31 de agosto de 2010

Coluna: Música da semana

Por: Vitor Dirami

"Malatia"
 
Título: “Malatia”
Autor: Armando Romeo
LP: Convite para ouvir Maysa Nº 4 (1959)

Análise:
“Tu sì na malatia / Ca me dà na ‘smania e te vedè / Ne vem ‘a frennesia / Tutt’e sere quand aspett’a te.”
Maysa conseguiu embelezar ainda mais, a delicadeza da napolitana “Malatia” de Armando Romeo. O beguine italiano “Malatia” (Doença); de cara, logo apresenta uma indentificação mútua com sua intérprete – o tom passional e escancaradamente trágico. Em sua voz rouca e cálida, a canção assume um viés delicado, e também doloroso. Cantando as dores da canção, Maysa imprime todos os seus sentimentos nesta interpretação.
A napolitana “Malatia”, foi revista pelas mais diversas vozes ao redor do mundo, em diversas interpretações. Uma das que mais obtiveram sucesso, foi a clássica interpretação do famoso cantor italiano Pepino di Capri, que viria a grava-la no ano seguinte – 1960, e eternizaria os sucessos “Roberta”, e “Champagne.” A faixa foi perfeitamente encaixada dentro do grandioso Convite para ouvir Maysa Nº 4 de 1959, mas já havia sido lançada anteriormente com a mesma gravação em um compacto duplo também de 1959, somente com músicas estrangeiras. Ali, a “Malatia” de Armando Romeo, figurava ao lado de “Get Out Of Town”, de Cole Porter, da francesa “Chanson D’Amour”, e por último vinha a inacreditável “Uska Dara”, desencavada do folclore turco.
Revista pela ótica sofisticada do maestro italiano Enrico Simonetti, a versão de Maysa assume uma roupagem mais refinada e cheia de requintes. Nos arranjos, houve um belo acompanhamento de piano, que evidencia ainda mais esse caráter refinado. O encontro de Maysa com a canção italiana é irresistível a qualquer ouvido, e também ao coração. A cantora melancólica, se ajusta perfeitamente ás dores desbragadas de amor de “Malatia”, que encara o amor como uma verdadeira doença que atormenta a mente, despedaça os corações e sofre a alma. Frente a um adversário tão poderoso também não há como reagir. Só resta se entregar à doença do amor, doença qual não possui nome, endereço ou qualquer tipo de identificação. Em meio à solidão, vivendo a tristeza e sem amor, essa doença pode matar. O amor é a doença, sem qualquer tipo de remédio. Contrariando a canção, não o abandone por toda vida, porque tudo passa, sempre passará.
"Tu sì na malatia
Ca se sai'na si tu staie cu'mme
Sì tutt'a vita mìa
Chistu core more senze te.”

27 de agosto de 2010

Especial: "As Minhas Saudades"


As Minhas Saudades

“Ah, como a saudade pode ser triste.
Como a saudade pode ser amarga.
A saudade pode ser pior do que a própria morte.
A saudade é uma ausência perpetuada, algo eterno, infinito, sem volta, sem adeus.
A saudade não é compreensiva, suponho que ela seja só, enlouquecidamente só.
Mas na saudade, por maior que seja sua tragédia, há uma esperança.
Esperança de um regresso, esperança de voltar, a esperança dos desesperados.
Ah, como sou desesperado.
Desesperado pela sua volta, por um possível regresso.
Se é que você partiu, você nunca partiu.
Sua partida é uma ilusão, uma ridícula ilusão.
A ilusão dos desesperados.
Desesperados por amor, desesperados por sua luz, desesperados por uma só certeza.
Eu não acredito na sua partida, você é eterna.
Você não existe, foi um raio de luz que passou pela terra e outro dia já está de volta.
Na mais pura paz te encontrei, nas flores daquele lindo jardim.
A sua dor é a minha dor.
O seu amor é o meu amor.
A sua luz é a minha estrela.
Não procurem. Ela está aqui, ela nunca foi.
Ela está na pureza dos corações, na alegria dos sorrisos, no brilho das estrelas.
Ah, o brilho dos seus olhos.
Brilho de noite enluarada.
Noite mística, atrativa, envolvente, hipnótica.
Você é noite misteriosa, mistério que atrai, que chama.
É manhã de Sol, céu azul, chama acesa, de vida.
Você é viva, é tudo, é o futuro da emoção.
Ah, eu estou completamente perdido, iludido, enganado, ultrajado, amedrontado.
Porém, eu só tenho uma única certeza, só me resta esta certeza.
Saudade, não me deixe só.
Nunca me abandone, eu preciso de você.
Eu nunca vou te esquecer.
Esta é minha única certeza.
Eu nunca vou te esquecer.
É isso o que eu vou levar da minha vida
Maysa, eu vou te levar por toda minha vida.”

