22 de janeiro de 2013

36 anos sem Maysa


36 anos sem Maysa


Para algumas coisas, a vida infelizmente não é feita de “ses”. Se Maysa não tivesse entrado em seu carro aquele dia com destino à Maricá; se Maysa não tivesse que ir à Maricá naquele final de semana; se Maysa tivesse ouvido os conselhos de seus pais; se Maysa tivesse tido uma boa noite de noite de sono no dia anterior; se Maysa estivesse ao menos bem... SE, Maysa não precisasse se isolar das pessoas. É, com tantos “ses”, talvez, Maysa estivesse viva hoje – quem sabe? – mas, infelizmente, a vida não é feita de “ses”. A vida é feita de fatos – consumados – que muitas vezes podem ser tristes, e duros de se acreditar. E nesta triste história que eu vos conto hoje, o fato foi que Maysa partiu pra não mais voltar no entardecer do dia 22 de janeiro de 1977. Um sábado de sol forte no verão carioca.

Mais difícil que aceitar os fatos, é lutar contra eles. Ainda mais, quando se trata de um fato tão triste, tão lamentável. É fato que Maysa não merecia um desfecho destes, mas é fato que Maysa é tão maior do que qualquer outra coisa triste que tenha ocorrido com ela. Ora, Maysa, chamada “um símbolo de ressurreição”. Não há que se lutar contra os fatos já consumados. A vida também é feita de fatalidades, e a morte de Maysa pode ser considerada uma sucessão de fatalidades. Há que se culpar quem numa hora dessas? Ao destino? Não há culpados nem inocentes nesta história. Apenas milhares de vítimas que se sentem até hoje desoladas da presença de uma mulher inigualável, insubstituível, inesquecível, Maysa.

Mas, o que é a morte perto de um mito? Nada. A morte se torna um nada absoluto perto de uma lenda. Não existe morte para os nomes gravados na história. É um clichê barato, e até óbvio, dizer que Maysa está viva no coração dos que amam. Em suma, está viva nas músicas e discos que gravou, nos fotografias, nos programas de televisão. A morte, novamente se torna pequena demais perto da obra de Maysa. É impossível desassociar a vida, da obra de Maysa. E sua vida, foi o maior legado que poderia deixar. Aos trancos e barrancos – e muitas vezes aos prantos – ensinou muita coisa para as pessoas. Lições que perduram, que denotam um ser humano excepcional; uma mulher fabulosa. Tudo que for dito sobre Maysa será muito pouco perto de tudo que ela fez.

Exceto a morbidez da cena em questão; nunca vi uma citação mais condizente:

“Quando chegou o momento do último adeus à cantora, na hora em que seu corpo foi levado à sepultura, ocorreu um tremendo tumulto, pois a massa ali presente se apossou do caixão não permitindo, sequer, que seus familiares e mais íntimos amigos chegassem perto. Num dado momento, alguém muito nervoso gritou desesperadamente: ‘Os familiares, pelo menos os familiares!’ A resposta veio forte, anônima e sem contornos: ‘A Maysa é nossa e é o povo que vai enterrar!’”

Dito isso, qualquer palavra dita se torna pequena demais, desnecessária. Calo-me, com a certeza que o povo nunca vai esquecer a Maysa.

Vitor Dirami


“Não sei como me conformar. É duro. Tenho de ser forte, pois Inah, minha mulher, está mal e temo por ela. Nesta hora, é difícil falar de minha filha, que eu tanto amava e admirava. Vem-me à lembrança tudo. Desde sua infância, a adolescência, o primeiro casamento, suas vitórias e derrotas, sua inocência e sua ternura, até a hora em que nos despedimos. Recordo suas palavras: ‘Monja – era assim que ela me chamava, Monja... –, ou te adoro, Monja.’ E eu, sentindo um estranho pressentimento, não sei o que, pedi que ela adiasse a viagem para o domingo. Ela riu e disse que no domingo o trânsito estaria pior, congestionado. Nós a amávamos muito, embora ela se sentisse carente de afeto. Minha filha passou parte de sua vida procurando alguém que a compreendesse, e não encontrou. Maysa teve uma vida angustiada. A vida de minha filha foi mesmo uma saga de sofrimentos e solidão. muitas vezes tentou sucumbir mas se reanimou. Ela gostava de gente, gostava de se comunicar. Não sei como isso pode acontecer. Ela já dirigiu empilecada de São Paulo para o Rio, e jamais sofreu acidente algum. Agora, quando já não mais bebia, quando mostrava uma enorme vontade de viver, mesmo sozinha, acabou-se. Ela tinha ideia de se fixar em Maricá, longe de tudo e de todos. Vivia a decorar sua casa, onde sonhava, um dia, receber o filho e o neto. Mas tudo se acabou, ela está morta, e com ela parte de minha vida. Que será de Inah, como poderemos suportar a ausência da querida Maysa?

Alcebíades Monjardim, pai de Maysa –  Revista Amiga, 1977


A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,

enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave 
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade



"Também não tenho medo da morte. A morte é uma coisa que tem de acontecer, embora eu pense às vezes que não vou morrer nunca. É isso mesmo: tenho a impressão de que jamais morrerei. Sinto que meu corpo não foi feito para morrer."

Maysa Figueira Monjardim
(06/06/1936 + 22/01/1977)