Parece que foi Antônio Maria quem disse, há anos, que a
voz de Maysa cabia inteirinha dentro do bolso do colete da sensibilidade geral.
Trate-se de uma meia verdade: não há quem, depois de um bate papo com ela, mão
chegue a conclusão de que toda Maysa é feita de sensibilidade. No bate-papo que
se transformou nossa entrevista, houve um pequeno senão: o protesto de Jaguar
contra a ausência do uísque e a presença do cafezinho (aquele novo produto que
está sendo lançado na praça). No mais, foi uma conversa entre amigos, cheia de
franqueza e cortada por risadas constantes. Alguém pediu que nessas entrevistas
maiores d’O PASQUIM a gente fizesse uma apresentação. Pois bem – lá vai:
Esta é a Maysa de todos nós
Jaguar – Você acha que valeria a pena vender o Piauí para
trazer o Frank Sinatra ao Brasil?
MAYSA – Para falar a verdade, nem que vendesse o Piauí
haveria dinheiro pra pagar o que ele pede. Acho que teria que vender Brasília
com o lago e tudo dentro. E não compensaria.
Sérgio – Você concorda com a afirmação de que Frank
Sinatra é o maior cantor de todos os tempos?
MAYSA – Eu acho que sim. Além de ser um mau-caráter
genial.
Tarso – O que você achou da música Sabiá, vencedora
do Festival da Canção do ano passado?
MAYSA – A melodia é daquele gênero que só poderia ser do
Antônio Carlos Jobim que costuma plagiar a si mesmo. A letra não tem nada. Acho
que o Chico poderia fazer coisa melhor.
Jaguar – O que você acha da Pilantragem?
MAYSA – Não acho nada...não existe...é uma droga...já
acabou.
Sérgio – A Bossa Nova enriqueceu a música popular
brasileira, dando-lhe uma nova harmonização. Agora, neste momento, qual a saída
que você aponta para nossa música?
MAYSA – Eu não sou exatamente uma musicista. Estudei piano
clássico, mas isso nada tem a ver com o assunto. Mas aqui no Brasil se tem
mania de jogar as coisas fora. Veja o exemplo dos Estados Unidos, onde o Jazz é
cada vez mais cultivado. Pois bem, agora no Brasil apareceu uma corrente contra
a Bossa Nova, eu não entendo por quê. O caso do nosso Samba, a nossa música,
querem acabar com ele. Por que, por exemplo, o Nélson Mota fala mal da Bossa
Nova, ele que fez Bossa Nova e hoje tem horror da Bossa Nova?
Tarso – Você tem alguma opinião sobre os Mutantes?
MAYSA – Para mim, que os ouvi pouco, é uma cópia dos
conjuntos ingleses. Uma boa cópia, sem dúvida, mas não criaram nada de novo.
Por exemplo, estão dizendo aqui que o que a Gal Costa faz é novidade. Pois eu
vi na Itália, há uns três anos, uma cantora cantando do mesmo jeito,
despenteada do mesmo jeito e dando aqueles gritos cavernosos.
Tarso – No duro, qual o alcance da música brasileira no
exterior, pelo que você viu?
MAYSA – Vou te dizer os lugares exatamente onde andei. Fui
aos Estados Unidos em 59, 60, não se conhecia nada da música popular
brasileira, a não ser Aquarela do Brasil e Carmen Miranda. Depois,
voltei em 66 e estava se ouvindo a mulher do Andy Willians, como é mesmo o nome
dela? A Claudine Longet, cantando em inglês, e a Astrud Gilberto, que era
realmente um sucesso. Ouvia-se também o Antônio Carlos Jobim, o Sérgio Mendes,
não, o Sérgio Mendes ainda não existia na época. Depois, fui para a Itália e
ouvi a Banda, cantada por Mina em Italiano. Na Espanha, nem sabem o que
é Bossa Nova, música brasileira, não se tem o menor conhecimento. Em Portugal,
ouve-se muito Teixeirinha, com seu Churrasco de Mãe, ouve-se Nora Ney,
Jorge Goulart, olha, tem que fazer muita força pra pensar.
MAYSA – Eu não estive nas últimas vezes na França. Eu
estive lá em 1963, mas posso adiantar que determinadas cantoras que estiveram
em Paris e disseram que fizeram sucesso, isso e aquilo, participaram...
Tarso – Você quer dizer Elis Regina?