Vitor Dirami

24 de agosto de 2010

Especial: Seleção Musical - O Amor por Maysa

Seleção Musical - O Amor por Maysa (com Parallel Realities Studio)



Nós aqui da Equipe do Blog Oficial Maysa temos o imensurável prazer de lhes apresentar o resultado da feliz colaboração entre o Blog Oficial Maysa e o Parallel Realities Studio resultando em um LP duplo.
O Parallel Realities Studio é gerido por Milan Filipovic, um sérvio apaixonado e grande pesquisador de MPB, que tem em seu Site, um acervo inestimável dos mais diversos nomes da Música Brasileira, verdadeiras raridades e todas dispobilizadas para downloads.
Milan Filipovic, foi muito sensível e lisonjeiro com nosso Site e após a seleção das músicas de Maysa feita por mim, nos deu a honra de contar com uma das mais incríveis capas criadas sob o estilo arrojado e sofisticado do Parallel Realities Studio.
Tive o ainda o prazer, a convite de Milan para assinar um texto de contra-capa que define a Maysa que vocês poderão encontrar nesta belíssima seleção.

“Uma Maysa romântica. Bela, emocionante, delicada, envolvente e por vezes dramática. Esta é a Maysa que vocês veram nesta seleção musical, nos 5 idiomas. A mesma Maysa que encantou platéias pelos quatro cantos do mundo. Em sua curta, porém intensa existência - 40 anos de vida. Uma vida levada como um sopro do vento, vivida como se cada dia fosse o último de sua existência. Uma obra brilhante, sensível, e genial. Composta por toda sensibilidade e paixão que possa existir, por vezes, inimaginável. A voz do amor, aquela que cantou a tristeza e a solidão como ninguém. Maysa não era uma cantora qualquer, era uma cantora como nunca houve igual em toda história. Em suas incessantes buscas pela felicidade e o amor, ela jamais esmoreceu. Cantou tudo o que sentia, tudo o que a vida lhe ensinou, transmitiu ao mundo sua dor e seu amor. É esta a Maysa que vocês verão nesta seleção. Sem máscaras ou fantasias, uma Maysa sincera e verdadeira, transposta nestes versos que ela canta. Maysa não existe, Maysa está acima de todos, Maysa é não é um sentimento. Maysa são todos os sentimentos.
Encanto, beleza, paixão, tristeza, solidão, amor, felicidade...Maysa é tudo!”
Vitor Dirami

Faixas:

LP 1:
01. Ouça (Maysa) 1957
02. Se Todos Fossem Iguais A Você (Tom Jobim / Vinicius de Moraes) 1957
03. Un Jour Tu Verras (V. Paris / Mouloudji) 1957
04. Caminhos Cruzados (Tom Jobim) 1958
05. Por Causa de Você (Tom Jobim / Dolores Duran) 1958
06. Eu Não Existo Sem Você (Tom Jobim / Vinicius de Moraes) 1958
07. Suas Mãos (Antônio Maria / Pernambuco) 1958
08. Exaltação Ao Amor (Vinicius de Moraes / Tom Jobim) 1959
09. Malatia (Armando Romeo) 1959
10. Hino ao Amor (Hymne à L'amour) (Marguerite Monnot / Edith Piaf / Vrs. Odair Marsano) 1959
11. Eu Sei Que Vou Te Amar (Tom Jobim / Vinicius de Moraes) 1959
12. Dindi (Tom Jobim / Aloysio de Oliveira) 1960


