Continuam juntos
Gosto não se discute. Graças à regra, numerosos artistas se
apresentam aos diversos públicos que existem. Cada um dá o que tem, sabe ou
pode. Cada espectador acolhe quem lhe faz bem. Maysa é uma cantora do amor.
Como todos os homens e mulheres amam, em pensamentos, palavras ou atos, a
plateia potencial de Maysa seria a humanidade. Contudo, faltam-lhe
características de, digamos vedete internacional, tipo Liza Minnelli. Esta
domina todos os agudos. Já Maysa é uma cantora de pé de ouvido, de quatro
paredes, a voz rouca avessa a estridências. O amor inclui o êxtase e a dor.
Maysa prefere cantar a dor. E sabe. Como demonstra no show que apresenta na
madrugada de São Paulo, na boate Igrejinha.
A marca – Ela entra em cena com toda a altivez. Vestida de
negro, longos e fartos cabelos loiros. E dois olhos azuis. “Dois oceanos não
pacíficos”, no dizer do poeta Manuel Bandeira. A cerca-la, três ótimos músicos:
o pianista Gogô, o contrabaixista Renato e o baterista Beto. A ordem do diretor
Roberto Freire a todos eles: fiquem à vontade. Excelente direção.
Esta liberdade permite a Maysa cantar a solidão, a saudade,
o porre, a despedida e a loucura. E ela o faz com indesmentível conhecimento de
causa. De cada uma das situações. Nota-se em seu rosto a marca dessas
experiências. As insônias, as esperas, os excessos, as ressacas – está tudo lá.
Inteira, a mulher de 39 anos e a mãe de Jaime, de 19. Poucas pessoas sabem
exibir sua maturidade com beleza. Maysa é uma delas.
No repertório, versos de bons poetas da fossa, Antônio Maria
e Dolores Duran, Orestes Barbosa e Jacques Brel, Tom Jobim e Vinicius de Moraes,
Maysa canta emendando as canções, uma a uma. Às vezes se interrompe, comenta
uma coisa qualquer – depende do dia que ela teve ou então de como a noite caiu.
Mais, portanto, que um show imutável, de roteiro rígido,
este parece, com justeza, flexível, mutante, imprevisível. A sensibilidade da
cantora é sabidamente irrefreável. Manifesta-se docemente ou com agressividade.
Frente a frente com o público de cada noite, Maysa é quem decide.
O recital inclui composições dela própria como “Tema de
Simone” e a recém-concluída “Nós”, letra dela e música do maestro Júlio
Medaglia. Compor, no caso de Maysa, era mesmo inevitável. Nos últimos anos, sua
versatilidade a empurrou para o teatro e para a televisão. Queria ser atriz. No
palco, trabalhou em “Woyzeck”, peça de Georg Büchner. Na TV, num papel muito
parecido com ela mesma, foi a Simone de “O Cafona”. Em ambas as tentativas não
se deu tão bem assim. Adiou ou desistiu do sonho, não importa. A cantora
permanece. Maysa e o amor continuam juntos. Já basta.
Por José Márcio Penido
Revista Veja – 26 de novembro de 1975
"[...] A casa é pequena, não mais que uma centena de lugares, embora nos fins de semana seja possível contar 130 cabeças, cada uma obrigada a uma consumação mínima de 200 cruzeiros. 'A Igrejinha nunca foi um lugar barato' concorda Luís Carlos. 'Mas veja as atrações desta noite de janeiro: Maysa, Maria Creuza e Tia Amélia. Quem oferece tanto?' Três estilos, três gerações da música brasileira, a consumir 10,000 cruzeiros diários de cachê. 'E pagos adiantadamente, antes de elas entrarem em cena', jura o lado árabe de Suad. Para 1976 também não faltam planos. Ultimam-se os preparativos de 'Júlio Medaglia: Concertos', um show com a participação do maestro, de Maysa e oito músicos de orquestra. 'Aí é que entra a piração', diz Suad. 'Vamos provar que boate também é cultura: Maysa cantando Villa-Lobos, como pretendemos, o que é? Tudo com muito humor, é lógico, para que ninguém se levante e vá embora. Vai ser uma coisa bastante divertida.'"
Veja - 28 de janeiro de 1976
Com Júlio Medaglia.
Com Filomena Matarazzo Suplicy e Milton Franco.