O grande amor de Maysa Matarazzo
Um
vestido vermelho entre violinos –
Recordações
do colégio de freiras –
Cantar
não é pecado – Romance inacabado – A tentação do teatro – O momento sagrado –
Tudo em paz – Renunciar? Nunca
Entrevista
exclusiva para a Revista Feminina
(Especial
para a Revista Feminina)
O
auditório estava às escuras. O ensaio havia começado. A orquestra, no palco.
Maysa Matarazzo cantava Mea Culpa. O repórter sabia que a
entrevista só podia ser feita durante o ensaio. Maysa devia ir ao hotel trocar
de roupa, depois atuaria no programa de televisão e, logo a seguir, tomaria o
avião de volta para São Paulo. O repórter chegou até a beirada do palco, lápis
e papel na mão.
-
Maysa!
A
orquestra tocava outra música. O maestro indicava os andamentos aos
instrumentistas. E, assim, entre as pausas dos violinos, fez-se a entrevista.
-
Maysa,
você sabe que parece uma menina com esses cabelos despenteados?
-
Não
tive tempo para ir ao cabeleireiro.
-
Tem
uma cabeça de artista jovem e bonita.
-
Jura?
-
Então!
Onde nasceu?
-
No
Rio. Minha família foi residir em São Paulo quando eu contava três anos de
idade.
-
Onde
estudou?
-
No
Colégio Sacre-Coeur de Marie.
-
Quando
começou a cantar?
-
No
coro do colégio. Ali também aprendi que cantar não é pecado.
-
Não
é, não. A arte resume o que de mais puro existe em todas as religiões.
-
Você
disse tudo. Sabia que estudei seis anos de piano?
-
Ótimo.
E como iniciou a carreira?
-
Em
casa, sem pensar em me tornar profissional. Ouviram-me uns amigos de meu pai,
gravaram minha voz em fita. Pouco depois, fiz o primeiro long-playing para a
fábrica RGE, em novembro do ano passado.
-
E
a sua estreia para o público?
-
Foi
no dia 13 de abril, pela TV-Canal 7, da Rádio Record de São Paulo. Nem queira
saber a surpresa de muitos, a minha alegria, os debates na família, os
comentários dos jornais. Estreia emocionante.
-
É
verdade que destina tudo que ganha a instituições de caridade?
-
Sim.
-
E
quanto ganha?
-
Vinte
e cinco contos em cada programa de televisão no Rio, vinte e cinco contos em
cada programa de televisão em São Paulo. Falando em cruzeiros, cinqüenta mil
cruzeiros semanais. Cantar não é pecado...
-
Pretende
fazer tournées?
-
Mais
tarde, talvez.
-
Algum
dia pensou em escrever romance?
-
Comecei,
parei no meio, não tinha título.
-
Que
heroína de peça teatral desejaria viver?
- Alma,
personagem surrealista da comédia de Sophie Rosenhaus O
Ambutis.
-
Sophie
Rosenhaus?
-
É
uma autora desconhecida, mas que terá fama, breve.
-
Qual
o trabalho em casa que você mais gosta?
-
Nenhum.
Em casa, o meu prazer é cuidar do filho e ouvir música.
-
O
que mais aprecia no Rio?
-
Tudo.
O Rio.
-
E
em São Paulo?
-
Detesto
o clima.
-
Qual
a mulher mais elegante, a carioca ou a paulista?
-
A
mulher brasileira.
-
Como
se inspira para compor suas músicas?
-
Em
casa. A melodia surge em mim, distante, até que se apossa de toda a minha
sensibilidade. Canto a melodia, fazendo a gravação na fita. Depois, eu mesma
escrevo a letra. É um momento sagrado. Vou ao piano e faço o acompanhamento.
Minhas canções são dolentes, sentimentais: Tarde triste, Adeus, Mundo novo... a última intitula-se Felicidade triste. A música é o meu grande amor.
-
Maysa,
reconstituiu definitivamente o seu lar?
-
Sem,
graças a Deus.
-
Ninguém,
falará mais em desquite?
-
Ninguém,
graças a Deus.
-
Algum
dia poderá renunciar à carreira artística?
-
Isso,
nunca.
A
sonoridade vibrante dos violinos no palco era como um convite irresistível à
música. Maysa Matarazzo despediu-se do repórter.
(Publicado originalmente no jornal DIÁRIO DE NOTÍCIAS, em 29 de julho de 1957.)