MAYSA – Elis e outras. O Olympia é circo, onde se
apresentam várias pessoas e tem o carro chefe que é sempre um cantor famoso, um
Johnny Halliday, que leva o show. Então, no meio do show, se apresenta uma
cantora, seja brasileira, seja japonesa, seja dinamarquesa. Eu mesma fiz isso
em 62 e 63. Ela cantou na segunda parte
do show, como eu fiz também. A Marlene também já fez isso, fez aquela mulher
que vai com zabumba tocando na frente, como é o nome dela? A Iara...como
é?...sei lá, a Carmélia Alves, todo mundo fez isso, inclusive eu que cantei
pela primeira vez em 62 e fui a primeira brasileira a cantar no Olympia, mas
sempre como uma figura de encher o show, uma espécie de recheio de show. Música
brasileira no exterior que eu vi foi só isso. Agora, de dois anos para cá,
parece que o Sérgio Mendes está fazendo sucesso, mas com música americana.
Tarso – Você acha que a literatura brasileira existe?
MAYSA – Eu não tenho tempo de ler, estou meio como o
Ibrahim, não tenho tempo de ler. Mas adoro Kafka e estou lendo um livro sobre
Milena, amante dele.
Tarso – Qual o programa que reflete melhor o Brasil:
Chacrinha, Raul Longras ou Maysa?
MAYSA – É incrível, mas é o do Chacrinha. O do Longras
ninguém agüenta. Eu vi uma vez, que coisa triste, aquelas mulheres, aqueles
homens, uma desumanidade fora do comum, pior que tourada.
Jaguar – Mas na tourada a gente pode pelo menos torcer
pelo touro.
MAYSA – É mesmo. O programa do Longras é ainda pior.
Sérgio – Você conheceu a Ava Gardner lá na Espanha?
MAYSA – Conheci, mas ela estava de pileque e eu também, de
maneira que não deu pra gente se conhecer.
Jaguar – Eu adoro a Ava Gardner.
MAYSA – Eu também sou vidrada nela. Sei até que ela tem
muitos discos meus. Eu adoraria ter batido um papo com ela. São duas mulheres
que eu gostaria muito de conhecer pessoalmente: a Ava e a outra não pode mais,
a Judy Garland.
Sérgio – Fale das duas pessoas que você vai abordar no
show que você fará no teatro. Dolores Duran e Antônio Maria.
MAYSA – Dolores era uma pessoa sensacional. Aliás, a Joana
Fomm que fez o papel naquele péssimo filme, naquela coisa que fizeram aí (que
nada tem a ver com a Dolores) é muito parecida com ela. E que atriz é a Joana
Fomm, hein, que beleza de atriz!
Sérgio – E o Antônio Maria?
MAYSA – Era uma coisa genial, fora de série. Vocês
conheceram bem ele? A gente morava no Hotel Plaza, vivíamos brigando, a gente
se cruzava, todo mundo bêbado, trocávamos palavrão, tinha o Ricardinho Fasanelo
com uma Onça...
MAYSA – É, ele tinha uma onça, que morava com ele no
quarto. Era um troço aquele hotel. Mas o Antônio Maria era ótimo, um mau
caráter ótimo.
Sérgio – Você cultiva um pouco o mau caráter, não é?
MAYSA – Mas o bom mau caráter, é preciso saber distinguir.
Quando falo de mau caráter é um mau caráter especial.
Sérgio – O que você acha do Ibrahim Sued?
MAYSA – Um gênio. No fundo cada um de nós gostaríamos de
ser um pouco Ibrahim Sued, vocês não acham, não?
Tarso – Achamos. Você recebe cartas de amor?
MAYSA – E cada uma, que você só vendo. E eu respondo.
MAYSA – Claro, mando retrato, digo coisas e tudo.
Sérgio – No Brasil funciona esse negócio de pagamentos de
direitos artísticos, autorais e coisas e tal?
MAYSA – Do Ouça, por exemplo, que andou uma época
que era o hino nacional, todo mundo cantava, um sucesso danado, recebi um total
de cinco contos, isto é, cinco cruzeiros novos. Agora, parece que está mudado.
Quando estou precisando de algum dinheiro vou até a UBC e eles sempre me
arranjam um vale. Mas é impossível controlar. Como é que o compositor pode
saber quanto rende a sua música?
Jaguar – E depois do Canecão, o Maracanã?
MAYSA – Não, é um outro Canecão em São Paulo. Vamos tentar
levar este show para São Paulo, mas vai ser difícil do paulista entender
este show, não sei não.
Sérgio – Por quê? Você acha que este show tem
alguma coisa muito de carioca em especial?
MAYSA – É que o paulista não vai entender eu cantando com
as pernas de fora. E depois esse negócio de eu cantar para muita gente, num
Canecão de São Paulo, eles não vão entender mesmo, porque, vocês sabem, aquilo
está cheio de Matarazzo.
