21 de maio de 2013

Imprensa: Depois de amanhã, todo dia é de Maysa - Correio da Manhã (19/05/1970)


Depois de amanhã, todo dia é de Maysa


O Dia D Maysa foi ontem, em São Paulo. Maysa só exigiu uma equipe para trabalhar e o resto ficou por conta do recado que as câmeras do canal 7, TV Record de São Paulo, mandaram para quase todo o Brasil.

Agora é hora de voltar ao Rio. Quinta-feira é dia de Maysa no Canecão.

-        A gente tem que ser coerente, mais nada. Se foi aqui que eu recebi tanto carinho e o meu recado foi tão bem entendido, porque mudar?

A “Maysa de hoje”, ela mesma diz, não existe.

-        Nada mudou. As pessoas continuam me agredindo, tendo preconceitos em relação a mim. E eu continuo me defendendo delas, agressivamente. Na verdade, o que pode ter mudado – é, isso realmente mudou – é que hoje, eu evito essas pessoas o mais que eu posso, procuro ter o mínimo contato possível com essa gente.

Mas hoje existe uma Maysa obcecada por seu trabalho, entusiasmada com as canções que vem ensaiando para o show do Canecão, com os arranjos de Luiz Eça, com os jovens do conjunto que vai acompanha-la.

-        Há dez anos, nós já fizemos isso: éramos eu, o mesmo Luizinho Eça, Menescal, Hélcio Milito, Bebeto, Luís Carlos Vinhas. Foi a época do Barquinho e todos eles, apesar de ainda desconhecidos, já eram da pesada. Hoje, eu volto a trabalhar com uma turma de garotos sensacionais, orientados pelo Eça, estou muito à vontade com eles.

No repertório, há San Juanito e há Roberto Carlos.

-        Também isso não é uma mudança. Eu sempre cantei o que sentia, minha única condição para cantar uma música é ser tocada por ela, acreditar nela. Se há 10 anos me aparecesse uma canção de Roberto Carlos, eu cantaria, desde que gostasse. Nunca tive preconceitos, principalmente, em relação à música.

Os planos para o futuro só falam em cantar, até que a voz acabe. Maysa assinou agora um contrato com a Phillips, primeira experiência de um programa de divulgação de Maysa no exterior: o novo disco tem a direção artística de Roberto Menescal, tem arranjos modernos e tem músicas que Maysa vai cantar no Canecão. Apesar de estar num esquema de se lançar no exterior, Maysa nem quer ouvir falar no Festival da Canção.

-        É simples: até agora, o Festival só trouxe vantagens para a música estrangeira.

Antes do show do Canecão, Maysa deveria fazer uma temporada no Teatro da Praia, sob a direção de Miéle e Bôscoli. Faltando cinco dias para a estreia, o espetáculo foi cancelado.

- Não tenho físico para trabalhar daquele jeito. Em cima do dia da estreia não havia nem texto. Ronaldo e Miéle são excelentes produtores e estão acostumados a trabalhar na base da improvisação. Mas eu não aguento, não sou gênio. Talvez os dois, de uma certa forma, o sejam. Mas para mim não dá, embora isso não diminua minha admiração por eles. 


(Reportagem publicada originalmente no jornal CORREIO DA MANHÃ - Rio de Janeiro, 3ª feira, 19 de maio de 1970)

13 de maio de 2013

Imprensa: A voz que vem do Coração, Fernando Sabino - Jornal do Brasil (11/11/1974)


