10 de junho de 2013

Imprensa: Maysa acha os americanos ingênuos - Radiolândia (05/1961)


Maysa acha os americanos ingênuos


Esta entrevista foi realizada com Maysa noite dessas no apartamento 1.303 do Plaza Hotel, onde a estrela se encontrava hospedada. Informal e simples, lacônica por vezes, mas categórica sempre, deixando de lado, por completo, os chavões e as frases feitas, a criadora de “Ouça”, “Mundo Vazio”, “Suas Mãos”, “Escuta Noel” e tantos outros sucessos em disco foi respondendo, uma a uma, às indagações que lhe dirigimos, sem titubear, sem hesitar um instante sequer. Vestia uma blusa de malha e uma saia escura. Ao colo, seu cachorrinho de estimação. Os cabelos revoltos, caindo em mechas sobre a testa, davam-lhe um toque de encantadora negligência, que a ausência de “baton”, “rouge”, ou rimmel” tão bem complementava.
Fitou-nos, com seus olhos marcados a lápis. Seu olhar nos disse que podíamos começar.

“NÃO ME CONHEÇO”

-         Que acha de si mesma? – iniciamos.
-         Já cheguei à conclusão de que não me conheço. Não sei ainda, exatamente, quem sou, quem fui, quem serei. Vivo procurando a mim mesma, certa, embora, de que não me encontrarei nunca, nem no espaço nem no tempo. Sou, entretanto, a mulher que se busca.
-         Considera-se realizada como criatura, artista e mulher?
-         Realizei-me plenamente como criatura humana, como matéria orgânica e sensitiva. Não o consegui, todavia, como artista e mulher. Pensando bem, pouco ou nada realizei na vida, pois cada dia que passa mais me convenço de que me falta tudo para realizar aquilo a que me propus, quando iniciei a jornada da existência. Existência? Nem sei mesmo, ao certo, se vivo ou vegeto...
-         Considera-se uma mulher de grande personalidade?
-         Não, de personalidade grande. Não sei se para bem ou para mal. Costumo dizer o que penso, porque, geralmente, penso o que digo, aproveitando o “slogan” de um jornal.
-         A Maysa-mãe é condescendente ou rigorosa?
-         Nem uma coisa nem outra: compreensiva. Meu filhinho (que se encontra em São Paulo, residindo em companhia de meus pais) não conheceu, até agora, de minha parte, tolerância ou tirania. Dispenso-lhe a compreensão de vida aos meninos de sua idade, pois não desconheço que a benevolência excessiva é tão perigosa quanto o rigor em demasia.
-         Qual é sua religião? E cor política?
-         Tenho, por princípio, não responder a perguntas que versem sobre questões religiosas ou políticas, uma vez que são assuntos extremamente controversos. Vou abrir uma exceção, certa de que vocês não tocaram mais nestes temas. A religião que professo, defino-a numa palavra – cristã. Quanto à minha cor política, é... meia-esquerda.
E deu um sorriso maroto. Espremendo mais ainda os olhos rasgados.

“BEBO PORQUE QUERO”

-         Maysa, porque você bebe? – perguntamos, de chofre. Pausa. Lentamente o sorriso se desfez. E a resposta veio, em tom que não admitia réplica:
-         Bebo, por vários motivos: em primeiro lugar, porque quero. Em segundo, porque sinto vontade. Em terceiro, porque tenho dinheiro para pagá-la. Finalmente, porque bebendo, eu me torno menos insuportável aos outros e, ao mesmo tempo, consigo suportar a presença dos insuportáveis, coisa que seria difícil obter fora do estado etílico.
-         E que faz quando, mesmo estando em multidão, sente-se só?
-         Bebo.
Aproveitamos a embalagem:
-         A noite carioca lhe agrada? E a paulista? E a nova-iorquina?
-         Quer saber de uma coisa? Minhas noites não têm sobrenome.

“FRACASSEI NO AMOR”

-         Quantas vezes você se viu frustrada no amor, Maysa?
-         Tantas quanto tentei. Meu fracasso no amor foi qualquer coisa de cruel, total, inumano, exasperante, irremediável. Como sigo, entretanto, a teoria filosófica que erige a fatalidade como supremo dogma, conformei-me com os meus contínuos insucessos nesse terreno, cujos encantos, ainda, a bem dizer, desconheço. Resigno-me a amar sem ser amada ou ser amada sem amar, ou ainda: nem amar, nem ser amada – que considero a mais simples para uma vida vegetativa e sem pretensões. Diga-se de passagem que não creio já ter sido amada verdadeiramente, levando-se em conta o que eu entendo por “amar”, em toda complexa acepção da palavra.
-         Julga-se feliz atualmente? Nada lhe falta?
-         Sim, feliz. Nada me falta, exceto encontrar-me, como já disse acima. Se isto acontecer, – o que não acredito – então, sim, terei atingido a felicidade verdadeira, completa, insofismável.
-         Acha o ciúme um sentimento próprio dos medíocres?
-         Ah! Então é por isso que eu sou tão medíocre...

“STATES”

Como não poderia deixar de ser, tocamos no assunto “States”. Disse-nos Maysa que ficou verdadeiramente encantada com o adiantado estágio de civilização que já atingiu o povo daquele país irmão. Suas magnificentes construções, – maravilhas arquitetônicas – suas pontes, vida noturna, indústrias, enfim, todas as inúmeras formas de resolver os problemas da vida quotidiana pela maneira mais prática e eficiente – a deslumbraram. Gostaríamos, entretanto, de saber o que, dentre aquela imensidão de maravilhas que existe nos Estados Unidos, mais entusiasmara a artista brasileira. Por isso, fizemos a pergunta:
-         O que mais a impressionou nos “States”?
A resposta de Maysa veio pronta.
-         A ingenuidade dos americanos.


(Reportagem publicada originalmente na RADIOLÂNDIA - Nº352, segunda quinzena de maio de 1961. Agradecimentos ao leitor Edson Luiz Mendes que tornou possível a publicação desta matéria. Muito obrigado!)

Um comentário:

  1. Por que será que ela considerou os americanos ingênuos??? That's the question, rsrsrs...

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