Maysa - edição 1961 - exclusiva da bossa nova
Vera Pereira
A cantora Maysa, que esta
semana embarca para os Estados Unidos, em cumprimento de um contrato firmado no
ano passado com a boate Blue Angel, de Nova Iorque, reaparecerá em fins de maio
ao público carioca, em nova fase de sua carreira artística: assinou contrato de
exclusividade com um conjunto de integrantes da bossa nova e em todas as suas
apresentações, durante o ano, em shows, televisão ou discos, no Brasil, e,
possivelmente, no exterior, se fará acompanhar por eles.
Nesse sentido, gravou um
primeiro LP, em estilo bossa nova, intitulado Maysa e a Nova Onda, e,
aproveitando sua temporada de um mês em Nova Iorque, tentará levar o conjunto
para os Estados Unidos. Se não o conseguir, em virtude da barreira imposta pelo
Sindicato de Músicos dos Estados Unidos à exibição de estrangeiros, reincidirá
o contrato com a boate americana, pois já tem proposta para uma tournée pela
América do Sul, acompanhada pelo conjunto, devendo apresentar-se em junho na
Argentina e depois no Chile.
PRIMEIRA TOURNÉE
É
essa a primeira vez que um conjunto de músicos bossa nova fará uma excursão
artística fora do Brasil, principalmente aos Estados Unidos. Algumas exibições
individuais, em pequenos grupos, foram feitas no ano passado, na Argentina, com
João Gilberto e Norma Benguell, mas é a primeira vez que a tournée é organizada especialmente com uma cantora exclusiva.
A
sugestão para a viagem partiu da própria Maysa que, durante sua última
temporada nos Estados Unidos, havia ouvido referências entusiasmadas de Lena
Horne, Sammy Davis Jr, e outros artistas que haviam conhecido a nossa música
moderna ao fazer temporada no Brasil.
De
volta ao Rio, Maysa, que em Punta Del Leste conhecera pessoalmente o violonista
Menescal e João Gilberto, em sua exibição naquela cidade, entusiasmada com o
ritmo dos músicos, procurou entrar em contato com outros elementos da turma,
através de Ronaldo Bôscoli, que conhecia como compositor.
O CONTRATO
Já
no show do Copacabana Palace e nos
programas de televisão que realizou no início do ano, Maysa aparecera com
elementos da bossa nova, e, ao ser contratada pela Columbia Discos para a
gravação de um LP, surgiu a ideia da exclusividade. Tendo Roberto Corte-Real,
diretor da companhia, permitido à cantora escolher os arranjadores do novo
disco, Maysa exigiu que fossem contratados, ao mesmo tempo que ela, Luis Eça e
Roberto Menescal, não desconhecidos profissionalmente e pertencentes ao grupo
BN.
Com a assinatura do contrato, Maysa criou também uma
novidade entre cantores brasileiros, embora de uso comum entre europeus e
americanos: organizou uma direção artística, a cargo de Ronaldo Bôscoli, que se
incubirá especialmente da montagem e da produção de seus shows.
O CONJUNTO
O
conjunto, que assinou contrato de exclusividade para acompanhamento de Maysa em
todas as suas exibições e que com ela gravou o LP Maysa e a Nova Onda, é integrado por:
Roberto
Menescal, de 23 anos, conhecido compositor e violonista, responsável pelos
arranjos para pequeno conjunto, que compôs também várias músicas do LP;
Luis
Carlos, de 21 anos, pianista, acompanhante de João Gilberto, Norma Benguell e
Cauby Peixoto em excursões à Argentina;
Bebeto,
21 anos, considerado o melhor contrabaixista do país, além de tocar também
flauta, clarinete e sax;
Hélcio,
baterista que acompanhará Maysa nos Estados Unidos. É quem possui maior soma de
experiência profissional, pois acompanhou Sammy Davis em sua recente temporada
em São Paulo, participou nos Estados Unidos do Perry Como Show e foi convidado por Les Baxter para gravar um LP
intitulado Ritmos Latino-Americanos.
É inventor de uma novidade em tipo de bateria, com quatro tambores, chamada tamba.
A
regência e os arranjos para grande orquestra, assim como os solos de piano,
foram feitos por um maestro de 23 anos, Luis Eça, que estreia como arranjador.
É muito conhecido como pianista de jazz
e já foi bolsista do Conservatório de Viena.
MAYSA SORRI
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A
Maysa do novo disco, afirma Ronaldo Bôscoli, aparece cantando leve, mais perto
do ouvinte, sem superdramatização. É uma Maysa de sorriso no rosto.
O
que em nada lhe modificou a personalidade; na opinião dos outros elementos do
conjunto, o estilo Maysa é o mesmo,
embora haja modificações na maneira de dizer as letras, com um acompanhamento
moderno, balançando, bem de bossa
nova.
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Meu
gênero ainda é o romântico, declara Maysa. Mas precisei me atualizar; e ter
conhecido os meninos – como chama os
integrantes do conjunto – teve a outra vantagem de me interessar em aprender
música e aperfeiçoar meu estilo.
