2 de maio de 2011

Televisão: Maysa faz "O Cafona" (Rede Globo - 1971)




Já havia algum tempo que Maysa andava apoquentada com essa história de ser atriz de televisão. E quando a Rede Globo a chamou para cantar no programa Som Livre Exportação no começo de 1971, ela fez de brincadeira: “Só canto de me derem um papel na próxima telenovela” e a emissora leva a condição a sério! Em pouco tempo, por intermédio do diretor Daniel Filho, Maysa foi convidada pelo autor da próxima trama das 22 horas – Bráulio Pedroso – para integrar o elenco de O Cafona.
Ora, é verdade que até ali Maysa tinha muita experiência com a tela pequena, desde os tempos dos seus programas da TV Record no fim dos anos 50. E é também verdade já tinha atuado num conto de natal do programa Noite de Gala de Abelardo Figueiredo. E até participou de um grupo amador de teatro do diretor Flávio Rangel na adolescência. Além da experiência de ter apresentado no ano anterior, o jornalístico Dia D, na TV Record. Mas sua maior intimidade com a interpretação até ali, fora uma atuação no teleteatro Elas Por Elas com Bibi Ferreira e Rubens de Falco apresentado no Bibi Especial da TV Tupi em 1970. Agora, atuar numa novela inteira, e na Rede Globo – que à época já era a líder absoluta no gênero – seria um dos maiores desafios de sua carreira até ali.
Pela primeira vez, uma telenovela brasileira teve de usar da advertência: “Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas ou com fatos reais terá sido mera coincidência”. Na trama do autor Bráulio Pedroso, personagens e situações confundiam-se com pessoas e fatos da vida real. Nunca uma novela havia abordado com tanta acidez e realismo a superficialidade da vida da alta sociedade, e a sordidez da burguesia. Que davam origem a uma trama recheada de tipos como – milionários falidos, novos-ricos, alpinistas sociais, revolucionários e hyppies. Tudo isto numa mesma novela!
A trama de O Cafona girava em torno de Gilberto Athayde, um novo rico que sonha ser aceito pela alta sociedade. Ele é um homem simples e rude que conseguiu enriquecer como dono de uma rede de supermercados. Ao ficar viúvo, parte em busca do seu plano de se casar com uma grã-fina. Na trama, surgem duas possibilidades: Malu (Renata Sorrah), filha de Fred (Paulo Gracindo), um milionário falido que enxerga no casamento da filha um caminho para resolver seus problemas financeiros; e Beatriz (Tônia Carrero), ex-mulher do empresário Gastão Monteiro (Álvaro Aguiar), que se preocupa apenas em posar para capas de revistas como uma das mais elegantes das colunas sociais. Beatriz se apaixona por Gilberto Athayde e decide lhe ensinar a como se comportar em sociedade.
E no meio de tudo isso surgia Simone – o alter-ego de Maysa. Há de se notar agora uma certa verossimilhança: Simone era uma mulher casada com um industrial paulista que cansada da vida de socialite, larga o marido. Troca São Paulo pelo Rio de Janeiro, transforma-se em uma devoradora de homens, cai de cara no whisky e por fim – torna-se uma notória transgressora dos bons modos. Aí já era impossível separar a ficção da realidade! Todos perceberam que Maysa estava interpretando sua própria história de vida. E ela mesma assumiu isso em público: “A personagem tem muito de mim. Afinal, nunca fui atriz e seria muito difícil criar uma caracterização”. A cantora estava duplamente feliz, primeiro, ao realizar o sonho de ser atriz e segundo, por mostrar ao país o drama da própria vida. Como ela mesma disse no coquetel de apresentação do elenco a imprensa: “É uma pena que só agora, aos 34 anos, minha experiência humana venha a ser compreendida em um trabalho como este. Há uns treze anos , pessoas como eu eram rotuladas de transviadas, desajustadas e outros termos pejorativos.  Hoje não. Ser assim, agora é ser, na pior das hipóteses, um hyppie”.