LP 2:
13. Autumn Leaves (Jacques Prevert / Johnny Mercer / Joseph Kosma) 1961
14. A Noite do Meu Bem (Dolores Duran) 1961
15. La Barca (Roberto Cantoral) 1961
16. Fim de Noite (Chico Feitosa / Marcos Vasconcellos) 1962
17. Ne Me Quitte Pas (Jacques Brel) 1966
18. Fantasia de Cellos:
Primavera (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes)
Eurídice (Vinicius de Moraes)
Canção do Amanhecer (Edu Lobo / Vinicius de Moraes) 1966
19. Eu e a Brisa (Johnny Alf) 1969
20. Molambo (Jaime Florence "Meira" / Augusto Mesquita) 1970
21. As Praias Desertas (Tom Jobim) 1970
22. What are you doing the rest of your life? (Michel Legrand / A & M Bergman) 1972
23. Castigo - Fim de Caso (Dolores Duran) 1974
24. Morrer de Amor (Oscar Castro Neves / Luvercy Fiorini) 1974

Download parte 1
http://rapidshare.com/files/414230440/Maysa_de_Maysa_Monjardim_Oficial_1.zip.html

Download parte 2
http://rapidshare.com/files/414287819/Maysa_de_Maysa_Monjardim_Oficial_2.zip.html


Milan FilipovicParallel Realities Studio
(http://parallelrealitiesstudio.blogspot.com/)

20 de agosto de 2010

Imprensa: "O Sena desafia Maysa" O Cruzeiro - 1959

    Por: Vitor Dirami & Marina M.

"O Sena desafia Maysa" O Cruzeiro - 1959


Quando Maysa desembarcou em Paris, naquele ano de 1959; ninguém poderia sequer imaginar quais seriam suas desventuras pela cidade-luz, talvez nem ela própria soubesse. Ao por os pés na capital francesa, Maysa se hospedou no luxuoso hotel La Trémoille, situado estrategicamente entre os Champs-Élysées e o charmoso rio Sena, uma das regiões de maior burburinho da cidade. Na agenda, nenhum contrato ou shows em boates. Aos amigos no Rio de Janeiro, se mostrava ainda mais enigmática nas cartas: “Vim aqui para ficar com os comigos de mim.” "Comigos de mim" - frase tomada por Maysa da obra do escritor português Fernando Pessoa, na verdade seria o título do livro de poemas que ela publicaria quando voltasse ao Brasil. Parece estranho e realmente é, mas para quem conhece Maysa, não há nada de esquisito nisso.
Realmente, em Paris ela parecia buscar um reencontro consigo mesma, uma busca incessante de fugir de tudo e todos em busca de uma liberdade tantas vezes sonhada, sem armas. Maysa parecia ter invertido a ordem dos dias – durante as manhãs trancafiava-se no quarto do hotel e só saía ao escurecer, para passear, sempre sozinha guiada pela mística da noite parisiense. Poucas vezes ela renunciou a este ritual cotidiano. Em uma dessas raras exceções, fez uma audição especial para a primeira dama brasileira – dona Sarah Kubistschek (esposa de Juscelino); que estava em Paris acompanhada das filhas Márcia e Maristela. Em outra ocasião, Maysa resolveu comparecer a inauguração da casa do Brasil, projetada por Lúcio Costa e Le Corbusier, no complexo da Cité Universitaire. Maysa deu o ar de sua graça, com direito á autógrafos e rapapés, porém no coquetel, logo observou: “Champagne é bom, mas só faz cócegas na gente.”