Jaguar – Você canta no Canecão para quase três mil
pessoas. Como é que você se controla com os murmúrios, barulho de copo etc?
MAYSA – Nenhuma vez houve o menor barulho. Aliás, para
dizer a verdade, houve na semana passada. Um homem que estava bêbado, cantava
junto comigo. Me chateei, porque estava mesmo me atrapalhando, o Gérson,
diretor da casa, levantou-se e aí apareceu um homem deste tamanho e o cara
parou de cantar.
Tarso – O Baden quando alguém faz barulho, ele para de
tocar?
MAYSA – Eu, geralmente jogo o microfone na cabeça de quem
atrapalha. Uma vez, no Copacabana Palace, havia um senhor que estava fumando
charuto na minha frente, eu pedi a ele para parar de fumar, porque a fumaça
estava me atrapalhando, ele não parou. Pedi duas, três vezes para ele parar de
fumar o charuto, ele não parou, eu joguei o cigarro que estava fumando, direto
na cara dele. O público inteiro me aplaudiu de pé. Na Argentina, já joguei
sapato, microfone etc. agora, não, estou mais calma, só paro de cantar.
Sérgio – Você agora está na televisão dando nota aos
candidatos. Quais as noites que você daria aos seguintes compositores: Chico
Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Noel Rosa, Ary Barroso,
Dorival Caymmi, Roberto Carlos e Edu Lobo? De um a dez, hein?
MAYSA – Chico Buarque de Holanda, 5; Caetano Veloso, nem é
dez, é mil; Gilberto Gil a mesma coisa, mil; Ary Barroso, 7; Noel Rosa, 10;
Dorival Caymmi é 100, eu amo Dorival Caymmi; Roberto Carlos, quando não faz
seus plágiozinhos, como agora naquela música Sentado na Beira do Caminho,
vai para o 5; Edu Lobo é 10 mesmo.
Sérgio – Que fim levou a compositora Maysa?
MAYSA – Não, eu não sou compositora. Fiz 26 músicas, mas
não sou compositora.
Sérgio – Qual foi a sua dieta para emagrecer?
MAYSA – Foi parar de beber. Eu não perdi quilos, não, eu
perdi litros, entendeu?
Sérgio – Você acha que existe alguma cantora que cante
melhor do que você no Brasil?
MAYSA – De vez em quando eu gosto da Elis cantando. Quando
ela não faz malabarismo como faz atualmente, quando ela canta ela mesma, eu
acho que ela canta muito bem.
Tarso – O que você acha da Elis Regina como pessoa?
MAYSA – É um mau caráter. Mas um mau caráter no mau
sentido. Mais do que isso, nem isso ela é, ela é uma coitada.
Tarso – Parece que você faz restrições a Gal Costa. No que
você acha que ela está falhando?
MAYSA – Noutro dia, estava ouvindo um disco da Gal e botei
em seguida um disco da Elis Regina. Eu não sabia quando era uma quando era
outra. Só sabia que era a Gal porque ela canta músicas do Veloso, que ela canta
maravilhosamente bem, e a Elis não tem coragem de cantar. O problema é que
aquele grito que ela dá me dá um certo nojo, sempre me dá uma sensação estranha
na pele. Mas pode ser que eu me recupere.
Sérgio – O que você acha da Nara Leão?
MAYSA – Eu acho a Narinha bastante autêntica, mas ela está
querendo encontrar mil negócios e não está descobrindo o caminho certo. Cantar
bossa antiga, cantar Bossa Nova, é preciso descobrir uma bossa pra ela.
Jaguar – Qual o charme da Espanha que nos roubou você
tanto tempo?
MAYSA – O modo de viver. As pessoas não se incomodavam
comigo e nem eu com elas. Morei sete anos lá e não sei o nome dos meus vizinhos
nem eles o meu.
Tarso – Aqui se incomodam muito com a sua vida?
MAYSA – Hoje não, porque resolvi dar aquele não
definitivo. Mas antes era horrível. Antigamente fotografavam-me fumando cigarro
americano e depois aparecia a foto no jornal com a legenda: “Maysa fumando a
sua maconhazinha”. Não escondiam nem o filtro do cigarro.
Tarso – E o que mudou, de repente você chegou estourando
com um sucesso danado?
MAYSA – Não cheguei estourando, não. Também cheguei as
minhas custas, está entendendo? Cheguei agora e resolvi mudar a linha, cantar
para o povo e não em buatezinha, fechadinha, que no outro dia só duas ou três
pessoas estão comentando. Entendeu?
Sérgio – O que você acha de Sérgio Mendes?