Fernando Sabino

A voz que vem do coração


Aperto o botão da campainha e espero. Tive de subir um lance de escada, o elevador não vem até aqui. É um prédio antigo numa rua transversal de Copacabana. O vestíbulo é amplo – reparo que o papel de parede está descolado junto ao chão, mostrando uma cicatriz no reboco. Quando começo a acreditar que a campainha não esteja funcionando a porta se abre:
-         Ela está para chegar a qualquer momento. Entre, por favor.
É Leila, sua dedicada amiga e secretária. Sigo-a através de várias dependências, inclusive um quarto de dormir. O apartamento, de cobertura, me parece fino e comprido como um navio.
-         Não repara, estamos em obras.
Ela me serve um uísque e me deixa à vontade. Enquanto espero tenho tempo de reparar em tudo, mas estou inquieto, como um mistério que terei de enfrentar de um momento para outro. Vou até o terraço, que se prolonga em todo o comprimento da fachada, extenso e vazio, como uma plataforma de estação. Debruço-me na parte que dá para o mar, fronteira à janela do apartamento onde morou Augusto Frederico Schmidt. A lembrança do poeta morto me deprime, a altura me dá vertigem. Volto para a sala e continua a pesar-me uma sensação de insegurança, emanada dos próprios móveis que me cercam, marcados pelo uso, dos quadros que cobrem a parede, densos de sofrimento, dos livros na estante, todos de espiritismo e ciências ocultas (que mais tarde ficarei sabendo não serem dela). Meia-noite em ponto – hora fatídica das velhas histórias de assombração. Mal tenho tempo de acomodar-me e tomar o meu uísque para sossegar o espírito: ela acaba de chegar.
De repente tudo se ilumina. Como uma curva de estrada sob os faróis de um carro, a sala se acende. Tudo se ilumina com a presença magnética de uma mulher que acaba de entrar, fremente de simpatia, descontraída, aberta, comunicativa, e que se aproxima de mim pedindo desculpas pelo atraso. Sua maneira de me apertar as mãos me liberta instantaneamente da inquietação. Só que não vai ser nada fácil escrever sobre ela. Vejo apenas dois olhos diante de mim, que são como os de Teresa no poema de Bandeira: mais velhos que o resto do corpo – os olhos nasceram e ficaram 10 anos esperando que o resto do corpo nascesse. E entendo sobre o que o poeta disse sobre os dela própria:
“Os olhos de Maysa são dois não sei que, dois não sei como diga, dois oceanos não pacíficos. Maysa são dois olhos e uma boca.”
A boca de Maysa falando e meus ouvidos escutando. Procuro em suas palavras um sentido lógico que complemente a emoção escolhida na sua voz de cantora. É estranho como a admiração à distância pode às vezes queimar etapas: não nos conhecemos senão indiretamente, através de amigos comuns como Aloysio de Oliveira ou Vinicius de Moraes – no entanto, nem um minuto é passado e ela já me fala de sua vida como se eu fosse um amigo de infância. Corremos o risco de só conversarmos assuntos sobre os quais eu não poderia escrever.
-         Porque não? Pode escrever sobre o que você quiser.
Ela vem de uma seção de análise – a análise de grupo: parece embalada na franqueza ali exercida, prolongando-a em tudo que me diz. Prefere análise individual:
-         Já tenho os meus problemas, porque vou me chatear aguentando os dos outros? O que eu quero é viver a minha vida, amar, ser amada, fazer amor. Sofro de solidão. Sou uma romântica.
Como um analista improvisado, vou tentando explicar o seu temperamento, a partir da qualidade que parece presente em tudo na sua vida: a necessidade de amar e a fatalidade da solidão; a força da mulher erigida em mito e a imaturidade de criança; a moça de sociedade e a vida boêmia; a artista profissional e a amadora que gosta de pintar e escrever; até mesmo a mulher magra com tendência a engordar.
-         Não foi tendência a engordar: foi bebida mesmo. Tomei um pileque que durou de 58 a 62. Fiquei com 96 quilos. Deixei de beber e perdi litros e litros.
Eu bebendo, e ela tomando uma xícara de café a cada uísque meu.
-         Beber é muito bom. Muito melhor que não beber. Mas eu não podia: ficava impossível, agredia as pessoas. Um dia vi um amigo nosso saindo pelos fundos para fugir de mim, fiquei chateada, resolvi parar.
A surpreendente desinibição com que ela fala no problema é a prova de que soube enfrentá-lo. Quando todos a supunham com a carreira encerrada, ressurgiu como se tivesse renascido. Não é sem razão que admira Sarah Vaughan ou Ella Fitzgerald, mas sua admiração maior é mesmo por Judy Garland.
-         Eu me casei muito moça: com 17 anos. Ele era 18 anos mais velho que eu, para mim muito mais pai do que marido. Não levei propriamente vida de sociedade, mas me sentia muito tolhida no meio daquela gente toda. Acabava tendo de jogar buraco, pif-paf, ir a boates... o que eu gostava era de cantar.
Aprendeu piano e aos 12 anos compôs a sua primeira música. Que acabou em disco, quando tinha 19 anos, sugerido um dia por um produtor em visita à sua casa. O sucesso deixou a família desconcertada: não era exatamente o que esperavam dela. Por essa ocasião teve um filho (hoje com 18 anos). A família inteira compareceu a sua estreia na TV Record. Daí para frente a situação ficou insustentável. Deixou a família e continuou cantando: no Rio, em Buenos Aires, em Paris, dois anos na boate Blue Angel em Nova Iorque. Sete anos de cura e repouso na Espanha. Outros casamentos, quatro ao todo. E voltou a cantar.
O novo long-play que está lançando esta semana talvez seja o mais importante dos 25 que já gravou: representa a sua nova maneira de cantar e a sua verdadeira maneira de ser. Tentou o teatro, tentou a novela, tentou o show popular, com jogos de luzes e pernas de fora, numa obstinada procura de renovação. Mas não encontrou como agora a verdade da sua arte, despojada de artifícios, na voz nascida nota por nota diretamente do coração. É ela própria que está ali, autêntica, vivida e amadurecida. Não esconde idade: está com 38 anos feitos. Não tem medo de envelhecer nem de morrer. Tem medo é de enfrentar o público. Mesmo indiretamente através de uma entrevista ou do que escrevam sobre ela. Hoje, por exemplo, pensou seriamente em inventar uma desculpa para adiar nosso encontro, dizer que o pai estava passando mal, ou que ela tinha ido para Maricá (onde ela está construindo uma casa que é atualmente o seu sonho de uma nova vida e de um novo amor). Mas acaba conversando comigo até quatro e meia da manhã, e quando lhe digo, ao despedir-me, que não saberei como escrever sobre ela, sugere que eu ouça seu novo disco, preste atenção nas palavras:
-         Eu estou toda ali.


