11 de julho de 2011

Imprensa: Maysa vive um drama (Manchete - 1960)



Na edição da revista Manchete, de 26 de março de 1960, a prestigiada publicação nacional trazia a tona o drama que se instaurara na vida de Maysa. Havia semanas que Maysa andava desaparecida do meio artístico e do círculo social carioca e foi quando se descobriu que a cantora estava internada em São Paulo, em circunstâncias ainda misteriosas. A matéria da Manchete visava justamente destrinchar o que estava acontecendo na vida da grande estrela e como ela estava vivendo. No Blog oficial Maysa, você lê na íntegra a reportagem da jornalista Emília Braga, com fotos de Carlos Kerr e Paulo Salomão.

Maysa – a mulher que a vida não domina


Mistério, suspense e drama no tratamento da cantora, que tinha pressão sete quando chegou ao hospital. Na primeira semana tomou remédio a base de Fenarol para a sonoterapia. O médico não diz exatamente de que males ela sofre.

Andando nas pontas dos pés, a enfermeira encosta a porta do quarto e observa por alguns instantes o sono profundo da paciente. Depois de quebrar a réstea de luz que teima em entrar no aposento, a enfermeira se retira com o maior cuidado para não fazer ruído. E deixa Maysa ainda sob os efeitos da droga que o médico lhe deu para início de um tratamento sério.
Maysa está no Hospital Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo. Inconsciente, sozinha naquele quarto, depois de vários anos de vida agitada, ela volta as primeiras páginas e é assunto de todas as rodas, aumenta ainda mais sua imensa popularidade. Maysa é feliz ou infeliz? É verdade que já tentou suicidar-se várias vezes? Quem é o seu último amor?
Todo mundo fala de Maysa. A moça bonita e educada, que um dia se casou com um Matarazzo para depois se separar, é uma personalidade sempre ao alcance de todas as bocas. Alguém será capaz de medir o espírito rebelde da famosa cantora?
Com os nervos a flor da pele, ela agora vai ser submetida à sonoterapia, desintoxicação alcoólica e plástica do abdome. Antes de entrar no hospital, um repórter perguntou-lhe por que ela bebe tanto. Sua resposta veio com sorriso de tolerância que tem para todas as perguntas indiscretas:
-         Comecei a beber por atitude. Hoje é um tique, gosto de sentir o copo na mão.

Na penumbra de um quarto de hospital ela espera curar seus nervos abalados e emagrecer doze quilos

