Cantar descalça ante as câmeras da tevê, sentada contra o
encosto da cadeira, o microfone em uma das mãos e o cachorrinho americano na
outra – e cantar bem como sempre – convenhamos que isso não é para qualquer um.
Mas o é para Maysa, que nesse estilo surpreendeu ao público da TV Record, em
São Paulo, na atual temporada de audições exclusivas às 20 horas de
segunda-feira. Uma bossa novíssima, como se vê.
Igualmente, iniciar temporada com os programas coproduzidos
por seu amor de então, Ronaldo Bôscoli, que também funcionava como empresário
da estrela, e com acompanhamento a cargo de um conjunto exclusivo, o do
pianista Roberto Menescal, que viajava do Rio especialmente para tal fim,
concordemos que à primeira vista era novidade. Mas não o era em verdade... Pois
se tratava de Maysa.
E o quadro de surpresas se completa após saber-se que poucas
semanas após Maysa rompeu com o noivo empresário, desistiu do anunciado
casamento em Paris em março do próximo ano, dispensou o pianista e tornou a
calçar os sapatos para defrontar o público. Conforme se verifica, o destino
continua a sacar na caixinha de surpresas portada a tiracolo por Maysa.
Mas esses incidentes, como no passado, passam sem deixar
marca visível na fisionomia, no temperamento e na própria carreira de Maysa.
Ela mesma confessa à reportagem:
- Nada de extraordinário entre mim e o Ronaldo. Amamo-nos
alguns meses, que não repudio em minhas recordações sentimentais, mas – como
dizem atualmente os cronistas políticos – um dia o amor esvaziou-se de
conteúdo, daí a separação consequente. Coisas normais à vida de quem vive
intensamente e com sentido aos minutos desperdiçados. Sem mágoa a separação,
creia. Quanto a cantar descalça, começou durante minha última temporada em
Buenos Aires. Cantando numa boate, sentia certa noite os pés em fogo,
afetando-me naturalmente os nervos. A certa altura não aguentei mais: perdi o
acanhamento e tirei os sapatos. Que alívio para a matéria e o espírito! Pois a
turma presente gostou, no dia seguinte os cronistas me designavam como “a
princesa descalça” e vi-me impelida, também por gosto, a exibir-me desse jeito.
Não se tratava, porém, de um estilo que eu forçava por impor. Apenas com os pés
descalços me sentia muito mais à vontade – só isso. Nos meus últimos programas
na Record, entretanto, tornei a calçar-me devido a inúmeros pedidos para que eu
voltasse a apresentar, ao invés de apenas músicas da bossa nova, como vinha
fazenda, também as minhas criações do início da carreira. E como respeito o
público, embora pareça o contrário, não vacilei em atender a essas
solicitações, naturalmente sem os pés descalços
para não descolorir o ambiente com relação às minhas primeiras músicas.
No entanto o “barquinho” da minha vida navega conforme eu quero: a velas
soltas.
E o que Maysa não comenta, talvez por considerar
desnecessário, é que, não obstante as tropelias impostas pela vida artística e
a circunstância de sua pessoa constituir sempre uma notícia em potencial – com
espaço permanente aberto nas colunas da imprensa – é que não lhe faltam
contratos em parte alguma, no Brasil ou no exterior, em rádio, televisão, boate
e shows avulsos. Por exemplo: o atual patrocinador de sua temporada no Canal 7,
em São Paulo (Cestas de Natal Amaral), não apenas não levanta objeções às
“esquisitices” da artista frente às câmeras, como pretende mesmo ampliar a
promoção publicitária deste ano mediante a apresentação de Maysa – ao vivo e em
vídeo tape – em diversas outras capitais do país. Se isso não representa
prestígio, apesar de todas as outras “ondas” em contrário, difícil dizer o que
o seja.
Por isso, pode-se dizer sem receio de erro que, não obstante
as “surpresas” que com frequência oferece ao público – ou talvez por isso mesmo
– Maysa continua Maysa...
(Matéria publicada originalmente na revista Radiolândia em dezembro de 1961.)