Encenada no horário das 22 horas – horário reservado para tramas mais expressivas, do que os romances melodramáticos das habituais novelas das oito. O Cafona foi transmitida entre 22 de março a 20 de outubro de 1971. Dirigida por Daniel Filho e Walter Campos. Maysa contracenava com um verdadeiro time de estrelas, formado por Francisco Cuoco, Marília Pêra, Tônia Carrero, Renata Sorrah, Elizângela, Paulo Gracinco, Ary Fontoura, Carlos Vereza, Marco Nanini e Osmar Prado. Muitos deles, ainda em início de carreira. O autor Bráulio Pedroso vinha de dois grandes sucessos sucessivos na TV Tupi – Super Plá e Beto Rockfeller. A última, havia inaugurado no Brasil a telenovela com crítica social. Já em O Cafona, o autor repetia a dose, com muito mais humor.
Na época, alguns figurões da fauna carioca se sentiram levemente retratados na trama. Afinal, os personagens eram novos-ricos e milionários que não perderam a pose por nada! Freqüentam a piscina do Copacabana Palace, vão a banquetes e comentam as notas das colunas de Zózimo Barroso do Amaral e Ibrahim Sued. Tudo isso, com a maior naturalidade do mundo. Com participações especiais de colunáveis, o diretor Daniel Filho convidou à época, pessoas famosas para participar da trama. Como Maysa, que tinha status de grande cantora popular e passado aristocrático, além do nobre espanhol Juan de Bourbon.
A novela destacava também a história de três jovens que pretendem fazer o filme mais radical do cinema brasileiro: Matou o Marido e Prevaricou com o Cadáver. Cacá (Osmar Prado – par romântico de Maysa na trama), Rogério (Carlos Vereza) e Julinho (Marco Nanini) são caricaturas bem-humoradas dos diretores Cacá Diegues, Rogério Sganzerla e Júlio Bressane. Eles são liderados pelo Profeta (Ary Fontoura), uma espécie de guru das praias do Rio de Janeiro. O título do filme é uma paródia da famosa obra de Bressane, Matou a Família e Foi ao Cinema (1969).
 A secretária de Gilberto Athayde é a loura Shirley Sexy (Marília Pêra). Ela é moradora de uma república hyppie em Santa Teresa, no Rio de Janeiro e é apaixonada pelo patrão. Na trama, a secretária é escolhida pelos cineastas para estrelar o filme. Outro grande sucesso entre o público foram as cenas de Gilberto Athayde e Shirley Sexy, que o chamava na intimidade de Gigi. Segundo a atriz Marília Pêra, a naturalidade de muitas cenas, especialmente as cômicas, vinha da liberdade que o autor dava aos atores para criar situações. No próprio texto, conta ela, Bráulio Pedroso indicava as cenas em que os atores deviam improvisar.
A novela acabou se tornando um enorme sucesso de público e crítica. O Cafona foi a primeira novela da Rede Globo a ter sua trilha sonora lançada pela Som Livre – marca de fantasia da SIGLA (Sistema Globo de Gravações Audiovisuais), e devido ao sucesso tão grande, teve também sua trilha sonora internacional lançada em disco. Desde então, é costume que as telenovelas da Rede Globo tenham dois discos cada uma.
Para embalar as desventuras de sua personagem, o autor Bráulio Pedroso pediu a Maysa que escrevesse uma canção para o tema de sua personagem. Maysa pôs música em um de seus poemas recentes e gravou o “Tema de Simone”. Lançado pela Philips em um compacto simples, e que infelizmente (por razões contratuais) ficou de fora do disco oficial de O Cafona.
Em uma de suas cenas mais antológicas na novela, uma cambaleante Simone é expulsa do Copacabana Palace. A cena, foi gravada lá mesmo no famoso hotel. E muitos passantes, ao acreditarem que ela estava sendo expulsa do luxuoso palacete, gritavam para a cantora: “Dá neles Maysa!” ela adorou. O público mais ainda. Meio desconfiado, eles acabavam acreditando cegamente nos porres de Maysa. A revista Amiga reconheceu: “Maysa e Tônia roubam O Cafona”. O sucesso do personagem foi tanto, que Maysa acabou até ganhando prêmio de Coadjuvante de Ouro. Ela foi mesmo uma grande atriz!

Abaixo, fotos de Maysa em O Cafona:











Em cena, com Tônia Carrero.





Em cena, com Osmar Prado.



Reunida com o elenco da novela.





Em cena externa no hotel Copacabana Palace.



Abertura de O Cafona:

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