Não demorou muito para que ela trocasse a reclusão do quarto de hotel pela badalação da noite parisiense, parecia querer levar a vida como um sopro, sempre como se aquela, fosse sua última noite. Acabou se jogando de cara no existencialismo francês, nas mesmas rodas literárias frequentadas por Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Chegou há atitudes radicais, perambulando a esmo na madrugada, dormiu em bancos de praças e parques da cidade. Por dias seguidos, desapareceu do hotel e com uma garrafa na mão foi ao submundo de Paris investigar de perto os clochards – os mais vagabundos e boêmios de rua na cidade. Realmente, ela parecia viver os dias como se cada um fosse o último de sua vida.
Em Paris, Maysa tornou-se amiga de Vera Barreto Leite – uma das primeiras e mais famosas manequins brasileiras, à época, Vera era a modelo predileta de dois papas da moda mundial – Coco Chanel e Christian Dior. Cosmopolita e moderna, ela tornou-se a companhia perfeita para Maysa na peregrinação pelas ruas de Paris. Vera recordaria que certa vez, no início da manhã, Maysa sempre avessa a qualquer tipo de preconceito, chegou a tiracolo de um clochard e uma prostituta na casa de sua mãe – Maria Barreto Leite, funcionária do Itamaraty, há serviço da embaixada brasileira em Paris. Enquanto Maysa desfiava um rosário de aventuras na capital francesa, no Brasil ninguém sabia ao certo onde e como ela estaria. Foi aí que o colaborador de O Cruzeiro na Europa – Afrânio Brasil Soares, há descobriu em Paris. Suas revelações desabaram como uma bomba no Brasil, publicada pela prestigiada O Cruzeiro. Nas fotos de Hélder Duarte, todos cliques no melhor estilo noir, observa-se Maysa sempre pensativa, com olhar vago, em planos no Arco do Triunfo ou o rio Sena – em que o texto da reportagem fazia alusão a um vigésimo nono suicídio. Em uma das fotos ela aparece deitada na cama do hotel á penumbra escura, em outro clique, vê-se uma Maysa expressiva com o rosto em close, olhando vagamente para o horizonte.
Enquanto isso, Maysa continuava sua incessante peregrinação na cidade-luz . em pouco tempo, havia torrado todo o dinheiro que levou consigo para a Europa. Nas eternas andanças, foi apelidada por um amigo francês de “Pantera”, segundo a própria Maysa, viveu “Pintando quadros e vendendo para poder comer.” Pelo mesmo motivo, a gata de olhos verdes cantou em uma casa noturna de Paris, a La Lousianne, onde cantou pela primeira vez o eterno clássico “Ne Me Quitte Pas” de Jacques Brel. A boate passou a ser sua “furna” segundo a própria, uma espécie de refúgio. Toda a noite lá estava ela em um canto escuro, por trás de uma garrafa, ou então em pé no pequeno palco dominando o microfone da casa. Foi na La Lousianne que Afrânio Brasil Soares reencontrou Maysa e lhe arrancou mais uma entrevista histórica. Ele a procurou na casa noturna por três noites seguidas e só depois soube que naquele meio tempo ela esteve em Roma. As respostas de Maysa á Brasil Soares soavam como um trágico desabafo, no fim daquela longa noite na La Lousianne, o repórter lhe lançou uma última pergunta. Pediu para que ela imaginasse que a mesma questão lhe seria feita no exato instante de sua morte:

