25 de junho de 2014

Imprensa: Equipe exigiu que Maysa vestisse roupa de gala - O Estado de S. Paulo, 07/04/1966


Amalfi desenhou os modelos que Maysa veste nos programas que estão sendo gravados em vídeo tape. Aqui, ela explica porque deixou de ser a moça displicente de antes: vontade de fazer trabalho sério.


Se fosse por Maysa, ela estaria de botas, calça comprida, camisa e microfone nas mãos, fazendo o show com seu jeito mesmo, displicente e sem requintes. Mas, como tem espírito de equipe fez via sacra em vários ateliês de costureiros à procura de um que tivesse estilo simples e fizesse vestidos sem lantejoulas de cima a baixo. Encontrou Amalfi e firmaram contrato: quatro modelos diferentes por programa, cada um de acordo com as músicas que Maysa vai cantar.
O terceiro vídeo tape foi feito na última terça-feira. Com ele,Maysa terminou a primeira série de programas e já vestiu doze modelos de Amalfi.

Elegância em equipe

Para a montagem de seus programas, Maysa contratou uma equipe completa. Estudou-se tudo: cenário, movimentos em cena, luz, música, e a cantora, principalmente. O resultado foi uma nova Maysa, de compridinho ou curto, porém sempre a rigor. Isso dá mais trabalho do que parece. Embora fique quieta para receber sua dose de maquilagem, ela se rebela contra o cabeleireiro Arnaldo e só a muito custo ele consegue fazer Maysa usar uma das seis perucas ou o coque com o qual aparece nas fotos. Maysa olha no espelho e enfia os dedos nos cabelos, embaraçando-os como fazia anos atrás – quando lançou uma moda (ou gênero) que muita mulher adotou. O maquiador é Juvenal.

Amalfi e os quatro

Amalfi também não tem problemas com Maysa – “ela é um amor”, com uma única exceção – não quer saber de experimentar os vestidos. Chega, escolhe quatro desenhos e determina as cores, porque sabe quais os tons que aparecem melhor na televisão. Na hora de provar, reluta e esquece que alta costura exige esse sacrifício.
Outro problema é fazer quatro vestidos por semana, o que pede um ritmo de trabalho bastante rápido. Entretanto, Maysa prefere linhas simples e o vestido só tem babados quando ela precisa se movimentar em cena ou a música é muito romântica. Além do mais é radicalmente contra bordados, o que vem facilitar o trabalho do costureiro. Na moda-show da cantora, o show de brilho é proibido.


(Reportagem publicada originalmente no jornal O ESTADO DE S. PAULO, em sete de abril de 1966) 

16 de junho de 2014

Imprensa: Depoimento de Maysa à revista Fatos & Fotos - 01/1976


 Num fim de noite, depois do show em São Paulo, ela fala de amor, de viagens, do filho e de um neto prometido



Maysa-cantora, todo mundo conhece (e gosta). Mas a Maysa-mulher, como estará, em janeiro de 76?
“Quando as pessoas se referem à cantora Maysa, só querem saber quantos uísques ela já bebeu hoje. Mas eu não gostaria que todos continuassem a pensar que a bebida é a única coisa importante para mim. Todas as noites saio cansada, vou para casa e me deito. No dia seguinte, às 10 horas, invariavelmente, minha mãe pega o telefone e me acorda. Acordo contrariada, nem bem descansada da véspera. Acontece que ela ainda não se acostumou com a ideia de que sou uma mulher adulta. E pelo telefone, todos os dias, quer saber se eu dormi bem, se já tomei café, o que vou comer no almoço, essas coisas. Às vezes penso que sou mesmo essa menina que ainda não cresceu. Pois é. Gostaria que o público me visse também assim, como uma menina. Ao mesmo tempo, quero que as pessoas me vejam como mulher. É essa contradição, a Maysa verdadeira. Claro, comecei com um background muito especial. Mas qualquer Matarazzo que resolvesse cantar, sentiria a mesma reação. Uma coisa que eu faço questão de dizer é que meus cunhados não brigaram comigo por eu ter partido para os palcos e microfones. Quem realmente se chocou fui eu. Começar a cantar terá sido um choque muito maior para mim do que para qualquer outra pessoa. Na verdade, cantar era uma maneira de sair da gaiola. Foi o que eu fiz. E, se não foi fácil no começo, ficou cada vez mais difícil à medida que o tempo passava.”