(Publicado originalmente no CADERNO B do JORNAL DO BRASIL - Rio de Janeiro, 2ª feira, 11 de novembro de 1974.)

6 de maio de 2013

Curiosidades: Contracapa de Maysa sings songs before dawn (1961)


Maysa sings songs before dawn


Texto de contracapa (TRADUÇÃO)

Esta é a voz de Maysa. A cantora mais popular e emocionante do Brasil. Sua voz – quente, infinitamente sedutora, – é calorosamente convincente, suas performances são hipnóticas. Com extraordinária arte (e um punhado de sotaque) Maysa se estabelece imediatamente neste, seu disco norte-americano de estreia, como uma das grandes estrelas internacionais. Nascida numa das mais distintas famílias do Rio de Janeiro, Maysa foi “descoberta”, enquanto cantava numa de suas próprias festas. Roberto Corte-Real, diretor artístico e de repertório da gravadora Columbia no Brasil, estimulou-a a gravar algumas de suas canções e Maysa concordou, estipulando que os direitos autorais deviam ser cedidos ao Instituto Brasileiro do Câncer. O resultado do disco foi um sucesso instantâneo, e Maysa se encontrou lançada numa nova e inesperada carreira. Como Maysa Matarazzo (ela é esposa do conde André Matarazzo) esta cantora vibrante apareceu nos principais clubes do Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires e Uruguai. Os discos subsequentes trouxeram-na mais sucesso, e ela estrelou o elenco de programas de rádio e televisão por toda América do Sul. Maysa também apareceu na famosa casa de shows Olympia em Paris, no Japão e no Blue Angel de Nova Iorque. Ela ganhou por duas vezes consecutivas todos os quatro maiores prêmios do Brasil: O Disco de Ouro, A Antena de Prata, o prêmio de Melhor Cantora da TV do ano e o Troféu Roquette Pinto, nomeada para um dos maiores artistas do Brasil, como melhor cantora de boate, rádio e televisão. Neste programa provocante, Maysa canta em inglês, francês, espanhol e na sua língua nativa, português. As três canções talvez desconhecidas do público norte-americano são a exótica brasileira Night of my Love, a mordaz francesa Ne Me Quitte Pas do compositor-cantor Jacques Brel e a balada chilena La Barca. Autumn Leaves, que é cantada em francês e inglês, combinando os talentos do poeta francês Jacques Prevert e do letrista americano Johnny Mercer, é a única outra canção não-nativa. As outras, todas standards norte-americanos, foram deliberadamente escolhidas por suas qualidades dramáticas. Todas as canções gravadas neste disco dão a Maysa a oportunidade de cantar com paixão, envolvimento pessoal e soberba musicalidade, qualidades que tem trazido a ela um séquito fervente e fiel em sua pátria.