“Que fizeste da vida Maysa?”
“Chorei todos os dias. Sofri muito e nunca aprendi a amar.”

Ela ainda bateria muita perna em Paris. Só voltaria ao Brasil em meados de setembro, após quase quatro meses na Europa. Aqui no Blog Oficial Maysa, você vê na íntegra as revelações de Maysa à revista O Cruzeiro na edição de agosto de 1959 “O Sena desafia Maysa.”

“A Pantera visita Paris”

“- Vim a Paris para ficar mais com os “comigos” de mim – repete Maysa a quantos indagam o porque de sua presença na capital da França.
De fato, Maysa passa o dia todo sem sair do seu apartamento, no hotel La Trémoille, aonde vem recebendo as visitas da colônia brasileira, artistas franceses e onde está escrevendo seu diário de viagem que assim começa:
- Fugir à vida, a tudo o que é real, aos sonhos e as cores, esquecer que tenho um passado e que tenho de enfrentar o futuro continua a ser a minha obsessão.
Só quando a noite vai alta, a “Mulher Pantera” , como a ela se referiu um jornalista francês, sai do seu apartamento, acompanhada de um dos dois amigos que todo dia mudam. Dirige-se, então, para os bares e caves de Saint Germain des Prés, Pigalle, ou Montparnasse , onde soma as duas garrafas de uísque, que vem tomando diariamente, mais algumas doses. Uma dessas caves é a preferida de Maysa – a La Lousianne – que ela chama de “minha furna”. Até quatro horas da manhã, lá permanece, falando de seus “comigos” ou em hiatos prolongados de silêncio.
Quando deixa a cave, Maysa vai sozinha para os cais do Sena, onde fica muito tempo contemplando o raiar do dia.
- Tenho um forte impulso de me atirar nas águas do Sena – declarou a “O Cruzeiro” em Paris.
Num de seus passeios pelos cais, encontrou um “clochard”, com quem bebeu vinho e para quem cantou alguns números do seu repertório. Maysa traduzia para o vagabundo francês a letra de suas canções e, pela manhã, ao retirar-se o “clochard” ergueu a caneca de vinho:
- A vós, que compreendeis a vida...
Só por quatro vezes, Maysa saiu de seu apartamento durante o dia na sua presente estada em Paris. A primeira foi visitar as rádios e a televisão, onde concedeu entrevistas. Na segunda vez visitou dona Sarah Kubitschek, quando cantou para Márcia e Maristela, numa audição particular. Na terceira, compareceu à inauguração da Casa do Brasil na Cité Universitaire, e lamentou não encontrar uísque, e a quarta foi para atender um convite do bureau de “O Cruzeiro”, num passeio pelas proximidades de seu hotel.
Sua primeira tristeza sentiu-a ainda no avião. Nas proximidades de Paris, ouviu, a bordo, um programa da rádio Difusion Française em sua homenagem. E chorou ouvindo “Ouça”. Queixa-se de uma saudade que a acompanha a cada momento, saudade de alguma coisa que ela não sabe o que é. Não compreende como ame tanto a solidão e ache tão insuportável viver sozinha. Repetiu que gostaria de ter nascido homem, feio, preto e burro. Continua perseguida pelo medo dos bichos que voam, até mesmo de uma mosca. Não se lembra de um dia em que tenha despertado feliz e gosta de ruminar certas tristezas. Entre estas, lembra em particular o dia da sua primeira audição na rádio Mayrink Veiga, no início de sua carreira, quando todo o auditório se retirou na hora em que ela começou a cantar. Não conta com uma só amiga entre as mulheres, daí por que prefere as amizades masculinas.
Tem uma certa simpatia pelas pessoas complicadas e julga compreende-las bem. Acha desinteressante as pessoas normais e, incômodas, as vulgares. Diz que a sua extroversão é uma forma de introversão. Cada tentativa de suicídio dá-se numa hora em que supõe encontrar-se consigo mesma e acrescenta: “Qualquer pessoa se mata no dia em que se encontrar.” O seu futuro “é a dose seguinte de uísque” e “o passado a anterior”. Mede os dias pelas doses de uísque: há dias de 23 doses, outros de 27, alguns de 36, embora nunca se tenha dado ao trabalho de conta-las. Está nas suas cogitações, dar uma festa “à sua maneira” aos amigos de Paris, “uma festa que comece pelo fim.” Seu maior desejo, agora, é fazer uma “tournée” pelo mundo, acompanhada de Charles Chaplin, ou de um cachorro vira-lata. Acha que há poucas coisas boas em Paris, como encostar-se num poste de esquina. Assegura que jamais se suicidaria pulando da Torre Eiffel.
Maysa não sabe ainda para onde ir, quando se cansar das suas férias parisienses. Se não tentar o seu vigésimo nono suicídio, partirá para Cannes, Saint-Tropez ou Veneza. Talvez vá a Roma. Tem um contrato com o Cassino Estoril de 14 dias, mas não está certa de que o cumprirá. Se bem que a sua volta ao Brasil está marcada para o fim de julho ou agosto, pode retornar a qualquer hora se a saudade apertar.”

Carta de Maysa à revista O Cruzeiro:

“Entre um uísque e outro, estamos batendo um papo e o principal motivo é a sua simpatia
Estou encantada com a acolhida dos “Diários Associados” aqui, principalmente do pessoal do Cruzeiro.
Só achei feia a Miss Brasil desse ano que pude ver pelo Cruzeiro dessa semana que já recebi.
Espero, quando voltar, podermos bater um longo papo para que eu possa cantar as coisas e a atração que me dá as águas do Sena como um convite ao vigésimo nono suicídio.
Toda saudade e carinho de Maysa.”





Fotografada em cliques noir. Maysa aparece reflexiva, com olhar vago ao horizonte.


Rosto de “Pantera” (como a chamou um jornalista francês), ela faz 1º plano para o Arco do Triunfo. Embora o Sena seja um convite para uma morte lírica.




Deitada na cama do quarto do hotel á penumbra, iluminada apenas pela luz do abajur. Ali, Maysa alimentava sua solidão.


Maysa e os glacês: duas coisas tão distantes, mas que foram também se encontrar em Paris, num parque com a cantora de bolinhas no vestido.