Um neto como outro filho

Esse show de agora é dedicado por ela a seu filho Jayme.
“Atenção, que o nome dele é Jayme, com y. É o meu maior amigo. Aliás, o único. Só que ele ainda não se deu conta disso. Está com 19 anos, de casamento marcado e tudo. Mas o melhor é que vai me fazer avó. Quero curtir esse neto como se fosse um outro filho. Meu neto será o filho que eu mesma não posso ter. agora, quando as pessoas me procuram para elogios, para dizer que gostam do meu show, que estou muito bonita, essas coisas, digo sempre que é por causa do Jayme, que é para ele que estou cantando agora. É para o Jayme que eu dedico Dindi, por exemplo. Todo mundo tem o seu Dindi; o meu é o Jayme.”
Planos?
“Estou preparando uma grande viagem, para breve. Primeiro vou ao México, cantar. Depois quero alugar um trailer, para percorrer os Estados Unidos (é preciso visitar os Estados Unidos antes que ele acabe). Vou viajar absolutamente sozinha; em cada lugar quero curtir as pessoas que encontrar, as pessoas que forem legais. Pois é. Sou uma pessoa solitária, sim. E muito. Incrível? Não é? Justamente a Maysa que tem tanta vontade de ser feliz, que teve e continua a ter tantas oportunidades de ser feliz. Mas acho que o meu mau é exatamente esse: estar sempre se lamentando, explorando ao máximo minha autopiedade. Posso conseguir as coisas que quero, tenho tudo para chegar a isso que se convencionou chamar de felicidade. Mas prefiro me machucar, me arrebentar. Atualmente, o livro que estou lendo é Jogo da Amarelinha, do Júlio Cortázar. Aliás, outro dia vi uma foto dele: pareceu-me muito bonito, essa beleza das pessoas tranquilas. Em paz consigo mesmas. (Acho que é por isso que ele consegue escrever coisas tão lindas.) Mas minha vida, hoje, é mais ou menos assim como um jogo da amarelinha, quando a gente tem todas as oportunidades de chegar ao céu e acaba caindo no inferno.
Amor?
Quando alguém me pergunta o que é amor eu sinceramente não sei o que responder. Está certo: amor é uma palavra muito bonita, mas não define coisa alguma. Hoje em dia, acho que o meu maior ato de amor é cantar. A pena é que cantar, para mim, ainda não se transformou – apesar de tudo – numa forma de expressão, no sentido realmente completo do termo. Pelo contrário, é apenas uma maneira de ganhar dinheiro. Mas acredito que chegará o dia em que conseguirei cantar como se fosse a coisa mais natural do mundo, assim como comer ou escovar os dentes; um ato absolutamente natural. Então, cantar vai deixar de ser apenas profissão. Porque quando me perguntam qual é a minha profissão, faço questão de dizer que minha profissão é ser.”
Infância?
“Minha infância foi muito alegre. Engraçado... eu preferia brincar com os meninos, não com as meninas. Às vezes entrava em brigas feias, batia até neles. Mas, cantar, cantei sempre. Ainda menina, me lembro, ganhei um gravador de presente, todo vermelho. Olhava no espelho e me maquilava igual à Marilyn Monroe. Só cantava música americana. Mais tarde fugi de casa e fui gravar o que seria o meu primeiro disco. Fui junto com o Baby, famoso guitarrista do Oásis, uma boate paulista que era o lugar da moda nos anos 50. Gravei esse disco em 1951. De um lado, uma música americana, do outro, Se eu Morresse Amanhã de Manhã. Aí é que veio o convite do Roberto Corte-Real para gravar meu primeiro LP.”
Solidão?
“Talvez meu maior mal seja a minha enorme incapacidade de conservar uma amizade. Desfaço, com três pontapés, meu relacionamento com uma pessoa que queira ser meu amigo. Chuto as pessoas que estão querendo gostar de mim. Chuto e depois fico com vergonha de procura-las outra vez. Mas no fundo sei que sou uma mulher muito gostável. O problema é que prefiro ficar na defesa, defendendo-me justamente de quem gostar de mim. Dizem que sou uma mulher que foi muito amada. Será que isso é mesmo verdade? Se eu fosse uma mulher diferente do que sou, se fosse alguém totalmente desconhecida, aí talvez eu pudesse responder com sinceridade, dizer alguma coisa melhor sobre o amor. Mas sou quem sou. Assim, volto a repetir: meu principal ato de amor é cantar. E é exatamente por isso que eu detesto a palavra carreira. Porque o que eu realmente desejaria é que meu canto fosse apenas um modo de expressar o meu amor. Mais nada. No mais, vivem querendo saber o que eu tenho de diferente em relação às outras mulheres, às outras cantoras. Olha, pra quem quer mesmo saber a verdade, é simples, simples até demais, no fundo, tenho uma imensa preguiça de ser eu mesma. E que ninguém me venha com o papo de que é preciso aprender a amar. Às vezes acontece de você encontrar alguém em quem possa jogar essa sensação chamada amor. Mas aí, de repente, o que se passa é que você percebe que jogou errado.”
Definições?
“Não é fácil definir as coisas, não gosto quando as pessoas exigem que eu defina isto ou aquilo. Querem saber qual é o homem ideal para mim? De preferência, um homem calado. Só que não existe nada ideal. O que hoje pode ser uma coisa ideal, amanhã pode não ser. E depois, a ser chateada, prefiro minha solidão. Será que seria assim tão bom se eu encontrasse alguém que precisasse de mim? Às vezes, o que me dói mais é saber que há alguém me amando”...
É essa Maysa-mulher que está cantando na Igrejinha, uma boate paulista, todas as noites, num show que começa assim:
“... vai lembrar de alguém/que só carinho pediu/e você fez questão de não dar/fez questão de negar...”

Reportagem de Luiz Carlos Azevedo
Fotos de Wilson Chumbo





(Reportagem publicada originalmente na revista FATOS & FOTOS em janeiro de 1976)