PORQUE NOVA ONDA
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O
nome bossa nova anda muito vulgarizado, diz Ronaldo Bôscoli. Atualmente se
aplica a tudo o que é diferente, de bom gosto ou não, em todos os assuntos.
Por
isso preferiram adotar o termo nova onda, sem dúvida tradução do francês nouvelle vague.
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É
preciso compreender que o nome, em si, não quer dizer nada, nem ao menos que o
estilo seja completamente novo, explica Bôscoli. Apenas distingue, no momento,
um grupo de jovens que faz música leve, antinegativista, triste mas com
otimista.
Música
para gente jovem, se não em idade, em talento, como Ary Barroso e Vinicius de
Moraes.
MÚSICA DE ELITE
A
bossa nova – ou nova onda – nasceu como um tipo de música brasileira para uma
elite de cultura musical, assim como o jazz
nos Estados Unidos.
O
compositor ou instrumentista, precisa ter suficiente conhecimento teórico, boa
técnica, estudar, ler e ouvir música, para adquirir a versatilidade necessária
para improvisar e fazer harmonizações dentro do ritmo balançado.
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Existem,
na música brasileira, o samba de morro, o samba de salão e o samba bossa nova,
afirma Ronaldo, assim como nos Estados Unidos, por exemplo, há o fox-trot, o jazz e outros ritmos.
BN COMERCIALIZADA
Dizem que a fase de sucesso da BN está passando e o
movimento tende a desaparecer, pois o público está saturado com uma quantidade
grande de cantores e compositores que aderiram ao estilo lançado por João
Gilberto.
Para
Ronaldo Bôscoli o próprio fato de quase todos os autores tentarem introduzir o
ritmo balançado em suas composições
já mostra que, embora não seja mais a novidade que era há dois anos, a
influência da BN foi profunda.
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Há
é uma inflação de sambinhas, declara Menescal, que copiam a famosa batida de violão da BN, adaptam-na uma a
uma, melodia de fácil agrado e comercializam o estilo. Uns com bom gosto – Luis
Antônio e Miltinho, por exemplo – outros, nem tanto. A verdade é que, assim
como Elvis Presley sempre venderá mais que Gerry Mulligan, também a autêntica
BN não pode ser comercial, e muito compositor de menos categoria faz mais
sucesso que Antônio Carlos Jobim.
CASO JUCA CHAVES
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Exemplo
típico é o do moço Juca Chaves, afirma Ronaldo. Representante da bossa paulista
em terra carioca, chegou quando fervia o movimento BN. Imediatamente, sem que
ninguém do grupo tomasse conhecimento, declarou-se adepto de nosso estilo.
Depois, desmentiu-se; voltou atrás e, no meio tempo, ia entoando suas modinhas,
tipo começo de século, que são lindas, à sua maneira, mas não respeitam nenhuma
das características de bossa nova.
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Principalmente,
acrescentou, o caso Juca Chaves teve o desserviço de confundir, no conceito
popular, o nome de um estilo musical com a adoção de comportamentos diferentes
e atitudes desconcertantes.
INFLUÊNCIA DO JAZZ
A
música da bossa nova tem muita afinidade com o jazz, embora seja essencialmente brasileira nos temas e no ritmo. A
variação sobre um mesmo tema, a improvisação, mesmo algumas frases melódicas
lembram imediatamente o estilo jazzístico. A origem negra comum nas músicas
negra e americana, assim como a idade dos seus adeptos, talvez sejam fatores de
explicação.
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Essa
influência existe e nem poderia deixar de existir, afirma Ronaldo Bôscoli, pois
os músicos que criaram a BN, todos de menos de 30 anos, já cresceram sob o
impacto da propaganda americana em discos e em filmes.
RITMO DE SAMBA-RANCHO
É
no ritmo, entretanto, que se evidencia o caráter essencialmente brasileiro,
talvez mesmo carioca, da bossa nova.
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Foi
João Gilberto quem adaptou para o violão a batida
característica das escolas de samba, quando regressam de um desfile, explicou
Hélcio, e que mais se assemelha a um samba-racho, lento e marcado, do que ao
ritmo ligeiro da bateria que começa o desfile.
FARÁ SUCESSO
O
ritmo da bossa nova deve agradar ao público americano. Além da afinidade com o jazz, o ritmo harmonicamente mais certo,
mais definido, torna fácil a assimilação para o ouvinte estrangeiro.
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O
samba tradicional faz mais sucesso no exterior por ser exótico, afirma Ronaldo
Bôscoli, do que pela sua qualidade intrínseca.
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Assim
acrescenta Maysa, é muito raro que uma cantora brasileira, que não se apresente
no exterior com a clássica fantasia de baiana e a gesticulação de Carmen
Miranda, faça sucesso.
A
montagem do primeiro show de Maysa
com a nova onda, nos Estados Unidos, será semelhante à que realizou na última
temporada no Copacabana Palace. Cantará, em português, apenas acompanhada pelo
pequeno conjunto.
(Reportagem publicada originalmente no CADERNO B do JORNAL DO BRASIL, na quarta-feira, 12 de abril de 1961)