17 de agosto de 2010

Coluna: Disco da Semana


Reza 


Gravadora: RCA Victor – Portugal

Ano: 1968
Faixas:
1- Reza (Edu Lobo / Ruy Guerra)
2- Chão de Estrelas (Silvio Caldas / Orestes Barbosa)
3- Tristeza de Nós Dois (Durval Ferreira / Maurício Einhorn / Paulo Sérgio Valle)
4- Dia de Vitória (Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)

Análise:
No segundo semestre de 1968, foi lançado em Portugal, pouco antes da volta definitiva de Maysa ao Brasil e de uma histórica turnê à Angola, um dos melhores discos estrangeiros de Maysa. Lançado pela RCA Victor lusitana, a capa sóbria trazia uma bela foto de Maysa em P&B, com um semblante triste e olhar vago, os cabelos compridos eram um sinal do novo estilo da camaleoa Maysa.

O disco em si uma das maiores preciosidades da discografia de Maysa. Para começar, o EP (compacto duplo) abria com a animada “Reza” de Edu Lobo e Ruy Guerra, com um maravilhoso arranjo de trombones. A música já havia sido gravada por Maysa em uma versão em espanhol, lançada meses antes em um disco pela RCA Victor espanhola. A próxima faixa era a histórica “Chão de Estrelas” de Silvio Caldas e Orestes Barbosa, que ganhou uma belíssima orquestração e já havia sido registrada no álbum Maysa, Amor...e Maysa, em 1961.

A música seguinte é também uma das maiores preciosidades da discografia de Maysa – a irresistível “Tristeza de Nós Dois” de Durval Ferreira, Maurício Einhorn e Paulo Sérgio Valle; a música de letra belíssima, ainda foi beneficiada por uma orquestração delicada e uma interpretação maravilhosa de Maysa. Por último, o disco encerrava com “Dia de Vitória” de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, uma sutil canção de protesto, música que naquele mesmo ano ficara em quinto lugar nas finais do marcante III Festival Internacional da Canção. Maysa também viria a registra-la ao vivo no ano seguinte em sua antológica temporada na cervejaria carioca Canecão.

Em suma, é um disco incrível. Observa-se uma Maysa em grande forma e de voz madura, beneficiada por uma orquestração delicada. Em Portugal Maysa possuía um público fiel que consumia seus discos continuamente e a reverenciava como a verdadeira cantora que ela era. Por outro lado, ela julgaria o português como o público mais carinhoso de sua carreira e o que mais bem há acolheu. Infelizmente, o compacto duplo português jamais foi lançado no Brasil á exemplo de outros vários discos que a cantora gravou na Europa. Privando assim o público brasileiro das preciosidades da carreira de Maysa no exterior.


13 de agosto de 2010

Especial: De Pablo Neruda para Maysa

Por: Vitor Dirami

De Pablo Neruda para Maysa

A voz que encantava platéias por todo o mundo. Aqueles olhos mil vezes decantados nas mais líricas linhas. A personalidade apaixonada, dramática e explosiva. Maysa cantou a vida, o mundo cantou Maysa. Abaixo, um singelo poema do eterno poeta chileno  Pablo Neruda, dedicado à inesquecível Maysa –  a voz da poesia fala com a voz do amor.

Maysa,

“Hallarás aquí el más hermoso canto al amor
Y la más dulce protesta por el sufrimiento.
En definitiva, te hallarás tú, en tu dolor, tu amor
Y tu soledad.”

San Pablo, 14 de Julio de 1962

Transcrito para a língua portuguesa:

Maysa,
“Encontre aqui o mais belo canto ao amor
e o mais doce protesto pelo sofrimento.
Definitivamente, você vai encontrar na sua dor, seu amor
E sua solidão.”

14 de Julho de 1962






10 de agosto de 2010

Coluna: Música da Semana


Por: Vitor Dirami
Revisão de texto: Paola Rodrigues

Un Jour Tu Verras


Título: "Un jour tu verras"
Autores: Van Parys / Marcel Moloudji
LP: Maysa (1957)
Análise:
“Un jour tu verras” (Um dia você verá), é uma das mais belas Chansons da música francesa, obra de uma parceria de Georges Van Parys e Marcel Moloudji. Moloudji, um compositor, ator e cantor parisiense, um dos maiores símbolos da vanguarda francesa dos anos 50 já havia gravado a canção três anos antes da gravação de Maysa. Ela registrou “Un jour tu verras” logo em seu segundo álbum – Maysa, de 1957, mas para os que acompanhavam seus programas na televisão, aquela canção já era bem conhecida dos telespectadores.

