22 de janeiro de 2014

Especial: Conselho (1958)



Em 1958, com menos de dois anos de carreira completados, Maysa já alcançara o topo do sucesso como a maior e mais bem paga cantora do Brasil. O crescente sucesso de “Ouça” (1957), seguido pelo outro clássico “Meu Mundo Caiu” (1958) tornaram-na um sucesso meteórico que já começara incomum: despontara primeiramente do disco para depois o rádio e por fim a novíssima televisão. Voltando a 1958, seu quarto long-playing – Convite para ouvir Maysa Nº 3 – provocou reações ambíguas da imprensa especializada, que se dividiu em críticas negativas e positivas ao álbum. Mas o consenso geral, que é notável aos ouvidos de qualquer ouvinte mais atento, foi de que o mais recente disco da cantora não continuava o brilhante trabalho desenvolvido em Convite para ouvir Maysa Nº 2, álbum aclamado, lançado no começo do ano, que ainda ganharia o Troféu Chico Viola por Melhor Disco de 1958 e de quebra seria o long-playing recordista de vendas na carreira da cantora. Quanto à Convite para ouvir Maysa Nº 3, apesar de realmente não ser tão bom quanto o trabalho anterior, continha algumas obras-primas na voz de Maysa, como “Eu Não Existo Sem Você”, Suas Mãos”, “As Praias Desertas” e três novas composições de Maysa – Saudades de Mim”, “Fala Baixo” e “Maria Que é Triste”. Por alguma razão que não foi abordada em nenhuma das três biografias sobre Maysa, foram editadas no disco duas versões das canções “Saudades de Mim” (letra e música da própria Maysa) e “Conselho” (Denis Brean e Oswaldo Guilherme) – no caso de “Saudades Mim”, a grande diferença entre esta ‘versão alternativa’ e a outra célebre  estava no arranjo, que continha um belo acompanhamento de violão. Já “Conselho” é completamente diferente; trata-se de samba gingado com arranjos de sopros e metais e coro, que em nada tem a ver com a versão famosa, incluída também na primeira coletânea de Maysa lançada naquele ano – Os grandes sucessos de Maysa. Como essas faixas “inéditas” não foram incluídas em futuros relançamentos e coletâneas, portanto, só quem possuía o álbum físico (que por sorte) as incluísse, poderia ouvi-las. Esse é o meu caso, que agora venho disponibiliza-las para download aos leitores do blog, como presente de comemoração pelos nossos quatro anos de existência. Esperamos que essas faixas sejam incluídas devidamente remasterizadas em futuros relançamentos.



Especial: 37 anos sem Maysa


37 anos sem Maysa


Maysa. Apenas um nome – e que nome. Quantos artistas têm o privilégio de ter suas personalidades completamente indissociáveis de nomes comuns? Poucos, Maysa foi um deles. Mas nem sempre foi assim. A mulher que nasceu Monjardim e um dia foi Matarazzo, precisou de muita coragem para se livrar dos pesados grilhões que a acorrentavam, para poder enfim se tornar simplesmente Maysa. Nada foi fácil, tudo teve um preço muito caro. Numa época em que ser cantora era amoral, mal visto, Maysa foi cantora. Numa época em que ser compositora num ambiente estritamente masculino era incomum, Maysa foi compositora. Numa época em que ser separada do marido era uma aberração, Maysa desquitou-se. Não foi apenas ótima cantora, compositora, intérprete; foi muito mais que isso. Era uma mulher à frente do seu tempo, que não hesitou em romper barreiras, quebrar tabus e ir além. Isso por satisfação pessoal, de espírito, antes das bandeiras e dos partidos. Precisaram existir muitas ‘Maysas’ para que alcançássemos o grau de autonomia e liberdade de ação e pensamento que nossa sociedade possui hoje em dia. Há exatamente 37 anos atrás ela foi embora deste mundo para deixar de ser cantora, compositora, intérprete, atriz, pintora, poeta e ser apenas uma estrela reluzente no céu; porque, afinal, Maysa era muito maior do que o que todas as expressões artísticas poderiam lhe oferecer, e era evidente que sua trajetória tão densa poderia ser interrompida fatalmente por um choque violento, como um cometa. Ela precisava de uma dimensão estelar. Finalmente foi encontra-la no espaço sideral, que é gigantesco e infinito, um pouco como a própria Maysa.


Os três mal amados
João Cabral de Melo Neto

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia,
meu endereço
O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio
e comeu todos os papéis onde eu escrevo meu nome
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas,
O amor comeu metros e metros de gravatas
O amor comeu a medida de meus ternos,
o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos
e de meus cabelos 
O amor comeu minha paz e minha guerra,
meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça,
meu medo da morte




Descanse em paz, Maysa