Maysa acha os americanos ingênuos
Esta
entrevista foi realizada com Maysa noite dessas no apartamento 1.303 do Plaza
Hotel, onde a estrela se encontrava hospedada. Informal e simples, lacônica por
vezes, mas categórica sempre, deixando de lado, por completo, os chavões e as
frases feitas, a criadora de “Ouça”, “Mundo Vazio”, “Suas Mãos”, “Escuta Noel”
e tantos outros sucessos em disco foi respondendo, uma a uma, às indagações que
lhe dirigimos, sem titubear, sem hesitar um instante sequer. Vestia uma blusa
de malha e uma saia escura. Ao colo, seu cachorrinho de estimação. Os cabelos
revoltos, caindo em mechas sobre a testa, davam-lhe um toque de encantadora
negligência, que a ausência de “baton”, “rouge”, ou rimmel” tão bem
complementava.
Fitou-nos,
com seus olhos marcados a lápis. Seu olhar nos disse que podíamos começar.
“NÃO
ME CONHEÇO”
-
Que
acha de si mesma? – iniciamos.
-
Já
cheguei à conclusão de que não me conheço. Não sei ainda, exatamente, quem sou,
quem fui, quem serei. Vivo procurando a mim mesma, certa, embora, de que não me
encontrarei nunca, nem no espaço nem no tempo. Sou, entretanto, a mulher que se
busca.
-
Considera-se
realizada como criatura, artista e mulher?
-
Realizei-me
plenamente como criatura humana, como matéria orgânica e sensitiva. Não o
consegui, todavia, como artista e mulher. Pensando bem, pouco ou nada realizei
na vida, pois cada dia que passa mais me convenço de que me falta tudo para
realizar aquilo a que me propus, quando iniciei a jornada da existência.
Existência? Nem sei mesmo, ao certo, se vivo ou vegeto...
-
Considera-se
uma mulher de grande personalidade?
-
Não,
de personalidade grande. Não sei se para bem ou para mal. Costumo dizer o que
penso, porque, geralmente, penso o que digo, aproveitando o “slogan” de um
jornal.
-
A
Maysa-mãe é condescendente ou rigorosa?
-
Nem
uma coisa nem outra: compreensiva. Meu filhinho (que se encontra em São Paulo,
residindo em companhia de meus pais) não conheceu, até agora, de minha parte,
tolerância ou tirania. Dispenso-lhe a compreensão de vida aos meninos de sua
idade, pois não desconheço que a benevolência excessiva é tão perigosa quanto o
rigor em demasia.
-
Qual
é sua religião? E cor política?
-
Tenho,
por princípio, não responder a perguntas que versem sobre questões religiosas
ou políticas, uma vez que são assuntos extremamente controversos. Vou abrir uma
exceção, certa de que vocês não tocaram mais nestes temas. A religião que
professo, defino-a numa palavra – cristã. Quanto à minha cor política, é...
meia-esquerda.
E
deu um sorriso maroto. Espremendo mais ainda os olhos rasgados.
“BEBO
PORQUE QUERO”
-
Maysa,
porque você bebe? – perguntamos, de chofre. Pausa. Lentamente o sorriso se
desfez. E a resposta veio, em tom que não admitia réplica:
-
Bebo,
por vários motivos: em primeiro lugar, porque quero. Em segundo, porque sinto
vontade. Em terceiro, porque tenho dinheiro para pagá-la. Finalmente, porque
bebendo, eu me torno menos insuportável aos outros e, ao mesmo tempo, consigo
suportar a presença dos insuportáveis, coisa que seria difícil obter fora do
estado etílico.
-
E
que faz quando, mesmo estando em multidão, sente-se só?
-
Bebo.
Aproveitamos
a embalagem:
-
A
noite carioca lhe agrada? E a paulista? E a nova-iorquina?
-
Quer
saber de uma coisa? Minhas noites não têm sobrenome.
“FRACASSEI
NO AMOR”
-
Quantas
vezes você se viu frustrada no amor, Maysa?
-
Tantas
quanto tentei. Meu fracasso no amor foi qualquer coisa de cruel, total,
inumano, exasperante, irremediável. Como sigo, entretanto, a teoria filosófica
que erige a fatalidade como supremo dogma, conformei-me com os meus contínuos
insucessos nesse terreno, cujos encantos, ainda, a bem dizer, desconheço.
Resigno-me a amar sem ser amada ou ser amada sem amar, ou ainda: nem amar, nem
ser amada – que considero a mais simples para uma vida vegetativa e sem pretensões.
Diga-se de passagem que não creio já ter sido amada verdadeiramente, levando-se
em conta o que eu entendo por “amar”, em toda complexa acepção da palavra.
-
Julga-se
feliz atualmente? Nada lhe falta?
-
Sim,
feliz. Nada me falta, exceto encontrar-me, como já disse acima. Se isto
acontecer, – o que não acredito – então, sim, terei atingido a felicidade
verdadeira, completa, insofismável.
-
Acha
o ciúme um sentimento próprio dos medíocres?
-
Ah!
Então é por isso que eu sou tão medíocre...
“STATES”
Como
não poderia deixar de ser, tocamos no assunto “States”. Disse-nos Maysa que
ficou verdadeiramente encantada com o adiantado estágio de civilização que já
atingiu o povo daquele país irmão. Suas magnificentes construções, – maravilhas
arquitetônicas – suas pontes, vida noturna, indústrias, enfim, todas as
inúmeras formas de resolver os problemas da vida quotidiana pela maneira mais
prática e eficiente – a deslumbraram. Gostaríamos, entretanto, de saber o que,
dentre aquela imensidão de maravilhas que existe nos Estados Unidos, mais
entusiasmara a artista brasileira. Por isso, fizemos a pergunta:
-
O
que mais a impressionou nos “States”?
A
resposta de Maysa veio pronta.
-
A
ingenuidade dos americanos.
(Reportagem publicada originalmente na RADIOLÂNDIA - Nº352, segunda quinzena de maio de 1961. Agradecimentos ao leitor Edson Luiz Mendes que tornou possível a publicação desta matéria. Muito obrigado!)
Por que será que ela considerou os americanos ingênuos??? That's the question, rsrsrs...
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