A letra de “Un jour tu verras” é um deleite a parte – sofisticada, bela e envolvente – uma canção repleta de ternura e amor, algo já íntimo para a apaixonante Maysa. “Un jour tu verras / On se rencontrera / Quelque part, n'importe où.” É bem verdade que ela mudou completamente o caráter emocional da música, expressa em versões mais tradicionais como a de Jacqueline François, que possui um tom muito mais alegre e animado. Já a versão de Maysa, assume um tom quase dramático e por vezes agressivo em alguns versos – “Puis jet'inviterai / Ta taille je prendrai / Nous danserons tranquille / Loin des gens de la ville / Nous danserons l'amour.” Mas mesmo com essa troca de emoções, a versão de Maysa é de longe uma das melhores de “Un jour tu verras”, com a mesma sofisticação e o refinamento que marcam a música. Maysa consegue imprimir todo seu amor e sua emoção em uma letra essencialmente terna e esperançosa.

Pois sim, “Un jour tu verras” é repleta de esperança, esperança por um reencontro no futuro, um futuro feliz alimentado pela ternura que vive no coração daqueles jovens apaixonados. Uma esperança que anseia por sorrisos em qualquer lugar que seja. Ah, como um coração pode ser tão terno e repleto de beleza, mesmo tendo sido vítima de tantas dores, de tanto sofrimento. A esperança que alimenta aquele amor é a mesma que nutre esses sonhos tão lindos, mesmo na mais triste melancolia há beleza, há esperança. Anseios por simples momentos de alegria – danças, cantos, sorrisos, o luar – um hino ao amor, um desejo de pura paz.

Um paz pura e sincera, longe dos olhos perversos, “Então eu te convidarei / A sua dimensão tomarei / Dançaremos tranquilos / Longe das pessoas da cidade.” Talvez, tudo seja um simples anseio por um último encontro, um encontro até o fim, para a última felicidade, para um futuro de amor, de paz, da mais pura felicidade. Aí, aqueles sorrisos, as danças, o canto e até o luar será verdade, uma verdade para todo sempre. Maysa com todo seu drama transmite aquela esperança, aquele desejo de felicidade, os anseios pelo encontro do amor sincero. Toda o desejo pela eterna paz.

“Um dia você verá
Nós nos encontraremos
Em algum lugar, em qualquer lugar
Guiados por acaso
Aguardaremos
E nós sorriremos
E de mãos dadas
Pelas ruas nós iremos.”

3 de agosto de 2010

Coluna: Disco da semana


Voltei

Gravadora: RGE – XRLP 5.078
Ano: 1960
Faixas:
1- Meditação (Tom Jobim / Newnton Mendeonça)
2- Alguém me Disse (Jair Amorim / Evaldo Gouveia)
3- Carinho e Amor (Tito Madi)
4- Voltei (Maysa / Enrico Simonetti)
5- Sincopado Triste (Hianto de Almeida / Macedo Neto)
6- Qualquer Madrugada (Hianto de Almeida / Chico Anysio)
7- Solidão (Antônio Bruno)
8- Cheiro de Saudade (Djalma Ferreira / Luiz Antônio)
9- Dindi (Tom Jobim / Aloysio de Oliveira)
10- Vem Comigo (Maysa / Enrico Simonetti)
11- Cantiga de Quem Está Só (Jair Amorim / Evaldo Gouveia)

Análise:
Quando Voltei chegou às lojas de todo país em junho de 1960, o Brasil constatou que a renascida Maysa estava flertando abertamente com a inovadora Bossa Nova. O álbum Voltei é o que se pode chamar de um trabalho de transição. Em pelo menos meia dúzia das faixas deste disco, é notável a batida da ensolarada Bossa Nova, estilo que começava a ganhar repercussão no Brasil após a gravação dos históricos álbuns Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso e Chega de Saudade, de João Gilberto, em 1958. 

Em Voltei, o agito da Bossa Nova ainda dividia espaço com os tradicionais boleros e samba-canções do repertório da cantora. A capa era um deleite a parte: uma belíssima foto em P&B de Maysa aparecia ao lado de grafismos geométricos coloridos, ultramodernos para a época. Além de uma delicada dedicatória manuscrita – “Com carinho de Maysa” – um alto contraste para com o título do álbum (Voltei) escrito em letras garrafais amarelas e laranjas.