Prova a história de Maysa que, antes de tudo, quando se quer levar uma vida agitada, o mais aconselhável é cantar bem. Em várias ocasiões proclamou a famosa cantora o seu desprezo por dinheiro, luxo e reuniões elegantes. Mas não esconde seu prazer em estar diariamente nas colunas dos jornais, sendo alvo de mexericos ou mesmo de publicidade comercial. Adora a espalhafatosa atmosfera de notoriedade.
Seu conceito de boa vida se resume num apartamento com ar-condicionado, a melhor hi-fi até hoje inventada, discos e um bar devidamente abastecido. Não gostaria de morar numa ilha deserta, entregue a meditação, longe das populações inquietas. Ama a sua profissão, principalmente porque esta permitiu torna-se a coqueluche das grandes cidades.
Como resultado da ausência de conflito entre os seus ideais e o êxito, Maysa não devia lutar com muitos problemas, mas vive cheia deles. Em matéria de dinheiro  já observou certa vez:
-         Conheço gente que se mata de angústia por amor ao dinheiro. Tenho a impressão de que essas pessoas são infelizes porque vivem empenhadas o tempo todo em obter sucesso e riqueza. Ninguém pode inspirar-se em viver num tipo de vida assim. Essa gente é como caixa registradora, anotando o dia inteiro as entradas de dinheiro para conferir a féria de noite.i^
Apesar do desgosto que isso lhe traz, uma caixa dessas vem registrando para Maysa altas cifras. E parece que não vai parar tão cedo. Mês após mês seus contratos vem sendo cada vez mais bem pagos. Egressa das rodas grã-finas de São Paulo, recebeu mil cruzeiros por noite para cantar numa boate, quando assinou seu primeiro contrato, em 1954. Desde então, apareceu em uma dezena delas, as melhores do Rio e de São Paulo, sem falar dos contratos com estações de rádio e televisão nas duas capitais e excursões a Buenos Aires e Montevidéu, onde era apresentada como “a condessa que canta”.
Em seu último aparecimento em boate, o cachê por noite era de 50 mil cruzeiros. Calcula-se que Maysa já embolsou milhões de cruzeiros. E seus empresários estão cada vez mais convencidos de que ela representa um firme investimento, pois sempre há disputa de mesas  nas casas que programam a famosa cantora.
Deve ser esta uma situação horrível para quem detesta dinheiro, muito embora o imposto sobre a renda já venha aliviando Maysa de uma parte dos seus lucros fabulosos. Mesmo assim, por mais que suba a taxação, sempre haverá na conta da cantora, não há dúvida, saldo bastante alto para emocionar as pessoas que vivem de salários.
Maysa conseguiu resolver seu problema com muita habilidade: não gasta o dinheiro que recebe. Entrega-o ao pai que aplica tudo em apartamentos. Quanto a Maysa, dispõe mensalmente de 100 mil cruzeiros para as suas despesas – mais que um senador.
Como se livrar dos 100 mil? Não tem jeito para gastar dinheiro em vestidos e sapatos ou com alguma coisa para seu apartamento, porque este não precisa de nada e sua mãe cuida dele como ninguém. Com seu filho é quem despende a maior parte do dinheiro que tem para si mesma. Suas roupas caras e da moda são apenas para as apresentações em “shows”. Com pavor de tudo que não seja simples, detesta as toaletes ostentosas para causar efeito. Seu fraco é “short” e maiô. É possível vê-la à vontade nas suas indumentárias preferidas  quase todos os dias em Copacabana, posto 3.
Em diversas ocasiões, noticiou-se que estava de namoro sério com pessoas do meio em que atua profissionalmente. Às vezes ela mesma declara, na presença de colegas, que está apaixonada. Nos dias seguintes suas palavras aparecem nos jornais, que logo descobrem com quem ela costuma sair mais frequentemente, e apontam seu novo amor. Mas os dias passam e ela deixa de aparecer nos lugares habituais com o indigitado seu noivo. Logo todo mundo se esquece dele e continua falando nela.
Mas essa mulher que tanto dá a ganhar aos seus empresários e tanto ganha também anda a procura de alguma coisa que o dinheiro não compra nem dá. Se quisesse, poderia ter casa de campo com piscina e muitas empregadas, mas prefere um canto tranquilo em Copacabana, visitado apenas pelas pessoas realmente bem-vindas. Só tem uma empregada porque não pode evitar isso. Gostaria de fazer a sua própria comida e arrumar o seu quarto, o que faz quando dispõe de tempo.
É fácil para ela ser dona de casa. Não gosta de pratos requintados e, em vista de sua tendência para engordar, prefere almoçar ovos quentes e salada de alface. Como sobremesa  fica muito contente quando tem queijo de Minas e banana, o que a empregada ás vezes esquece de comprar. De uma coisa porém a empregada não esquece: é de manter sempre o gelo, pronto e a garrafa de whisky à mão, porque de um momento para o outro Maysa resolve beber o dia todo.
Quando sua depressão emotiva se acentua, Maysa encontra uma válvula de escape na bebida. Toma o necessário para derrubar a maioria das pessoas habituadas a beber, ficando apenas ligeiramente alegre. Sua propensão a engordar é um caso de glândulas ou simplesmente uma questão de bebida a mais ou a menos? – é sabido que whisky vem do milho. Quando seu peso aumento, submete-se a rigoroso jejum alcoólico, mas isso não dura muito. Acaba voltando aquele estado de enfado que só melhora com uns copos de whisky. Por isso rompe a dieta e os ponteiros da balança não demoram a acusar o resultado. Muitas vezes sente que, se continuar engordando, pode arruinar a carreira feita da noite para o dia. Então, mostra-se disposta a emagrecer. Em setembro do ano passado, deu início a um regime rigoroso e chegou a perder oito quilos. Ficou tão magra de rosto que as pessoas que não a viam a mais de duas semanas perguntavam-lhe se estava doente. Num vestido negro apertado, parecia outra mulher.
Maysa poderia ter um Cadillac, mas prefere um carro europeu, desses pequenos, que dirige com habilidade e displicência. Não abre mão de seu ponto de vista sobre um padrão de vida alto, quando se sente tão bem com o contrário disto. É admiradora de ritmos que não se confundem com sua a voz e estilo. Em certa época estudou a origem e história da música popular de vários povos africanos. Até hoje se entrega a leitura de trabalhos de divulgação e pesquisa sobre a música folclórica brasileira, embora seu repertório seja de canções da moda, fáceis de guardar de memória, muitas das quais ela mesma compõe. Eis a letra de uma composição sua bem significativa:
“Ninguém pode calar dentro em mim/esta chama que não vai passar/É mais forte que eu e não/ quero dela me afastar/Eu não posso explicar quando/foi e nem quando ela veio/Eu só digo o que penso, só faço/o que gosto e aquilo que creio”.
De ordinário, Maysa é uma pessoa branda e comedida, dessas que podem ficar numa janela a contemplar a paisagem horas a fio. Fala-se, porém, de música e sua face se ilumina e ela se põe a discutir o assunto com entusiasmo e prazer longo tempo.
Desde menina pensou em cantar e se pode mesmo dizer que sempre fez isso, embora sem caráter profissional, até pouco tempo. De violão – instrumento que toca bem – era comum cantar um número ao fim de cada festa que ia. Tocava e cantava de um modo que todo mundo não escondia seu espanto ao sabe-la uma mocinha como qualquer outra das presentes em reuniões de família. Era crivada de perguntas sobre as razões porque evitava aparecer no rádio.
Ao pensar em sair à noite para divertir-se com amigos e amigas, prefere sempre os locais onde se houve música. Ás vezes é de seu gosto ficar ao lado de alguém cantarolando seu repertório em tom baixo. É capaz de fazer isso horas a fio, esquecida de que sua companhia pode querer falar de cinema, do tempo, da vida. Costuma também ficar em silêncio durante vários dias seguidos, parada, olhando um ponto fixo, como se refletisse sobre uma grande decisão. Em dias assim, quando não bebe sem parar ou não ouve música uma atrás da outra, dá para arrumar as gavetas do seu guarda-roupa. Há alguma coisa indomável em Maysa, um forte impulso do seu temperamento, que leva a fazer somente o que deseja e da maneira como bem entende. É, porém, tímida e ficaria embaraçada se percebesse estar causando mal-estar a alguém com seu comportamento. Sua atração pelas pessoas que sofrem, pelas mais várias razões, tem sido notada por muitos de seus conhecidos. Parece identifcar-se com a gente pobre, desnorteada por muitos problemas, e se sente na obrigação de consolar todas as mulheres que sofrem por amor.
















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