MAYSA – Um fabricante de música, o que ele está fazendo é
uma vergonha. Aliás, não sei como o brasileiro aceita que um senhor brasileiro
vá pra fora daqui e traga duas cantoras americanas para cantar músicas
brasileiras. Até agora não entendi como esse cara está sendo tão prestigiado
aqui dentro.
Sérgio – Muito bem, apoiado. E quais são os melhores
cantores brasileiros para você?
MAYSA – Sílvio Caldas e Taiguara.
Tarso – Você está trabalhando no júri do Flávio
Cavalcanti. Você acha correto o critério adotado no programa, aquele negócio de
nota etc e tal?
MAYSA – Até hoje, por exemplo, não senti qualquer
imposição para proteger tal pessoa, ou desproteger aquela. Não digo isso porque
estou trabalhando, mas é verdade, nunca ouve isso. O que precisaria talvez
seria haver mais conhecimento dentro do júri, que tem determinadas pessoas, eu
não vou citar nomes, que não entendem bulhufas de música e estão dando notas
ali, assim, porque estão ali, está entendendo?
Sérgio – Fale um pouco do seu disco.
MAYSA – Meu disco é quase todo com músicas inéditas, de
bom gosto, sem apelação, com todos os ritmos, tem músicas jovens de
compositores que nunca gravaram, tenho a impressão que é um disco que vai
marcar. Ele tem de Tibério Gaspar e Antônio Adolfo até um compositor que está
aparecendo agora na música brasileira, que eu considero muito sério, muito bom,
que é o Egberto Gismonti. Aí ele passa por dois compositores que nunca
gravaram, tem uma menina que parece que nunca gravou que é a Flávia Queiroz,
que tem músicas lindas. Acho que é um disco sério, entende?
Tarso – Como é que você sentiu a mudança, você que saiu da
sociedade paulista, uma Matarazzo, essa coisa toda, como é que foi que você
mudou, como é que você sentiu tudo isso?
MAYSA – Olha, Tarso, quando eu era casada com o Matarazzo,
eu nunca comunguei da cartilha dele, não, entende? Na minha casa, eu sempre
recebi quem eu quis, sempre fiz o que quis, quando comecei a cantar recebia em
casa todo o mundo que me dava vontade, quer dizer que nunca participei da vida
de sociedade.
Tarso – O que você acha do tratamento da imprensa
brasileira com você, hein?
MAYSA – Neste momento, carinhosíssimo, o que me assusta
muito porque de repente começa a dar aquele chute. Tomara que assim não seja,
mas antes que dê, eu me mando.
Tarso – Havia uma época em que se fazia uma campanha
sistemática, escandalosa, contra você. Como é que começou isso, hein?
MAYSA – Acho que foi no primeiro pileque. Vai ver porque
não convidei todos eles para tomar pileque junto comigo. Foi em 58, 59, por
aí...
Sérgio – Mas em 59 eu lembro de ter lido um poema do
Manuel Bandeira pra você.
MAYSA – Mas esse é um poeta maravilhoso, um homem...
Sérgio – Você gosta mais de Bandeira ou de Carlos Drummond
de Andrade?
MAYSA – Carlos Drummond de Andrade.
Tarso – Você acha realmente possível fazer-se alguma coisa
boa dentro das condições da TV brasileira?
MAYSA – Mas quem disse que é possível? Alguém alguma vez
disse essa besteira? É a coisa mais impossível do mundo.
Sérgio – Você leu o primeiro número d’O PASQUIM? Quais
foram os defeitos que você achou?
MAYSA – Nenhum, a não ser a primeira página, que está meio
perdida. Tinha um negócio que não funciona. Gostei muito daquele humorista que
vocês lançaram, sensacional, como é o nome dele? É muito bom, é o Nísio
Batista, sensacional.
Tarso – Como você sabe, sou um sujeito que bebo muito.
Você é contra as pessoas que bebem?
MAYSA – Eu? Nunca! Eu só parei de beber pelo seguinte: eu
não sei beber um uísque só. E bebendo 80, que é o mínimo que gosto, me faz um
mal desgraçado, está entendendo? Então é um negócio de sobrevivência. Por isso
é que parei de beber.
Tarso – Agora, beber é muito bom, não?
MAYSA – Ah é ótimo. É muito melhor que não beber.
Sérgio – O que você acha de João Gilberto?
MAYSA – Eu acho genial, gosto dele como cantor, é um
fresco muito grande, as coisas que ele diz, um mau caráter da melhor qualidade,
não pode ser melhor e aquele cara que não faz concessão de jeito nenhum. Acho
isso muito importante.