Para começar, a primeira faixa do LP – a histórica “Meditação”, de Tom Jobim e Newton Mendonça já inaugurava o novo capítulo musical na carreira de Maysa. A canção que eternizaria a expressão “O amor, o sorriso e a flor” como definição daquele novo estilo musical que ainda engatinhava, também seria gravada pelo Baiano João Gilberto, naquele mesmo ano de 1960, apesar do arranjo da música conter a típica marcação contagiante da Bossa Nova, a voz de Maysa habituada ao tom passional do Samba-Canção, soava grandiloquente demais aos mais atentos ouvidos bossa-novistas. A Faixa seguinte “Alguém me Disse”, parecia não pertencer ao mesmo disco da histórica “Meditação”. “Alguém me disse que tu andas novamente, de novo amor, nova paixão, todo contente”; a música era um delicioso bolero da dupla Jair Amorim e Evaldo Gouveia, que Maysa gravou acompanhada por órgão eletrônico.

Bolero também era a encantadora “Qualquer Madrugada” – “Ligo a vitrola, dou folga a empregada, espero você qualquer madrugada”, obra do grande Chico Anysio em mais uma de suas mil facetas. Um dos maiores êxitos do LP era uma inspirada interpretação para “Dindi”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, lançada no ano anterior por Sylvia Telles. A música anos depois, se tornaria um dos maiores clássicos da carreira de Maysa. 

No disco, ela respondia pela autoria de apenas duas canções – “Voltei” e “Vem Comigo” – as duas em parceria com o maestro Enrico Simonetti, que novamente assinava pela regência e os arranjos do disco. em “Voltei”, a faixa-título do disco ela ressurge autobiográfica, lançando mão de um apelo: “Voltei, com meus olhos, com meus versos, e a todos eu peço que me aceitem como sou”. Já em “Vem Comigo”, um sambinha envolvente, via-se a nova visão de Maysa sobre a vida: “Vem, vem ver comigo agora, você que tão triste chora, o lado bonito da vida”. Porém, o maior sucesso do LP foi “Cantiga de Quem Está Só” – um irresistível bolero da dupla Jair Amorim e Evaldo Gouveia, que conseguiu a proeza de se manter três meses seguidos no topo das paradas de sucesso de todo o Brasil.

Voltei , reunia boleros, samba-canções, e autênticas bossas-novas com muita harmonia e delicadeza, inaugurando uma nova página no extenso livro musical de Maysa. É um disco maravilhoso, envolvente e habilmente delicado ao reunir canções de estilos diversos. Voltei fez um ótimo sucesso, as vendas foram turbinadas pela mídia espontânea que Maysa recebeu ao reaparecer em grande estilo. Na contracapa - texto assinado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – o famoso Boni, que alguns anos depois viria a se tornar um dos homens fortes da futura TV Globo:

“A idéia inicial era essa: Maysa escreveria sua própria contra capa. (1) Ela não escreveu (2) e aqui estamos para isso. Escrever sobre Maysa é difícil. Já disseram muito e nada. Maysa volta. Quem é que volta? Volta quem ficou. Volta quem é conhecido. Você conhece Maysa? Eu também não! E falo com ela. E a cantora Maysa, conhece? Conheço também. Canta como ninguém. Já disseram? (3) Ah...sim! Boa lembrança. Maysa voltou com brilho de vida nos olhos grandes! E o que é Maysa se não a vida? O que é que Maysa tem? (4) Maysa é!
1- Seria melhor que ela escrevesse. Ninguém conheceria Maysa mais do que Maysa.
2- Talvez ela não conheça Maysa...ou, então, é falta de tempo. Os novos contratos de Maysa são para todo território nacional. E, ainda mais, Maysa dedica-se a enfermagem. Faz bem para outros e para ela.
3- Sobre Maysa cantora tudo já foi dito. Eu só acrescentaria: dizer alguma coisa cantando é muito enjoado. Maysa é o inverso. Canta dizendo “tudo”. Gosto dela.
4- Tem um filhinho lindo. Tem uma personalidade comunicativa e contagiante. Tem amor pela música. Esta fora deste mundo. Maysa é!”

(O álbum foi relançado em CD totalmente remasterizado com pela gravadora Som Livre em 2009.)