do nome da autora. Eu adoraria poder ter sido Milena. Estou inteiramente fascinada pelo livro, de modo que não quero lembrar-me de outros.  Gostei também enormemente de O Compromisso, de Kazan.
- Fora a música, o que é importante para você?
- Tudo é importante para mim. Viver ao máximo as coisas boas da vida e tentar esquecer o que passou. O que não é fácil aqui no Brasil; esquecer, quero dizer.
- Se você não cantasse, seria uma pessoa triste?
- Eu nunca pensei na possibilidade de não cantar. Mas acho que hoje em dia a gente não tem muito porque ser alegre. Felicidade a toda hora é privilégio dos burros.
- Quando é que você começou a cantar, Maysa?
- Aos dezenove anos. Antes eu compunha. Numa reunião na casa de papai, estava presente o diretor de uma fábrica de discos. Eu estava esperando um filho, e ele então me convidou para, depois que nascesse a criança, fazer um disco que reunisse todas as minhas músicas. Tudo o que esse disco rendeu foi dado à campanha contra o câncer. Então veio a televisão e consequentemente começou tudo, com toda a família contra, o que veio ocasionar uma separação.
- Na sua opinião qual é o melhor intérprete da música popular brasileira?
- Atualmente, como intérprete, Taiguara. Como cantora, Elis Regina.
- Você tem muitos amigos?
Tenho muitos conhecidos. Tenho um grande amigo. Ítalo Rossi.
- Você tem dificuldade de se ligar às pessoas por amizade?
- Tenho, sim. Além disso, depois de meu segundo casamento, tudo é tão harmonioso, sem ser monótono, que até tenho receio de quebrar essa harmonia com a vinda de outras pessoas.
- Cada noite, na hora de seu show, você se sente inspirada para cantar ou já fez disso um hábito sereno?
- Toda noite para mim é uma primeira vez, mesmo que isso parece lugar comum. Sofro uma barbaridade antes de entrar em cena. Depois é como se tivesse nascido outra vez.
- Que conselho você daria a uma jovem que caísse na depressão como você caiu? Qual é o melhor meio de sair dela?
- Acho conselho uma coisa muito perigosa. Eu não pedi nem aceitei nenhum. De qualquer modo, acredito que a humildade seja muito importante. Um dos meios de sair da depressão é não achar que o próprio problema seja o pior de todos.
- Quando você estava deprimida, houve algum amigo ou amiga que lhe desse a mão?
- Eu estava só, nessa época. Afastei-me de todos para não agredi-los com meus problemas. Dependendo do temperamento de cada um, deve-se ou não apoiar-se em alguém.


- O que fez com que você passasse, nesta sua nova fase, a gostar do público e não temê-lo, como anteriormente, quando você evitava cantar de frente, defrontando-o?
- Talvez eu sentisse que fisicamente estava agredindo o público. Com a minha aparência. Eu era muito gorda, suava muito, era antiestética. Isso digo agora, mas talvez naquela época eu tivesse medo do público.
- Agora como sua família está recebendo a segunda Maysa?
- Não creio que haja uma segunda Maysa. Apenas o tempo foi passando, e minha família evoluindo e sobretudo vendo que minha ressurreição, como você diz, só está me fazendo bem.
- Em todas as composições suas você deixava transparecer a busca do amor. Você o encontrou?
- Encontrei, sim. Encontrei amor em tudo o que hoje me cerca, no diálogo, no dia-a-dia, até nas pequenas briguinhas com os seres amados. Aprendi até a gostar um pouquinho de mim...
- O que fez você cair em depressão?
- Uma série de fatores, de datas, de frustrações na minha infância e que se juntaram à minha juventude. Não tive tempo de ser nem criança nem jovem: casei-me cedo.
- Você tem filhos?
- Tenho um, com treze anos, do meu primeiro casamento. E estou partindo agora para outro.
- Mas, isso, Maysa, é uma grande novidade: para quando é previsto o nascimento?
- Se não perder a criança, como já aconteceu duas vezes, será para março do ano que vem.
- Como será a mãe Maysa nessa nova fase?
- Não saberia dizer, Clarice, mas acho que bem gagá.
- Maysa, apesar de você responder tudo o que lhe perguntei acho você uma pessoa reservada.
- Eu acho que não.
Nesse momento, entrou na sala seu marido, Miguel Azanza, e concordou comigo: apesar de tudo, Maysa é reservada. Miguel é muito cordial, simples e com ar de grande companheiro.
- Como é que vocês se conheceram Maysa?
- Miguel estava num grupo que foi ao Cassino do Estoril, em Portugal, para me ouvir cantar. Miguel tinha vinda de Marrocos especialmente para me ver cantar, porque já conhecia meus discos. Queria confrontar a voz conhecida com a pessoa ainda desconhecida. Ele me chamou atenção por ter sido o único do grupo a não se aproximar de mim para um autógrafo. Fui eu que, no final, me aproximei dele, e tudo começou. Um ano depois estávamos casados. O engraçado é que nos casamos duas vezes: uma pelo México e outra pela Bolívia. Estamos esperando a anulação canônica do primeiro casamento de Miguel para casar pela terceira vez, porque eu sou viúva do meu primeiro casamento.
Tomamos um café e conversamos
- Talvez, Clarice, você tenha me achado reservada ou intimidada porque era muita a vontade e a curiosidade que eu tinha em conhecer você. Também leio sempre os seus diálogos, e me senti muito honrada por ser uma de suas entrevistadas.
Continuamos a conversa, e fiquei sabendo, por exemplo, que Maysa é ótima dona de casa, gostando de lidar com tudo que se refere ao lar, à cozinha, à arrumação. Como se vê, a Maysa real é muito diferente da Maysa mito. E ganha muito com a aproximação.


(Matéria publicada originalmente no número 910 da revista Manchete, em 1969)