Texto de Vera de Almeida
Fotos de Maria José Barbosa
A Maysa, que diz que a fossa faz parte de sua vida, como faz
da minha e das pessoas que se prezam, quando em família e, principalmente, perto de sua avó, não parece
senti-la, vira outra pessoa, onde o sorriso, a despreocupação está presente. É
da Maysa fossenta e da Maysa alegre que hoje queremos falar um pouco. É do
“Chão de Estrelas” que ela canta como ninguém. É da mulher e da cantora, ambas
muito gente, que respeitam a quem as respeita, mas que se defendem como um leão
ferido sempre que procuram atingi-las, jamais partindo para o ataque, sempre na
defensiva. É da Maysa que só faz o que gosta, só diz o que pensa e aquilo que
crê, que nos ocuparemos, mostrando que a sua agressão sempre tem razão de ser,
não é gratuita.
Era um sábado cheio de sol. Em Copacabana, uma família
reunia-se para feliz comemorar um aniversário. Era a família Monjardim que
nesse dia cantava a tradicional musiquinha e acendia as velas de um bolo, quem
as apagou foi uma pessoa famosa, conhecida em todo território nacional e fora
dele. Mas naquele momento, Maysa esqueceu-se que era a cantora da fossa, da dor
de cotovelo, para ser somente a neta, filha, a irmã, a cunhada, a esposa e a
amiga. E como cantora da fossa é grande, não tem rival, também nas relações com
sua família e com seus amigos, deixava transparecer toda a sua grandiosidade.
Nesse dia não quis falar do show que está fazendo no Canecão, onde todas as
noites é aplaudida de pé, especialmente ao fim de “Chão de Estrelas”, nem no
programa “Dia D”, que deverá lhe dar este ano o prêmio de melhor entrevistadora
da televisão, pois com muita inteligência vai conseguindo arrancar tudo de seus
entrevistados, só desejava falar de saudade que sente de Jaiminho, que em julho
deverá chegar para passar as férias, de sua sobrinha que leva o seu nome, de
sua avó, a quem serviu o tempo todo, não permitindo que ninguém cuidasse dela,
de seus pais, de seu marido e de seu irmão com quem relembrava momentos felizes
e despreocupados de sua meninice e de sua adolescência. Nesse dia Maysa
esqueceu a fama, as luzes, os aplausos, para ser só e simplesmente a dona de
casa que estava recebendo e que fazia questão não só de receber como manda o
figurino, mas acima de tudo, com muita ternura, carinho e amor, aqueles que lhe
querem bem e aceitam como a mesma é sem exigir-lhe nada e de quem ela nada
exige também.
Mas não é somente com seus familiares que vamos descobrir a
Maysa ternura, a Maysa carinho, a Maysa amor, é, também, em seu ambiente de
trabalho. É no Canecão, onde as garçonetes não lhe poupam demonstrações de
apreço e carinho. É Luizinho Eça, diretor musical do show e responsável pelos
arranjos, que diz:
- Eu quero levar Maysa ao encontro de um ambiente formado
por garotos novos que tem coisas românticas e líricas que se prestam demais ao
seu estilo de interpretação, para que ela renove o seu repertório. Quero
propiciar esse encontro, porque acho que em matéria de lirismo, no Brasil, não
existe nenhuma intérprete como Maysa. Disso não tenho dúvidas. Somente ela me
faz abrir o berreiro, chorar como criança.
Maysa ouve isso tudo com um sorriso feliz em seus olhos, nos
lábios, enfim, no rosto e, não se contendo, o interrompe para dizer que tudo
isso acontece porque, embora já tenha trabalhado com muitos músicos, maestros,
Luizinho Eça é o único que ela já viu durante um ensaio, ao piano, se arrepiar
todo. E isso é sensacional. A gente vê a pele dele se arrepiar inteirinha e os
pelos dos braços crescerem. Luizinho acredita tanto naquilo que está fazendo
que nos transmite essa confiança, que nos dá confiança também. Desse modo Maysa
reage aos amigos, àqueles que a respeitam como gente e como profissional. Em
compensação, porém, é implacável quando encontra um mau caráter, aquele que se
quer promover à sua custa ou a custa de qualquer outra pessoa, mesmo que essa
não seja um amigo. Por isso, recentemente ao ser agredida, no que, como
profissional, tinha de mais importante – sua criação musical – reagiu, e de
maneira violenta. E desta vez, como de outras, os menos avisados não perceberam
e alguns fingiram não perceber o porquê de seu ataque, que não era um ataque,
mas uma defesa.
Assim, é Maysa: meiga, terna, carinhosa, mas que também sabe
usar palavras e atitudes duras quando a provocam. E que não faz concessões
baratas, como profissional, pois seu respeito ao público a leva aos maiores
sacrifícios, porque, segundo ela mesma, não se pode brincar com aqueles que,
apesar de tudo, das campanhas, do que disseram e fizeram com ela, lhe
permaneceram fiéis e souberam responder ao seu apelo em “Ouça”: ouvindo-a ontem
e hoje.
(Reportagem publicada originalmente no jornal Diário de Notícias em 17 de junho de 1970)